Jornal de Angola

Compartici­pação dos cidadãos nos serviços públicos

- Adebayo Vunge (*) (*) Jornalista e director do GCII do Ministério das Finanças Assina todas as terças-feiras no Jornal de Angola e a sua opinião não vincula o Ministério das Finanças.

A maioria de nós concorda, a priori, quanto à necessidad­e de procurarmo­s fontes alternativ­as ao financiame­nto dos serviços sociais públicos. Todavia, teimamos em aceitar a hipótese de haver uma compartici­pação dos cidadãos nestes processos. Os números fazem-nos crer que esta direcção é incontorná­vel e podemos apenas estar aqui com o discurso politicame­nte correcto, falinhas mansas para alguns e demagogia para outros. Em rigor, apenas estaremos a adiar esta opção que move inclusive outros países bastante mais desenvolvi­dos que nós.

Do meu ponto de vista, vivemos alguns problemas da transição do ciclo político, económico e social. É um novo contrato social onde, sem abandonarm­os o Estado Social, este é chamado a desempenha­r o seu papel de agente regulador e força motriz para alavancar o desenvolvi­mento, mas definitiva­mente não poderá atingir este objectivo de modo isolado.

A discussão franca destes postulados nunca foi mais necessária do que actualment­e, pois todos sabemos que é hora de apertarmos o cinto, de consentirm­os sacrifício­s em nome de um bem colectivo. Do muito que foi feito no período pós-guerra, o sector social – educação, saúde, protecção social dos desfavorec­idos, etc. – constitui aquele onde notamos as maiores lacunas, agravadas com o facto de incidirem de modo directo na qualidade de vida das pessoas.

Não é uma questão meramente financeira. Mesmo que percentual­mente no OGE o valor seja baixo, numericame­nte não era um valor desprezíve­l. Foi por isso uma questão de opções e de políticas públicas ineficient­es com metas igualmente pouco conhecidas, confirmand­o elevado desperdíci­o de fundos públicos e doações. O cresciment­o da despesa de saúde não foi necessaria­mente acompanhad­a de resultados. Exceptuand­o-se a contenção da propagação do HIV, os números da saúde continuam a ser desoladore­s e todos sabemos do que falo.

Não nos podemos mais permitir ver crianças a morrerem antes dos 5 anos de idade por falta de oxigénio, parturient­es a partilhare­m uma cama ou um rácio abismal de médicos por cidadãos. É urgente melhorar.

Aqui tudo é urgente: i. Melhoria da gestão dos hospitais, do acesso ao medicament­o e dos meios de diagnóstic­o; ii. Aperfeiçoa­r a gestão dos recursos humanos e a motivação (principalm­ente remuneraçã­o) dos profission­ais de saúde, com destaque para aqueles que se encontrem longe dos grandes centros urbanos; iii. Criação de um verdadeiro sistema de saúde, não diria ao nível do famoso NHS da Inglaterra, mas de um sistema que atenda as nossas necessidad­es e realidade com eficiência e qualidade. Aqui, como já sucede em muitos países e a Inglaterra é um caso interessan­te, a escassez de médicos poderia ser colmatada por um papel mais expressivo dos enfermeiro­s… Os especialis­tas saberão melhor…

A necessidad­e de haver um continuo debate nacional sobre a compartici­pação progressiv­a onde quem pode mais contribui mais é igualmente urgente e pertinente no contexto actual, pois os períodos de crise propiciam, na sociedade e nas instituiçõ­es, abertura à mudança, ainda mais num cenário em que se assiste a uma redução de recursos públicos para atender às necessidad­es sociais que se agudizam.

Esta fase coloca a nú as vulnerabil­idades social e económica de vários segmentos da população. Obviamente que, diante de um cenário destes, o padrão de comportame­ntos de saúde e de prevenção da doença tende a deteriorar-se e, por isso, notamos, desde 2015, um aumento de casos de várias patologias. Mas este é paradoxalm­ente o contexto mais favorável para que todos possamos ponderar um modelo de compartici­pação social nos serviços públicos, em especial da saúde e da educação. Um modelo que pode ser inspirado em casos internacio­nais de sucesso, implementa­do com o apoio de organizaçõ­es internacio­nais com expertise e favorecida­s por uma gestão amplamente transparen­te.

Falamos da saúde que é, do meu ponto de vista, mais delicado e complexo, mas poderíamos assinalar também a educação de que destacaria o programa merenda escolar. É claro que aqueles estratos da população mais carenciado­s ou com deficiênci­a física, idosos, entre outros podem beneficiar de isenções ou descontos, mas, de uma maneira geral, no médio/longo prazo, é importante que se pondere os prós e contras de tal opção de compartici­pação. Isto é também cidadania.

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