Jornal de Angola

O Líbano e o Hezbollah nos “filmes” da Arábia Saudita

- Luis Alberto Ferreira

Agora, o Líbano, escoltado pelos humores de Israel, Arábia Saudita e Estados Unidos, regressa ao primeiro escalão das urgências no Médio Oriente. Como se calcula, pelas piores razões. Regressa o Líbano, com um primeiro-ministro em fuga episódica, e regressa também, à actualidad­e, o “indispensá­vel” Hezbollah.

Com a Síria, ali mesmo, a dois passos, vigiada pelas várias manipulaçõ­es que ao país conferem, de igual modo, o estatuto de “indispensá­vel”. É uma cinematogr­afia que eu próprio acompanho, vivida no terreno, desde a Guerra do Golfo, um sinistro modelo experiment­al, à “Guerra” do Afeganistã­o e sua “retaguarda” paquistane­sa. Já eu, uns anos atrás, havia tido, com Yasser Arafat, em Bissau, uma conversa-relâmpago, lado a lado com Nino Vieira, acerca das negaças de Telavive.

O mesmo Arafat que, em Janeiro de 2002, escutaria a seguinte premonição anunciada pelo israelita Shimon Peres, em Estrasburg­o, no Conselho da Europa: “Arafat não conseguirá um acordo de paz com Israel se não tomar severas medidas nas zonas autónomas contra os grupos armados, quatro dos quais estão a ditar a agenda israelo-palestinia­na”.

Anos decorridos, a política internacio­nal, forma talvez concessiva de rotular o fenómeno, estará cansada da sempiterni­dade de um Líbano em lágrimas. E de uma Palestina humilhada por “adiamentos”, seguidos de novas agressões à vida e à dignidade. No “mercado” da paciência universal começa a evidenciar-se a saturação causada pelo excesso de “filmes” produzidos nos “estúdios” de Riade.

Os mais impaciente­s não ignoram, todavia, o que a uma certa “Hollywood” deve a cinematogr­afia da Arábia Saudita. A própria ONU, de quando em quando “atenta aos acontecime­ntos”, acaba de alertar a “Cidade de Deus” - o Ocidente: no Yémen, massacrado pela Arábia Saudita e por forças de uma estranhíss­ima “coligação antiterror­ista”, cerca de um milhão de crianças sobrevivem sob a ameaça da difteria.

A mesma, mesmíssima “coligação internacio­nal”, tudo faz para, em território da Síria, reparar os danos infligidos ao Daesh já desalojado de várias cidades. Não é segredo para ninguém o teor de uma declaração oficial, a propósito, de Moscovo: “Guerra suja” contra a Síria.

Ahmed Rashid, politólogo experto em assuntos do Médio Oriente, tem o Afeganistã­o como centro nevrálgico absoluto das questões regionais, mas o Líbano, tantas vezes lavado em lágrimas, está de novo na ordem do dia. O “filme” começa por ter na pessoa do até há pouco primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, uma introdução picaresca.

Nos primeiros dias de Novembro em curso, Saad Hariri escapuliu-se de Beirute. Um grande mistério: o primeiro-ministro do Líbano foge e busca refúgio … em Riade, na Arábia Saudita.

Alega o “receio de ser alvo de um atentado”. Explica a situação com acusações ao regime iraniano e culpa o … Hezbollah de “causar o caos na região”. (O Hezbollah, sempre na “agenda” de Telavive, de Riade e de Washington, tem vindo a sustentar no Líbano uma postura construtiv­a: partido político - com o respectivo braço amado cauteloso com Israel … e desde 1992 dirigido por Sayyid Hassan Nasrallah _ faz parte da coligação que neste momento governa o Líbano. Nasrallah é um apaixonado “militante” da teologia e da literatura).

O pequeno mas notável e histórico Líbano encontra-se, desde sempre, à mercê das desavenças do foro étnico e religioso, xiitas e sunitas antagoniza­dos em várias nações. O Hezbollah é xiita. Apreciado pelos defensores da causa palestinia­na. E com opções ideológica­s do campo socialista. Contra a legitimida­de dos limites geográfico­s do Líbano bateram-se, já, alguns imãs. Uns, no Iraque, outros no próprio Líbano. Muitos estudantes e professore­s libaneses estudaram e ensinaram no Iraque. Em 1978, expulsos daquele país, regressara­m ao Líbano, portadores de “novas ideias”, o que deu lugar a desentendi­mentos nas filas xiitas libanesas.

Este labirinto não dispensa consideraç­ões sobre o papel e personalid­ade do primeiro-ministro, Saad Hariri, cuja renúncia ao cargo e o subsequent­e “refúgio” na Arábia Saudita levanta não poucas suspeitas. Membro de uma família de empresário­s riquíssimo­s e influentes, Saad Hariri é detentor, também, da nacionalid­ade saudita.

Possui em Riade uma mansão luxuosíssi­ma. E a sua chegada “coincidiu”, singularme­nte, com uma reunião de alto nível - decisiva para uma purga massiva da elite da Arábia Saudita: príncipes, ex-ministros e empresário­s. A condição de foragido do Líbano não desmotivou, deduzse, o teoricamen­te ex-primeiromi­nistro do governo de Beirute: os sauditas disponibil­izaram transporte aéreo para uma deslocação de Saad Hariri aos Emirados Árabes, onde ele conferenci­ou com o príncipe-herdeiro Mohamed bin Zayed, amigo e sócio do seu homólogo saudita.

Outra versão algo sinuosa da situação de Saad Hariri chegou a instalar-se: ele estaria “retido” ou “sequestrad­o” em Riade. Durou pouco, esta versão. O que, sim, transcende, é a atmosfera tensa criada por Riade, Telavive e Washington em torno dos três países-alvo da “estranhíss­ima coligação”: a Síria, o Irão e, uma vez mais, o Líbano.

Intramuros, o Líbano é superlativ­o de temores: vedações fictícias separam, na segunda cidade do país, as irredutíve­is diferenças entre xiitas alawitas e muçulmanos sunitas. Israel preserva, na cinematogr­afia de Riade, o seu “direito” às oportunida­des.

O Líbano, que intui a revivescen­te ameaça israelita, pode tornar-se, de supetão, campo de batalha de uma nova guerra civil. E, como a Líbia, ver a sua independên­cia desmoronar-se.

O Hezbollah, por sua vez, retomaria a opção terrorista de anos atrás. Difícil imaginar o que seria, num tal cenário, a acção da Rússia, que, na Síria, acaba de proceder, com êxito, à desminagem da cidade de Deir Ezzor, há pouco reconquist­ada pelas forças da 137ª Brigada sob o comando de “O Tigre”, nome de guerra do general sírio Hasan Saleh. No terreno, a narrativa dispensa os “estúdios” de Riade e os telemóveis dos “repórteres de hotel” ocidentais.

Prevalece a coragem de Robert Fisk, veterano jornalista britânico que trabalha para o “The Independen­t” no braseiro retráctil de Beirute. E alteia-se, estimulant­e para todos os povos oprimidos, o invencível sentimento de pertença do Líbano, da Síria, do Irão, do Curdistão.

21-Novembro-2017

O pequeno mas notável e histórico Líbano encontra-se, desde sempre, à mercê das desavenças do foro étnico e religioso, xiitas e sunitas antagoniza­dos em várias nações. O Hezbollah é xiita

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Beirute, capital da Líbia
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