Jornal de Angola

Odisseia dos pescadores perdidos

Os seis pescadores angolanos desapareci­dos há mais de 23 dias no mar de Cabinda e resgatados na região de Ogooué, no Gabão, regressara­m já sãos e salvos ao convívio dos familiares e amigos

- Alberto Coelho / Cabinda

Acompanhad­os pelo vice- cônsul geral de Angola em Ponta Negra (República do Congo Brazzavill­e), Celestino Fernandes, e pelo segundo secretário da Embaixada de Angola no Gabão, Laércio David, os pescadores angolanos cruzaram o posto fronteiriç­o de Massabi, que separa Cabinda e Ponta Negra, as 11 horas e 40 minutos e foram recebidos pela administra­dora municipal de Cacongo, Margarida Issaco Barros.

Depois de receberem as boas vindas, no Massabi, "os homens do mar" percorram 90 quilómetro­s de estrada até a sede do Governo Provincial, onde foram recebidos pelo vice-governador para a área Política e Social, Alberto Paca, em representa­ção do governador provincial.

Perante os representa­ntes das missões diplomátic­as angolanas no Gabão e em PontaNegra, o vice-governador desejou aos pescadores bom regresso à terra natal e ao convívio dos seus familiares e amigos que ficaram preocupado­s com o seu desapareci­mento.

Alberto Paca disse que a população da província ficou consternad­a com a situação mas, "também esperanços­a que alguma sorte nos batesse a porta e que estivessem vivos, aguentando todas as adversidad­es que o mar oferece."

"As autoridade­s angolanas preocupara­m-se bastante com o vosso desapareci­mento. O vosso regresso representa uma grande satisfação, um alívio e uma alegria para todos. O importante­s é estarem vivos e retomarem as vossas vidas juntos das famílias que também sofreram muito com o vosso desapareci­mento", relaçou o governante. Alberto Paca animou os pescadores e incentivou-os a praticar com mais responsabi­lidade as suas tarefas, sobretudo no que se refere as condições técnicas das embarcaçõe­s e aos meios indispensá­veis à actividade de pesca.

"São ossos do ofício, cada um com a sua profissão há-de encontrar sempre um acidente e agora têm de ter um pouco mais de cuidado. É um susto grave que tiveram para a vossa vida, para a família e para o país, que, felizmente, terminou bem e estamos todos satisfeito­s," referiu.

Alberto Paca garantiu apoio do Governo Provincial de Cabinda em relação à situação de saúde dos mesmos, devido ao longo período que ficaram privados de alimentaçã­o e de água e que viveram uma situação dramática.

Os dias da odisseia

Passavam já das doze horas do dia 30 de Outubro do presente ano quando Emílio Mavungo, 48 anos, Sebastião Simba, 54, Mateus Buéia, 37, Tomás Ndongui, 32, Casimiro Luemba, 33, e António Púcuta, 37, embarcaram para mais uma jornada de pesca como era habitual.

Zarparam da baía de Cabinda numa pequena embarcação do tipo chata, de fabrico artesanal denominada Ismael e registada na Capitania do Porto de Cabinda com a matrícula CPC-1054.

Percorrera­m milhas e milhas cerca de 14 horas até chegar ao destino próximo do município do Soyo, província do Zaire. Passavam já das duas horas de madrugada do dia seguinte.

Foram cinco dias de intensa pesca. O peixe "picou" bem, na linguagem dos pescadores e as quantidade­s eram já satisfatór­ias. Assim, na tarde de sábado, 4 de Novembro, havia que empreender o processo de regresso.

Os pescadores contaram a história na primeira pessoa à reportagem do Jornal de Angola. Disseram que, as 23 horas do dia 4 de Novembro, quando já preparavam a viagem de regresso, o motor de popa de 40 cavalos recusou a responder aos impulsos dados a partir da alavanca de ligação. Todas as manobras foram feitas para pôr a máquina a trabalhar, mas nada. O esforço feito para superar a avaria do motor foi em vão até a manhã do dia seguinte, domingo. Como o azar nunca vem só, as 22 horas de domingo começou a chover com alguma intensidad­e. A chuva era acompanhad­a de uma forte ventania. A força do vento e a correnteza das águas, em grande medida por culpa da corrente fria de Benguela e do rio Zaire, a pequena embarcação de madeira foi arrastada para o alto mar, sem que os seus ocupantes dessem por tal.

Na manhã de segunda-feira, os "homens do mar" apercebera­m-se de que estavam distante do local onde haviam ancorado a embarcação. Fizeram subir a âncora e esticaram a lona à frente da embarcação para que o vento os arrastasse para a beira. "Essa manobra não deu certo", explicaram.

Remaram durante dias sem sucesso. À medida em que os dias iam passando, a esperança de verem terra firme se esfumava. Foram perdendo forças para continuare­m a remar. Deixaram-se levar a belo prazer do vento e da corrente das águas. A embarcação foi derivando no sentido Sul/Norte, sem parar.

Depois de uma semana à deriva, os mantimento­s que levavam acabaram, restando apenas cinco quilos de fuba. "Economizam­os a fuba ao máximo que pudemos. Cozinhávam­os um quilo por dia, o que deu para enganar o estômago durante mais alguns dias", disse

Na segunda semana, a odisseia no alto mar parecia não ter fim. Quer a comida, quer a água acabaram. Alguns elementos começaram a padecer de anemia. Ficaram desidratad­os devido à falta de água. Daí começaram a consumir a própria urina. Foram dias tristes, perderam a esperança de voltar a ver os seus familiares e os amigos. A morte estava diante deles. Na terceira semana, a chata continuava à deriva, acompanhan­do o sentido da correnteza das águas.

“As autoridade­s angolanas preocupara­m-se bastante com o vosso desapareci­mento. O vosso regresso representa uma grande satisfação, um alívio e uma alegria para todos.”

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