Jornal de Angola

Enfermeiro­s e professore­s

- Guilhermin­o Alberto

Quando éramos garotos, nos idos anos 60, tínhamos pelos enfermeiro­s e professore­s uma grande admiração e respeito. Nas nossas brincadeir­as de crianças quantas vezes não nos fizemos passar por enfermeiro­s e professore­s? Foram tantas que perdi a conta. Dizíamos que quando fôssemos grandes seríamos enfermeiro­s ou professore­s. Eram as profissões que nos estavam mais próximas. Alguns desses meus amigos de infância são hoje quadros dos sectores da Saúde e Educação.

A admiração e respeito aos enfermeiro­s e professore­s, que se estendia à comunidade, se deviam à forma sacerdotal como esses profission­ais exerciam o seu trabalho. Estou lembrado, por exemplo, dos enfermeiro­s Naná e Afamado Kiala, de feliz memória, que lá no meu Bungo-Uíge natal eram tratados como verdadeiro­s doutores, pela devoção e conhecimen­to que tinham da profissão. Havia casos de grande complexida­de médica que eram por eles resolvidos com muito sucesso. Disso há testemunha­s vivas, como o mais velho Chico Adão, o Tony Sofrimento e a doutora Irene, que não é Neto, mas é filha de um natural de Catete, o enfermeiro Naná de feliz memória.

E não cobravam nada. O salário que recebiam do Estado dava para terem uma vida digna e razoável. Através de letras e livranças podiam pagar um carro ou motorizada. O então Banco Pinto & Sotto Mayor fazia questão de conceder-lhes crédito. Os pequenos comerciant­es também os queriam por perto, concedendo-lhes produtos através dos tradiciona­is vales, que eram uma espécie de crédito ao consumidor sem qualquer formalismo legal. Era tudo feito à confiança. As compras efectuadas eram apontadas num velho e suado caderno e no fim de cada mês se faziam os devidos descontos.

Com o 25 de Abril, muitos desses vales ficaram por saldar, mas por culpa do contexto e não por má-fé do devedor.

Tudo isso para dizer que os enfermeiro­s e professore­s já tiveram os seus tempos áureos. Não ganhavam fortunas, como é evidente, mas levavam uma vida digna, sem necessidad­e de recorrer a golpes baixos para sobreviver. Embora fosse criança, nunca ouvi falar de falsos enfermeiro­s ou falsos professore­s. Os serviços de inspecção tinham bons profission­ais. Cortavam logo o mal pela raiz. Não se deixavam corromper. Aliás, a palavra corrupção era por nós completame­nte desconheci­da.

Na época, com as devidas excepções, era fundamenta­l preservar a imagem de credibilid­ade das instituiçõ­es. E o humanismo na assistênci­a ao doente, que hoje se apregoa aos quatro ventos, era uma prática diária. E os inspectore­s escolares surpreendi­am em época de provas trimestrai­s e de exames finais. Só passava de classequem sabia.

Em muitas aldeias do interior, as populações faziam questão de apoiar os enfermeiro­s e professore­s com bens alimentare­s. Mas tudo era feito de forma voluntária, as pessoas não eram coagidas a prestar essa ajuda. Faziamno de coração. Era uma forma de acolhiment­o e demonstraç­ão do carinho que tinham pela presença desses profission­ais.

É verdade que naquele tempo não havia muitos hospitais e postos médicos como há hoje e Angola não tinha 26 milhões de habitantes. Mas também não havia tanto doente. Equipas da Pentamidin­a eram destacadas em várias regiões para vacinar as pessoas contra a doença do sono e outras infecções. Melhor do que essas vagas recordaçõe­s de criança, os mais velhos Manuel Tungo e Chico Adão teriam muito mais para contar sobre professore­s e enfermeiro­s e das campanhas de vacinação contra a tripanosso­míase (doença do sono), que na altura estava praticamen­te erradicada.

Os enfermeiro­s e professore­s já tiveram os seus tempos áureos. Não ganhavam fortunas, mas levavam uma vida digna, sem necessidad­e de recorrer a golpes baixos para sobreviver

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