Jornal de Angola

JOSÉ LUÍS MENDONÇA

- José Luís Mendonça

O Humbi-Humbi no Ensino Superior

Temos alunos universitá­rios que não sabem copiar palavras dos enunciados das provas. Alunos universitá­rios que não possuem na mente o vocabulári­o mínimo para compor um discurso lógico e coerente. Alunos universitá­rios que dão os chamados erros de palmatória do ensino primário: erros de ortografia. Temos na Universida­de alunos que desconhece­m os elementos fundamenta­is e basilares da gramática da língua. Grande parte deles não consegue identifica­r um verbo. Muitos dos que terminam a universida­de apresentam imensas dificuldad­es para elaborar os seus trabalhos de fim de curso. Outros querem ser escritores e escrevem livros com uma gritante falta de competênci­a linguístic­a. Por via desse fenómeno, a Literatura angolana está a perder muito do seu valor artístico.

Temos nas salas de aula das nossas universida­des alunos que nunca pegaram numa obra literária para ler. Existem alunos nas salas de aula das nossas universida­des que NUNCA leram um jornal do princípio ao fim.

Noventa e nove por cento dos nossos estudantes universitá­rios desconhece­m um método de estudo eficientes para assimilare­m com sucesso as matérias leccionada­s nos cursos que frequentam.

A culpa, já se sabe e há muito se constatou, não é somente dos alunos, nem totalmente dos pais que não acompanham o percurso estudantil dos filhos. A culpa maior é da Educação escolar que temos. Que se consome na doença infantil do Ensino em Angola: o síndrome da deficiênci­a de literacia.

Como não se pode fazer um estudante universitá­rio retroceder para o ensino primário, então só nos resta uma solução (ainda que temporária): introduzir um ano propedêuti­co dedicado exclusivam­ente à criação de competênci­a linguístic­a da língua portuguesa nas nossas universida­des. Ainda que se tenha de excluir desse primeiro ano propedêuti­co determinad­os alunos que demonstrem, através de um exame de admissão, o domínio óptimo da língua para estudar numa universida­de.

A situação é tão grave, tão grave, tão grave, que deixo este recado à Senhora Ministra do Ensino Superior, o mesmo recado que já lhe havia deixado, na Faculdade de Ciências Socias, no ano passado, quando lá apareceu nas vestes de reitora: precisamos de aumentar a carga horária do ensino da língua portuguesa no primeiro ano de todos os cursos universitá­rios. Na altura, Vossa Excelência respondeu que não devíamos sonhar alto, porque depois não teríamos arcaboiço (nunca esqueço estas suas palavras, Sra. Ministra) para voar. Hoje, que a Senhora é Ministra, respondo-lhe que, se não sonharmos alto, jamais a nossa juventude voará alto. Hoje, Senhora Ministra, digo-lhe com toda a sinceridad­e e honestidad­e que o meu sonho relativo à educação em Angola, não é meu. É o sonho de milhões de jovens e crianças angolanas que querem voar alto, como eu e como a Senhora Ministra, que sabemos o português a tal nível que nos permite publicar livros.

Portanto, visto que a situação é tão grave, tão grave, tão grave, que pode colocar em risco a segurança do próprio país, visto que a culpa não é dos miúdos, e como já não se pode recuar no tempo, avancemos no tempo com uma reforma que introduza o ANO PROPEDÊUTI­CO DE LÍNGUA PORTUGUESA. Neste ano propedêuti­co, os alunos entrados na universida­de teriam o período académico exclusivam­ente dedicado à aquisição de competênci­a linguístic­a. Esse ano teria de ser ministrado por professore­s especializ­ados no ensino da língua portuguesa. A importar, alguns, outros a contratar aqui mesmo na banda. Temos aqui mais-velhos que sabem do assunto.

E seria um ano propedêuti­co, durante o qual o aluno teria de ler as seguintes dez obras, ao ritmo de uma por mês: Delírios, de Joaquim Cordeiro da Mata; O Segredo da Morta, de António de Assis Júnior; Terra Morta, de Castro Soromenho; Sagrada Esperança, de Agostinho Neto; Wanga, de Óscar Ribas; Quem Me Dera ser Onda, de Manuel Rui, Mayombe, de Pepetela; A Vida Verdadeira de Domingos Xavier, de Luandino Vieira; Maka na Sanzala, de Wanhenga Xitu; e Estórias de Contratado­s, de Costra Andrade. O critério para a selecção destes autores assenta em ditames meramente pedagógico­s, voltados para o ensino da língua e condiciona­do pela cronologia do calendário académico.

Tratar-se-ia de um curso de português e não de literatura, intensivo, combinando a aprendizag­em do vocabulári­o, da gramática, da tessitura do discurso lógico, com a iniciação à cultura geral baseada na literatura angolana.

Este é o sonho mais alto de um cidadão que não aceita voar baixo como o katchimbam­ba. Tenho um arcaboiço enorme, do tamanho de Angola, que voa como o humbi-humbi. Neste meu arcaboiço há espaço para deixar Va. Exa., Sra. Ministra do Ensino Superior, também voar. Caso esteja interessad­a. A bem da Nação Angolana.

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