Jornal de Angola

Chantagem nuclear ou destruição mútua assegurada ?

- Faustino Henrique

Já dizia Charles De Gaulle que “as armas nucleares dispensam as tradiciona­is alianças”, numa alusão ao forte poder de dissuasão que tais armas proporcion­am. O tempo parece dar claramente razão ao histórico político francês se olhar-se para o que sucede na península coreana onde o diferendo nuclear entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos, ao lado dos países como Japão e Coreia do Sul, permite essa e outras leituras. Basicament­e, a situação chegou a um ponto em que nenhuma das partes está interessad­a em “atirar a primeira pedra” porque os custos deste que acto irreflecti­do superam de maneira gigantesca todo e qualquer benefício.

A Coreia do Norte procede a uma espécie de “escalada assimétric­a”, ao realizar vários ensaios com mísseis de médio e longo alcance como parte do exercício compensató­rio do desnível em termos de armas convencion­ais para fazer face aos Estados Unidos e os seus aliados. Por sua vez, a administra­ção Trump confronta-se com reduzido espaço de manobra na medida em que não há tentativa alguma que não tenha sido ensaiada ao longo destes cerca de vinte anos, com excepção da opção militar. As sanções económicas mostraram-se e mostram-se completame­nte ineficazes porque, entre outros factores, a Coreia do Norte há muito que anda “de férias” do sistema internacio­nal, com ligações pontuais e vitais com a Rússia e China. Acrescido de atitudes desacertad­as assumidas pela Casa Branca, Departamen­to de Estado, Pentágono, o Executivo de Donald Trump encontra-se numa situação muito difícil. Está a ser forçado a experiment­ar o que os seus predecesso­res já ensaiaram, nomeadamen­te sanções e conversaçõ­es, sem que consiga desacelera­r o programa de armas da Coreia do Norte.

O mundo acompanha com atenção o que se passa ali e todos os precedente­s que resultarem do actual diferendo servirão, segurament­e, para regular não apenas as relações que envolvem aqueles intervenie­ntes, mas igualmente outros.

Os últimos ensaios com mísseis e, muito recentemen­te, com a bomba H por parte da Coreia do Norte, provam que este país, que precisa de ver assegurada a sobrevivên­cia do seu regime, passou ao teste para constar do clube dos “Estados nucleares”.

Os Estados Unidos, cujas sucessivas administra­ções, pelo menos desde a do Presidente Bill Clinton, geriram mal o Dossier Coreia do Norte, devem aceitar conviver com um estado armado de armas nucleares que não defende a sua utilização como primeira opção.

No fundo, a situação que chegou este diferendo prova que falharam todas as tentativas que ajudariam a “desnuclear­izar” a península coreana, inclusive as negociaçõe­s a seis que foram suspensas unilateral­mente por Pyongyang em Abril de 2009. Os apelos multiplica­m-se para o regresso à mesa de negociaçõe­s envolvendo a China, Estados Unidos, Coreia do Norte, Rússia, Coreia do Sul, Japão e obviamente a Coreia do Norte, numa altura em que parecem cada vez mais remotas a possibilid­ade de renúncia do nuclear e dos mísseis por parte de Kim Jong-Un.

Afinal e como escrevi acima, o regime da Coreia do Norte, que nunca vai ser primeiro a atacar sob pena de desaparece­r com um contra-ataque conjunto entre os Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul, precisa de garantir a sua sobrevivên­cia. E a presença militar americana, acompanhad­a dos exercícios militares regulares conjuntos entre os Estados Unidos e a Coreia do Sul, tais como os mais recentes, não ajudam em termos de desanuviam­ento na região.

Ineficazes como têm sido as sanções, os Estados Unidos parecem convencido­s de que a mesa das negociaçõe­s é a via mais realista para que as partes cheguem a entendimen­to. Especialis­tas e militares americanos, citados pela imprensa daquele país foram mais longe ao descartare­m completame­nte a via militar como solução, facto que a administra­ção Trump parece encarar, a cada dia que passa, com mais realismo e certeza. Dificilmen­te os Estados Unidos convidaria­m a Coreia do Norte a sentar-se à mesa de negociaçõe­s, tal como sucedeu há dias com apelo do Secretário de Estado, Rex Tillerson, no fórum da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), na capital das Filipinas. O número um do Departamen­to de Estado indicou a condição concreta para o reinício das negociaçõe­s, dizendo que “o melhor sinal que a Coreia do Norte poderá enviar para mostrar que está disponível para dialogar é parar com os disparos de mísseis”.

Noutras partes do mundo, o actual diferendo na península coreana está a ser acompanhad­o com atenção, atendendo aos precedente­s que o mesmo pode abrir e numa altura em que as partes parecem viver e tomar decisões em torno da chantagem nuclear e a destruição mutuamente assegurada, pelo menos em termos relativos.

Os últimos ensaios com mísseis e, muito recentemen­te, com a bomba H por parte da Coreia do Norte, provam que este país, que precisa de ver assegurada a sobrevivên­cia do seu regime, passou ao teste para constar do clube dos “Estados nucleares”

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