Um centro de saúde de “faz de conta” e sem condições
Estabelecimento clínico do Kilamba trabalha de forma quase ilegal e sem orçamento do Estado, embora tenha quadros cedidos pelo Governo, uma situação que a responsável do centro, a médica Godelive Luvualu, considera preocupante
De longe, vê-se que a infraestrutura tem as mesmas características de qualquer creche que existe na Cidade do Kilamba, o maior projecto habitacional do país, erguido depois da Independência do país, em 1975. Já mais perto, a “fotografia” muda, pois essa ideia acaba quando uma placa à entrada do empreendimento indica que se trata de um centro de saúde de referência.
O cenário tem algumas características comuns dos hospitais e centros de saúde de Luanda, onde as enchentes são o “cartão de visita”. Aqui há uns 14 pacientes sentados em cadeiras e outros tantos, a maioria, em pé na sala de espera e fora deste compartimento, com sussurros e reclamações à mistura pela demora no atendimento. Os poucos médicos, enfermeiros e técnicos de diagnóstico quase que não têm tempo para respirar.
No local da triagem de adultos, que é também sala de espera do banco de urgência, os pacientes aguardam por uma enfermeira que está num compartimento improvisado ao lado, para servir de sala de pequena cirurgia.
A técnica em referência é atenciosa e dá a sensação de ser uma grande profissional. Ela tem a porta da sala de trabalho entreaberta e vemo-la rabiscar num pedaço de papel, rasgado de uma folha do tipo A4 com a ajuda de uma régua, alguma recomendação para o paciente em assistência. Feito isso, avisa os familiares do doente para irem à farmácia no exterior do centro.
Na farmácia, os familiares do paciente devem comprar um par de luvas, seringa, agulha e uma ampola para travar uma febre que apoquenta um jovem. Enquanto isso, a enfermeira chama por outro paciente. Todos os doentes, não importa o diagnóstico feito, recebem a receita e são obrigados a comprar os medicamentos e os referidos materiais gastáveis.
A situação irrita os pacientes e seus familiares, devido ao cenário de abandono a que estão votados há dois anos. No fundo, não são só os doentes que se sentem desamparados, uma vez que os técnicos do centro, que funciona desde 2014 em instalações improvisadas no bloco R da Centralidade do Kilamba, também não são tidos nem achados pelas entidades que cuidam do sector em Luanda. “Nós estamos ao Deus dará”, disse uma técnica em serviço.
A confirmação das informações prestadas por pacientes e técnicos vem da médica Godelive Luvualu, indicada para dirigir o Centro de Saúde de Referência da Cidade do Kilamba que, mesmo com péssimas condições de trabalho, chega a atender cerca de 300 pessoas por dia.
Durante a conversa, a médica explicou que o centro enfrenta graves problemas, desde os mais básicos, como a falta de equipamentos, reagentes e material gastável, e adiantou que só se mantém em funcionamento graças à força de vontade dos seus funcionários. “Só nós sabemos o que passamos para estar ainda aqui. A situação é muito difícil”, desabafa.
A directora revelou que, embora o centro tenha sido inaugurado em Setembro de 2014 pelo então ministro da Saúde, José Van-Dúnem, e pelo antigo governador de Luanda, Graciano Domingos, este último jurista de formação, nunca foi reconhecido pelas próprias autoridades governamentais.“Este centro de saúde funciona praticamente de forma ilegal, embora seja estatal, porque não está reconhecido em Diário da República”, lamentou a médica. Esta situação é um dos principais factores que faz com que a unidade clínica não seja orçamentada e, com isso, o Ministério das Finanças não consiga cabimentar verbas para a instituição.Enquanto isso, o centro sobrevive à custa de gestos solidários e das contribuições conseguidas através da emissão de atestados médicos e, agora, com as ecografias pélvicas, em que as pacientes desembolsam até quatro mil kwanzas. “Com esse pouco dinheiro, temos conseguido cobrir algumas despesas, mas quase que não dá para nada”, disse Godelive Luvualu.
Sem receber ajuda alguma da Administração da Cidade do Kilamba, neste momento, a unidade sanitária tem a única ambulância avariada.
O centro sobrevive à custa de gestos solidários e das contribuições conseguidas através de emissão de atestados médicos e, agora, com as ecografias pélvicas