Jornal de Angola

Cobrança em hospitais é ilegal

A primeira fase das palestras de sensibiliz­ação dos funcionári­os do sector da Saúde de Luanda para o combate ao fenómeno “gasosa” terminou ontem. Em breve, a actividade será realizada nas províncias do interior do país

- Rodrigues Cambala

O Sindicato Nacional dos Enfermeiro­s de Angola está a efectuar um programa de sensibiliz­ação nos hospitais contra a cobrança de “gasosa” nas unidades hospitalar­es do país. A Lei refere que o Estado garante o acesso gratuito de todos os cidadãos aos cuidados de saúde.

Duas jovens conversam enquanto caminham em paralelo pela rua íngreme que dá ao centro de Saúde Materno Infantil Wenji Maka 2. Ana e Elizabeth têm o mesmo propósito: tratar da saúde dos seus filhos. A diferença entre ambas é que Ana tem o filho envolvido num lençol azul e Elizabeth carrega ainda o seu primogénit­o no ventre. “Tenho três meses”, atira num tom sarcástico.

Ana tem 23 anos e todas as consultas fez na mesma unidade, assim como o parto, feito há dias. Fala com desconfian­ça, até ser tranquiliz­ada pelo repórter. Ainda assim, fita para os cantos até se aproximar à unidade. Quer a ala de vacinação quer a de gestantes registam enchentes nas primeiras horas da manhã. “Atrasei, cheguei tarde”, acha Ana, parando por instantes para ajustar o filho ao colo.

“Durante as consultas, não paguei. O cartão de grávida recebi sem pagar, mas os exames médicos tinham ficado, ao todo, seis mil kwanzas”, conta. É disso que Elizabeth desconheci­a. “Você não me falou, eu não trouxe nada”, exclamou a jovem. Tentou o velho ditado: quem não arrisca não petisca. Não tardou, a jovem saiu da sala de consulta pré-natal com o rosto amuado.

Uma enfermeira atendeu e prescreveu alguns exames médicos obrigatóri­os para a jovem Elizabeth, desprovida de seis mil kwanzas para custear os exames de vidal, urina, HIV e ecografia.

Ana encaminha-se para uma fila longa de mulheres com filhos ao colo. Ouve-se sons estridente­s de bebés. Em meia hora, Ana está de regresso com um semblante menos carregado: “a vacina não paguei; por vontade, há quem entregue 100 kwanzas para a enfermeira beber uma água.” A Lei de Bases do Sistema Nacional de Saúde refere, no seu primeiro artigo, que o Estado promove e garante o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde nos limites dos recursos humanos, técnicos e financeiro­s disponívei­s.

E ainda se lê no artigo quarto que o sistema de cuidados de saúde visa a efectivaçã­o do direito à protecção de saúde. À frente do gabinete da superinten­dente do Centro Wenji Maka, Nguinamau Ponteciana, está uma enfermeira com uma balança e cerca de 20 mães com os filhos. A enfermeira diz que os serviços são grátis, excepto os do laboratóri­o.

“A gota espeça é grátis”, avança, explicando que os reagentes são adquiridos nas farmácias para o laboratóri­o funcionar em pleno.

A entrevista é interrompi­da com a entrada de uma enfermeira que solicitou algodão e seringas para o laboratóri­o. A resposta da superinten­dente não tarda quando se debruça diante de uma pilha de caixas. Estão todas vazias. “Já não temos seringas. Olha, leva este algodão que restou”, diz em tom triste.

Nguinamau Ponteciana ajeita-se na cadeira e admite que quase não se senta no gabinete por ter pouco pessoal face à procura registada. “Não cobramos nada na área da vacina nem no banco de urgência”, assegura, sem deixar de referir que, na falta de seringas e algodão, pedem aos pacientes para os adquirirem na farmácia.

A enfermeira acrescenta que, com o dinheiro do laboratóri­o, o centro adquire material gastável da maternidad­e, principalm­ente no período nocturno, onde é tudo mais difícil. “Se tivéssemos reagentes no laboratóri­o, garanto que não haveria necessidad­e de o cidadão pagar os exames no laboratóri­o.” Doze partos O Centro Wenji Maka necessita de mais técnicos e de ambulância. A maternidad­e só conta com uma parteira, uma vez que a outra está a gozar férias. Eram dez horas, não conseguimo­s o contacto com a parteira, visto que estava exausta. Na noite anterior, havia conduzido doze partos sozinha. É obra!

“É muito complicado, a pessoa fica cansada. A esta hora, ela ainda está a dormir e não foi a casa, porque está cansada”, diz Nguinamau Ponteciana.

À entrada do banco de urgência, observa-se uma fila de pacientes e familiares. A superinten­dente conta que a dificuldad­e tem sido a transferên­cia de uma gestante à noite por falta de ambulância. O centro tem apenas um funcionári­o da limpeza. Para manter o hospital limpo, foi contratada mais uma pessoa externa, que é pago com o dinheiro do laboratóri­o e das ecografias.

A Lei de Bases do Sistema Nacional de Saúde refere, no seu primeiro artigo, que o Estado promove e garante o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde nos limites dos recursos humanos, técnicos e financeiro­s.

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EDIÇÕES NOVEMBRO Pacientes são obrigados a pagar por medicament­os que devem ser fornecidos de forma gratuita
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MARIA MANUEL ANTÓNIO JOÃO | EDIÇÕES NOVEMBRO O Sindicato dos Enfermeiro­s e as direcções dos hospitais vão punir os técnicos que fizerem cobranças de “gasosa” aos doentes e seus familiares

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