JOSÉ LUÍS MENDONÇA
Burocracia versus direito à informação
Há tempos, foi lançado um livro em homenagem ao médicoguerrilheiro, Dr. Américo Boavida. O jornal Cultura, que dirijo há cinco anos, propriedade das Edições Novembro, publicou, com honras de primeira página, a nota da merecida homenagem. Como não tínhamos, como é óbvio, uma imagem de arquivo do nacionalista com a resolução requerida, foi o nosso fotógrafo Paulino Damião, mais conhecido por Cinquenta, ao Hospital Américo Boavida, para sacar uma foto do busto ali erguido. O nosso fotógrafo voltou desapontado. Desiludido e triste. Porque o Cinquenta é um dos fotógrafos mais antigos e dedicados da empresa. É tão dedicado à sua profissão que, mesmo já reformado, ainda vem trabalhar. E sempre que sai em serviço, como todos nós, usa o cartão de identificação. Mas, lá no hospital Américo Boavida, a pessoa de serviço na secretaria geral exigiu uma carta a pedir autorização para poder tirar uma foto do busto do nacionalista.
Como o jornal tinha um prazo de edição, socorremo-nos de uma imagem caçada na Internet, o contraste não ficou lá muito claro, mas, o que é que se havia de fazer?
Há duas semanas, o Museu da Moeda, junto ao Banco Nacional de Angola, exibiu uma exposição de cerâmica produzida pelo artista Horácio da Mesquita. Lá foi outra vez o Cinquenta, devidamente credenciado como fotógrafo de uma empresa do Estado, para sacar algumas fotos. Foi literalmente impedido. Por falta de autorização por escrito. Não publicámos nada sobre a exposição. Arte sem fotografia não é notícia que valha.
Corria o ano de 2011, véspera de eleições em Angola, era eu adido de imprensa na embaixada de Angola em França e eu e o nosso embaixador tivemos uma conversa muito proveitosa com o director do canal ÁFRICA 24, a única estação televisiva francesa que dissemina, nos quatro continentes, a imagem de uma África progressista. Esta estação televisão pretendia celebrar a Independência de Angola, com uma semana de divulgação de entrevistas a dirigentes, ilustradas com reportagens aos sítios correlacionados com temas decisivos para o futuro do país. Um dos temas escolhidos foi a reconstrução nacional de infraestruturas, a reabilitação e construção de vias que ligam as províncias, para permitir a livre circulação de pessoas e bens, e que constituem, entre outros, elementos importantes para o desenvolvimento de uma Nação.
Para o efeito, a ÁFRCA 24 programou a missão a Angola de um jornalista, que se deslocou comigo ao país, de 5 a 15 de Novembro de 2011. Eu era portador da correspondência assinada pelo embaixador dirigida a todos os ministérios contemplados na agenda da reportagem. Tratámos do credenciamento junto do Centro de Imprensa Aníbal de Melo e fomos pessoalmente falar com o então Chefe da Casa Civil, o Dr. Carlos Feijó, que acumulava, na altura, o cargo de responsável pelo então nascente GRECIMA. Este assinou as cartas, dando a devida autorização. Quando nos dirigimos ao ministério do Urbanismo, o chefe do gabinete leu a carta do embaixador autorizada pelo Chefe da Casa Civil do GRECIMA e cortou-nos logo as asas. Disse-nos que as cartas deviam ter sido dirigidas ao Ministro das Relações Exteriores. Sem isso, o ministro não podia dar a entrevista. Expus ao meu interlocutor que já não podia regressar a Paris para ir buscar nova correspondência, que até porque a cobertura das grandes obras em curso no país tinha sido uma orientação superior do próprio Presidente da República e que não era por falta de uma carta ao ministro das Relações Exteriores que íamos abortar a missão. O meu compatriota foi implacável. Fomos ao MIREX com a correspondência e a pessoa responsável que nos recebeu cortounos as pernas. Sem carta dirigida ao ministro nada feito.
O cameraman francês regressou a França comigo, desapontado, a ÁFRICA 24 pediu explicações à embaixada e ficámos todos a lamentar. Só a lamentar.
Hoje, conto estas coisas para que os nossos responsáveis despertem. Para se tirar uma foto de um herói nacional, para se tirar uma foto de uma exposição de Arte, não é preciso nada autorização por escrito: abram-nos as portas, por favor! Deixem-se de burocracias desnecessárias. As estátuas e monumentos são do domínio público. São do povo, não são pertença da instituição. Além disso, um fotógrafo devidamente credenciado com o seu cartão do órgão pode e deve tirar as fotos que quiser, em locais onde não está em causa a segurança do Estado.
Hoje, escrevo sobre estes factos, para lamentar a minha missão falhada em 2011, talvez por culpa minha, pois, cansado e despontado com tanta exigência, não regressei ao gabinete do Dr. Carlos Feijó, mas foi mais porque achei que não devia estar a “roubar” o tempo de um dirigente por causa de uma exigência tao descabida para projectarmos a imagem do nosso país no exterior.
Hoje, escrevo estas coisas, para pedir ao nosso governo que repense e regularize esta questão. Só queremos trabalhar para o bem da Nação. Porque há tanta burocracia para facilitar ao público nacional e internacional o direito à informação?