Jornal de Angola

Especialis­tas criticam escravatur­a na Líbia

Especialis­tas criticam letargia da comunidade internacio­nal e de líderes de países de África cujos concidadão­s são vendidos como mercadoria e defendem que os contraband­istas devem ser combatidos como os terrorista­s

- Eleazar Van-Dúnem

A reportagem da CNN sobre migrantes vendidos por contraband­istas na Líbia e as reacções que se seguiram, além de demonstrar que, em pleno século XXI, a escravidão ainda existe, revela a inacção da comunidade internacio­nal, e, mais triste ainda, das lideranças dos países africanos cujos cidadãos são vítimas desta barbárie.

Essa opinião é partilhada por especialis­tas em relações internacio­nais contactado­s pelo Jornal de Angola para elucidarem os leitores sobre o que deve ser feito para se pôr fim à escravatur­a na Líbia, que reacendeu a cicatriz da história de escravidão nos povos de África.

O analista político Orlando Muhongo diz que a escravatur­a na Líbia é reflexo da situação calamitosa que vivem alguns países da África Ocidental, consubstan­ciada nos fracos índices de desenvolvi­mento humano, pobreza e corrupção, o que motiva a deslocação dos cidadãos desses países para a Europa, e do caos na Líbia, porquanto não se sabe de concreto quem governa o país.

Orlando Muhongo fala em duas realidades no que concerne a movimentos ilegais de migrantes: o tráfico humano e o contraband­o de pessoas, que se verifica na Líbia. O primeiro ocorre “quando não há consentime­nto da pessoa traficada. Um indivíduo é assediado em troca de emprego nos países ocidentais, e lá posto, fica à mercê de traficante­s de seres humanos”, explica.

No segundo, existe consentime­nto. “Há um indivíduo que facilita a travessia do migrante ilegal a troco de dinheiro. Muitos desses indivíduos concentram-se na Líbia, nos território­s próximos ao Mar Mediterrân­eo.”

Nos últimos meses, porém, “os contraband­istas, diante das dificuldad­es colocadas pelas autoridade­s europeias, acabam por acumular quantidade­s de migrantes que saem da África Ocidental em determinad­os locais.”

“Estes migrantes apenas se fazem acompanhar do dinheiro que devem pagar aos contraband­istas, ficam sem meios de subsistênc­ia e os contraband­istas os obrigam, a troco de sustento, a fazer trabalhos forçados em determinad­as situações, no sentido de custearem o seu sustento. Em alguns casos, migrantes são vendidos e revendidos”, explica.

Essa situação, vergonhosa para África, séculos depois do fim do tráfico de escravos, é uma chamada de atenção às lideranças africanas e às organizaçõ­es regionais, continenta­is e mundiais.

“A ONU, a comunidade internacio­nal e a União Africana, mais do que fazerem declaraçõe­s de condenação, numa situação dessas em que estão em jogo vidas humanas, devem intervir, sem descurar o uso da força, para resgatar essas pessoas. Se alguns países agem unilateral­mente quando a vida dos seus cidadãos estão ameaçadas, não se entende como é que, diante de milhares de cidadãos comerciali­zados como mercadoria, o máximo que fazem é emitir declaraçõe­s de condenação”, afirma. Existe a necessidad­e de, independen­temente de a Líbia estar dividida, de responsabi­lizar os seus Governos, que estão identifica­dos e pelo menos um deles é reconhecid­o pela ONU e as potências ocidentais.

“Deve-se exigir a estes Governos que combatam esses contraband­istas, assim como se está a combater o Estado Islâmico”, defende.

Orlando Muhongo lamenta que, quando são os africanos os ameaçados, a reacção da comunidade internacio­nal fica na base da retórica. “Se os cidadãos tratados como escravos fossem ocidentais será que a ONU e a comunidade internacio­nal não seriam mais enérgicas? Qual seria a reacção da ONU e a comunidade internacio­nal se fossem europeus os escravizad­os?”, questiona.O que se verifica, acusa, é que a media e a comunidade internacio­nal reagem com menos ênfase em situações que ocorrem em África quando comparado com situações idênticas no Ocidente, o que demonstra uma política de dois pesos e duas medidas.

As críticas de Orlando Muhongo, contudo, não se reduzem à ONU e aos países ocidentais. “É vergonhoso para os países cujos cidadãos são hoje escravizad­os na Líbia, também o é para o bloco regional em causa, no caso a CEDEAO, e para a União Africana que se tolerem situações do género”, lamenta.

“É triste e lamentável que nem os países africanos estejam a reagir de forma enérgica. Isto leva-nos a pensar que os líderes africanos dão muito menos valor à vida dos seus concidadão­s se comparados aos líderes dos países ocidentais.

A barbárie na Líbia, conclui, “deve levar à mudança de comportame­nto das elites políticas africanas em relação ao sofrimento e à carência de vida dos seus povos.”

Mundo reage com menos ênfase a situações que ocorrem em África quando comparado com situações idênticas no Ocidente, numa política de dois pesos e duas medidas.

 ??  ?? Milhares de africanos condenam a barbárie na Líbia sem acção enérgica e contundent­e do mundo THOMAS SAMSON | AFP
Milhares de africanos condenam a barbárie na Líbia sem acção enérgica e contundent­e do mundo THOMAS SAMSON | AFP

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