Enfermeiros e professores
Quando éramos garotos, nos idos anos 60, tínhamos pelos enfermeiros e professores uma grande admiração e respeito. Nas nossas brincadeiras de crianças quantas vezes não nos fizemos passar por enfermeiros e professores? Foram tantas que perdi a conta. Dizíamos que quando fôssemos grandes seríamos enfermeiros ou professores. Eram as profissões que nos estavam mais próximas. Alguns desses meus amigos de infância são hoje quadros dos sectores da Saúde e Educação.
A admiração e respeito aos enfermeiros e professores, que se estendia à comunidade, se deviam à forma sacerdotal como esses profissionais exerciam o seu trabalho. Estou lembrado, por exemplo, dos enfermeiros Naná e Afamado Kiala, de feliz memória, que lá no meu Bungo-Uíge natal eram tratados como verdadeiros doutores, pela devoção e conhecimento que tinham da profissão. Havia casos de grande complexidade médica que eram por eles resolvidos com muito sucesso. Disso há testemunhas vivas, como o mais velho Chico Adão, o Tony Sofrimento e a doutora Irene, que não é Neto, mas é filha de um natural de Catete, o enfermeiro Naná de feliz memória.
E não cobravam nada. O salário que recebiam do Estado dava para terem uma vida digna e razoável. Através de letras e livranças podiam pagar um carro ou motorizada. O então Banco Pinto & Sotto Mayor fazia questão de conceder-lhes crédito. Os pequenos comerciantes também os queriam por perto, concedendo-lhes produtos através dos tradicionais vales, que eram uma espécie de crédito ao consumidor sem qualquer formalismo legal. Era tudo feito à confiança. As compras efectuadas eram apontadas num velho e suado caderno e no fim de cada mês se faziam os devidos descontos.
Com o 25 de Abril, muitos desses vales ficaram por saldar, mas por culpa do contexto e não por má-fé do devedor.
Tudo isso para dizer que os enfermeiros e professores já tiveram os seus tempos áureos. Não ganhavam fortunas, como é evidente, mas levavam uma vida digna, sem necessidade de recorrer a golpes baixos para sobreviver. Embora fosse criança, nunca ouvi falar de falsos enfermeiros ou falsos professores. Os serviços de inspecção tinham bons profissionais. Cortavam logo o mal pela raiz. Não se deixavam corromper. Aliás, a palavra corrupção era por nós completamente desconhecida.
Na época, com as devidas excepções, era fundamental preservar a imagem de credibilidade das instituições. E o humanismo na assistência ao doente, que hoje se apregoa aos quatro ventos, era uma prática diária. E os inspectores escolares surpreendiam em época de provas trimestrais e de exames finais. Só passava de classequem sabia.
Em muitas aldeias do interior, as populações faziam questão de apoiar os enfermeiros e professores com bens alimentares. Mas tudo era feito de forma voluntária, as pessoas não eram coagidas a prestar essa ajuda. Faziamno de coração. Era uma forma de acolhimento e demonstração do carinho que tinham pela presença desses profissionais.
É verdade que naquele tempo não havia muitos hospitais e postos médicos como há hoje e Angola não tinha 26 milhões de habitantes. Mas também não havia tanto doente. Equipas da Pentamidina eram destacadas em várias regiões para vacinar as pessoas contra a doença do sono e outras infecções. Melhor do que essas vagas recordações de criança, os mais velhos Manuel Tungo e Chico Adão teriam muito mais para contar sobre professores e enfermeiros e das campanhas de vacinação contra a tripanossomíase (doença do sono), que na altura estava praticamente erradicada.
Os enfermeiros e professores já tiveram os seus tempos áureos. Não ganhavam fortunas, mas levavam uma vida digna, sem necessidade de recorrer a golpes baixos para sobreviver