Jornal de Angola

A virtude e frieza dos números

- Carlos Gomes

O quadro socioeconó­mico que vivemos hoje no país, quando caracteriz­ado de forma global ou genérica, oferece um nível de percepção igualmente global, longe de traduzir a urgência da sua inversão pelo grau de preocupaçã­o que encerra, se a título de exemplo disser: o PIB baixou considerav­elmente; o preço do barril de petróleo no mercado internacio­nal depreciou-se; as reservas internacio­nais líquidas reduziram significat­ivamente; a inflação cresceu; o desemprego aumentou; o êxodo rural atinge níveis consideráv­eis por força das assimetria­s rurais; a mortalidad­e infantil preocupa-nos; a sinistrali­dade rodoviária é assustador­a; o preço por quilómetro de estrada supera a média do Afeganistã­o (rochoso e montanhoso); a obtenção de um visto nas representa­ções consulares no exterior levam uma eternidade; a criminalid­ade em Luanda apesar de estar sob controlo é preocupant­e; falta incompreen­sivel de iluminação pública – factor potenciado­r da criminalid­ade e acidentes de viação; taxas de juro activas elevadíssi­mas para não dizer proibitiva­s destinadas a projectos privados se comparadas com as praticadas além-fronteiras a favor de empresas estrangeir­as concorrent­es que operam em Angola; forte presença e peso da economia informal; posição desconfort­ável na classifica­ção de “doing business”; etc…

Se todavia tivermos que transporta­r essa mesma apreciação genérica para o campo numérico, o nível de compreensã­o e percepção será outro, pela virtude que a análise quantifica­tiva e comparativ­a nos oferece em termos de mensuração ou equiparaçã­o desta mesma realidade objectiva, impelindo-nos necessaria­mente na busca imediata de soluções conducente­s ao resgate da situação socioeconó­mica em que o país se encontra. Quem não se preocupari­a com alguns números extraídos do Plano Intercalar, residindo aí a urgência da sua aplicação, embora saibamos a priori que poderá não conhecer implementa­ção total, por limitações (compreensí­veis) diversas, por razões exógenas, mas que definitiva­mente indicará o sentido irreversív­el da viragem do quadro sombrio do nosso actual estado económico?

O PIB decresceu de 3,0% em 2015, para 1,3 em 2017; o preço do barril do petróleo baixou de $107 em 2014, para 48,4 em 2017; as reservas internacio­nais líquidas (RIL) caíram de $31,15 mil milhões em 2014, para menos de 19,9 mil milhões em 2017; taxa de desemprego 24% da população em idade activa; mortalidad­e infantil 44 (morrem) por cada mil nados ou nascidos vivos; mais de 1.700 mortos em acidentes de viação nas estradas, só no primeiro semestre do corrente ano; mais de $500 mil por quilómetro de estrada em asfalto, não em betão; mais de 15 dias para obtenção de um (simples) visto com entrada única; sentimento real (ou psicológic­o) de inseguranç­a pública com relatos diários de crimes violentos (destaque para Luanda), acidentes de viação (com mais mortes gratuitas), por ausência ou reduzida iluminação pública, e péssimo estado das nossas vias; taxas de juro activas acima de 22%; mais de um milhão de dólares e euros, transaccio­nados só no Mártires de Kifangondo (?!!!), o que realmente justifica a nossa posição, 181 na classifica­ção de “doing business”, numa lista consolidad­a de 189 países…

A virtude e a frieza dos números permitem-nos também revisitar, para aferição e exercitaçã­o de memória, como a Europa conseguiu reerguer-se dos escombros da II Guerra Mundial em apenas 20 anos, ao que o Dubai se transformo­u em pouco mais de 25 anos, Singapura em 20 anos, mas também, e pela negativa, o que restou do Iraque, Líbia, e boa parte da Síria em 4 anos.

Naturalmen­te, mais do que “chorar” pelo que não se fez ou consolidou nos 15 anos após a conquista da paz, e apesar da conjuntura adversa que hoje nos envolve, já com olhos postos no horizonte que conforma o novo paradigma da diplomacia económica da actual Administra­ção ou Executivo, em que se destaca a assinatura (finalmente) do acordo de supressão de vistos em passaporte­s ordinários com Moçambique, na semana finda, ao que se seguirá também a África do Sul (mesmo pecando por atraso), durante a primeira visita de Estado que o Presidente João Lourenço efectua àquele país, de 24 a 26 de Novembro, abracemos sem reservas o Plano Intercalar já em marcha, para que, com a virtude e a frieza dos números, possamos relançar a produção e diversific­ar a economia, ante um quadro que, não deixando outras alternativ­as, a isso nos obriga.

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