Jornal de Angola

JAIME AZULAY

O dia onde casei com a chuva

- Jaime Azulay

(Nunca aceitei antes contar esta estória do jacaré-sem-cauda, que nos sucedeu nas curvas e contra-curvas da Babaera, através de ser casado e fugir de arranjar os problemas do lar).

Era uma vez, num Domingo à tarde, que me casaram com a dona chuva no Alto-Catumbela. Isso foi no dia em que os camiões ficaram atolados no lamaçal dos eucaliptos, no meio de uma bronca danada que estou a vos contar agora.

Aquilo não foi uma chuva que costuma chover todosdias, não senhor. Primeirame­nte assoprou fiiiuuuuuu, um vento suspeito, tipo foi mandado no inimigo para nos controlar a marcha. Estava a “calorear” de verdade. Calor é calor, a camisa a colar no dorso dos homens. A seguir, o sol do meio dia zungou uma esquindiva e logo um maçiço de nuvens negras apareceu por cima da montanha verde, do outro lado, nas terras do café na Chicuma. Depois as nuvens fizeram a curva apertada da Babaera e, de repente, deram encontro connosco, estávamos rumo ao Huambo. Na nossa coluna, desde que tínhamos saído de Benguela, o inimigo nunca desistiu de nos atentar nas minas e nas emboscadas.

Naquele tempo, era um tempo assim, epá também não sei, deixa só ficar. Quando os mambos se complicara­m de verdade, falaram na boca dum mais-velho não pode, isso é tradição dos antepassad­os, uma chuvada dessas veio através do jacaré-sem-cauda que dorme no rio onde vocês passaram era antes de ontem.

-Afinal é como? Digam ainda, por favor! Vocês esqueceram de lhe dar o vinho dele quando atravessar­am a ponte ou fizeram só de propósito, manda lixar o jacaré-sem-cauda? Se for nesta conformida­de, todos aqui vão desconsegu­ir de passar, a chuva não vai deixar, assim falei.

-Pópilas, mas afinal fizemos o quê, meu Deus do céu? Não nos nasceram aqui, não somos da vossa tradição.

- Isso assim também não sei, aqui só é o soba quem conhece a magia do jacaré-sem-cauda. E novalapena vocês se intitulare­m que vamos passar porque temos feitiço do Dombe, porque isso, porque aquilo. Aqui isso não pega estamos a vos avisar: lhe dão só o vinho dele, no jacaré-semcauda. Ainda por cima, assim que já passaram a ponte e não entregaram o que é dele no seu direito tradiciona­l, então não esperem o tempo mudar, melhor vão só entregar lá em cima na cubata do nosso Soba. Na boca do Soba tem um tubo que liga directamen­te no jacaré-sem-cauda!

- Ai minha vida, eu sou mulato da Caconda, minha mãe é negra, juro com Nossa Senhora, nunca vi no mundo que existe um tubo que sai da boca do soba e liga o vinho tinto na barriga do jacaré-sem-cauda, estão a nos intrujar, eu não dou mazé!

-Confio em Deus com o meu baptismo, vamos embora zagaiar daqui, quando sairmos ja é na Catata naquela ponte que o inimigo partiu, outra maka mais. Não tem como fazer, para ir no Cuima temos de passar na ponte partida!

Assim, todos queriam mesmo avançar na estrada do Huambo que passa pela Caála. Mas corridos os dias de duas semanas completas ainda estávamos a xixilar no lamaçal do Alto-Catumbela, com os camiões a desconsegu­irem passar, através da vingança do jacaré-sem-cauda, tudo porque não lhe deram vinho através do tubo da boca do Soba grande.

-Agora assim, eu pergunto nas nossas autoridade­s competente­s: afinal quem ganha nesta luta? A fome do nosso povo do Huambo ou a teimosia do Soba ?

-Vamos empurrar, todos de uma vez ouviram ou não ouviram? - Ó vai ou não vai? - Vai! - Ó vai ou não vaiii? - Mas vaiii! No meio do caos declarado, cordas e cabos-de-aço entrelaçad­os na lama. Aqui falta um tractor de esteiras, os homens estão extenuados.

Repentinam­ente um mujimbo pesado varreu a coluna de uma ponta à outra, até parecia um remoinho saído do céu. Carro nenhum escapou de lhe contarem a novidade: uns motoristas lhes arrearam porrada no chefe Mbambi. Apanharam que eles dormiram umas moças. Pagaram bebida e depois dormiram na cama dos camiões, se fizeram o quê também ninguém sabe.

-Isso é mesmo azar que vos nasceram com ele. Faltaram respeito no aviso do chefe Mbambi, o nosso comandante da escolta: quem lhe apanharem a dormir com mulher vai lhe ser tomado as medidas, seja quem for, aqui ninguém escapa da ordem do chefe Mbambi. Não sabem ainda que mulher traz londalu e o londalu traz azar no combate?

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