A virtude e frieza dos números
O quadro socioeconómico que vivemos hoje no país, quando caracterizado de forma global ou genérica, oferece um nível de percepção igualmente global, longe de traduzir a urgência da sua inversão pelo grau de preocupação que encerra, se a título de exemplo disser: o PIB baixou consideravelmente; o preço do barril de petróleo no mercado internacional depreciou-se; as reservas internacionais líquidas reduziram significativamente; a inflação cresceu; o desemprego aumentou; o êxodo rural atinge níveis consideráveis por força das assimetrias rurais; a mortalidade infantil preocupa-nos; a sinistralidade rodoviária é assustadora; o preço por quilómetro de estrada supera a média do Afeganistão (rochoso e montanhoso); a obtenção de um visto nas representações consulares no exterior levam uma eternidade; a criminalidade em Luanda apesar de estar sob controlo é preocupante; falta incompreensivel de iluminação pública – factor potenciador da criminalidade e acidentes de viação; taxas de juro activas elevadíssimas para não dizer proibitivas destinadas a projectos privados se comparadas com as praticadas além-fronteiras a favor de empresas estrangeiras concorrentes que operam em Angola; forte presença e peso da economia informal; posição desconfortável na classificação de “doing business”; etc…
Se todavia tivermos que transportar essa mesma apreciação genérica para o campo numérico, o nível de compreensão e percepção será outro, pela virtude que a análise quantificativa e comparativa nos oferece em termos de mensuração ou equiparação desta mesma realidade objectiva, impelindo-nos necessariamente na busca imediata de soluções conducentes ao resgate da situação socioeconómica em que o país se encontra. Quem não se preocuparia com alguns números extraídos do Plano Intercalar, residindo aí a urgência da sua aplicação, embora saibamos a priori que poderá não conhecer implementação total, por limitações (compreensíveis) diversas, por razões exógenas, mas que definitivamente indicará o sentido irreversível da viragem do quadro sombrio do nosso actual estado económico?
O PIB decresceu de 3,0% em 2015, para 1,3 em 2017; o preço do barril do petróleo baixou de $107 em 2014, para 48,4 em 2017; as reservas internacionais líquidas (RIL) caíram de $31,15 mil milhões em 2014, para menos de 19,9 mil milhões em 2017; taxa de desemprego 24% da população em idade activa; mortalidade infantil 44 (morrem) por cada mil nados ou nascidos vivos; mais de 1.700 mortos em acidentes de viação nas estradas, só no primeiro semestre do corrente ano; mais de $500 mil por quilómetro de estrada em asfalto, não em betão; mais de 15 dias para obtenção de um (simples) visto com entrada única; sentimento real (ou psicológico) de insegurança pública com relatos diários de crimes violentos (destaque para Luanda), acidentes de viação (com mais mortes gratuitas), por ausência ou reduzida iluminação pública, e péssimo estado das nossas vias; taxas de juro activas acima de 22%; mais de um milhão de dólares e euros, transaccionados só no Mártires de Kifangondo (?!!!), o que realmente justifica a nossa posição, 181 na classificação de “doing business”, numa lista consolidada de 189 países…
A virtude e a frieza dos números permitem-nos também revisitar, para aferição e exercitação de memória, como a Europa conseguiu reerguer-se dos escombros da II Guerra Mundial em apenas 20 anos, ao que o Dubai se transformou em pouco mais de 25 anos, Singapura em 20 anos, mas também, e pela negativa, o que restou do Iraque, Líbia, e boa parte da Síria em 4 anos.
Naturalmente, mais do que “chorar” pelo que não se fez ou consolidou nos 15 anos após a conquista da paz, e apesar da conjuntura adversa que hoje nos envolve, já com olhos postos no horizonte que conforma o novo paradigma da diplomacia económica da actual Administração ou Executivo, em que se destaca a assinatura (finalmente) do acordo de supressão de vistos em passaportes ordinários com Moçambique, na semana finda, ao que se seguirá também a África do Sul (mesmo pecando por atraso), durante a primeira visita de Estado que o Presidente João Lourenço efectua àquele país, de 24 a 26 de Novembro, abracemos sem reservas o Plano Intercalar já em marcha, para que, com a virtude e a frieza dos números, possamos relançar a produção e diversificar a economia, ante um quadro que, não deixando outras alternativas, a isso nos obriga.