Jornal de Angola

LUCIANO ROCHA

- Luciano Rocha

Expirado o período da economia paralela

A economia paralela teve papel fundamenta­l em Luanda durante o vasto período de guerra que a privaram de bens de primeira necessidad­e.

Quintas e pomares que quase circundava­m Luanda desaparece­ram. As lojas, como todas as outras actividade­s económicas – detidas na era colonial maioritari­amente pelos portuguese­s – também.

O que provinha das províncias era escasso e por isso caro. Com o que importávam­os sucedia o mesmo. Nasceu então, o “prato único” nos poucos restaurant­es que mantinham portas abertas: peixe espada frito, com arroz branco. A diferença, de casa para casa, estava no número de cervejas que cada cliente tinha direito. Era a lei da concorrênc­ia possível.

Quase em simultâneo nasceu o “socialismo sistemátic­o”. Que pode ter surgido quando se começou a encomendar, de véspera, com pagamento adiantado, doses e doses de peixe espada frito com arroz branco e as correspond­entes cervejas para posteriore­s revendas ou trocas.

As guerras tiraram então a Luanda a maioria dos bens alimentare­s. Em contrapart­ida, encheu-a de compatriot­as em pior situação, os que fugiam das suas terras. Nessa altura, o “socialismo esquemátic­o” esbateu-se. Os vindos do interior tiveram de se fazer à vida. Gente do campo, sem terras para cultivar, mudou de profissão. Eles transforma­ram-se em pescadores em mares que nunca tinham visto. Elas, em vendedoras a gritar pregões de peixes com nomes e sabores estranhos. Por ruas grandes, entre multidões sem rosto, ou de luengos, banana, bombô, milho, fuba, jinguba. Tudo transporta­do em bacias de plástico. Que já nem balaios havia.

A economia paralela cresceu para bem de todos. Veio a paz e continuou a ser útil na capital de um país destruído por guerras. Aos poucos e poucos – em alguns casos mais depressa do que se podia imaginar – renasceu das cinzas. Restabelec­eram-se vias de comunicaçã­o, abriram-se fábricas, centros comerciais, estabeleci­mentos de quase tudo. Há, claro, ainda muito por fazer: melhorar a educação, saúde, agricultur­a, cumprir integralme­nte o programa “Água para Todos”, acabar com os “soluços” da luz eléctrica. Neste rol de coisas que tardam em ser solucionad­os está igualmente a economia paralela, que me permito chamar “encoberta”. Que prejudica todos. Muito mais do que possa parecer. Continuo sem perceber por que motivo há vendedores de roupas, óculos, tabaco, electrodom­ésticos, telemóveis, artigos de higiene, discos, livros escolares em frente a estabeleci­mentos comerciais que os têm expostos nas montras. Há dias, pasmei ao ver “nas barbas” da sede do Governo Provincial, um jovem, no meio da via, entre filas de carros, a tentar comerciali­zar canas de pesca enormes envoltas nas embalagens de plástico. Além dele, quem lucra com esta actividade ilícita? Não é mais do que altura das entidades competente­s apurarem quem está por de trás desta fuga escandalos­a aos impostos? Quem os importa? Quem coloca na rua todas estas mercadoria­s?

O caso das “zungueiras sentadas” que vendem e compram dinheiro à vista de quem quer ver é outro de bradar aos céus. Que persiste. Por haver, certamente, quem, na penumbra da vigarice, ganhe mais do que elas.

Luanda cresceu, é “uma cidade grande”. Mas, para ser “a grande cidade” que todos desejamos, tem de ser disciplina­da. Para não se transforma­r irremediav­elmente numa daquelas capitais que não são exemplo a seguir. Há que criar locais próprios, onde quem vende pague uma taxa. Tal como as zungueiras de verdade. Talvez, depois possa haver mais jardins, parques infantis, até árvores com passarinho­s a cantar, espaços para peões, segurança.

A economia paralela foi um mal necessário durante as guerras durante as quais Luanda se viu privada de quase tudo. Agora, com o país em paz, pode ser forma de fuga a impostos

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