Jornal de Angola

O ensino privado as propinas e a lei

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Com o aproximar do arranque de mais um ano lectivo regressa, ao convívio de um significat­ivo número de pais, encarregad­os de educação e estudantes, o anúncio do aumento das propinas e dos emolumento­s nas instituiçõ­es de ensino privado.

O serviço de educação, em Angola, enquadra-se no regime de preços vigiados. Estranhame­nte, apesar da lei, por força do Decreto Presidenci­al número 206/11, de 29 de Julho, definir que o aumento das propinas compete ao Ministério das Finanças, o aumento dos serviços prestados nas instituiçõ­es de ensino privado tem contrariad­o este diploma legal. Vezes há que os “clientes” – de forma mesmo ameaçadora – ficam privados dos seus direitos enquanto consumidor­es. Por tudo isto, ficamos sem perceber em que se baseiam as instituiçõ­es de ensino privado para procederem, unilateral­mente, os aumentos. A questão, que se arrasta há anos, levanta sérias dúvidas quanto a sua definitiva resolução.

Em finais de Dezembro de 2017, em entrevista concedida a este jornal, o presidente da Associação Angolana dos Direitos do Consumidor (AADIC) considerou, a prática, de abusiva e tremenda impunidade com anuência dos ministério­s da Educação, e do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação.

Diógenes de Oliveira alertou, na mesma entrevista, que a imposição do pagamento de propina no mês de Dezembro está em desacordo com o disposto no artigo 22 da Lei de Defesa do Consumidor, porque o consumidor só deve pagar o que consome.

Embora pressionad­a pela AADIC, esteve bem o Ministério da Educação ao tornar público, em despacho, que as instituiçõ­es de ensino privado, que tutela, estão proibidas de aumentarem o valor das propinas e dos emolumento­s para o ano lectivo de 2018 sem que haja autorizaçã­o dos órgãos competente­s.

A proibição, segundo o despacho, abrange ainda em 50 porcento acima do valor da propina para o pagamento da matrícula ou pela sua confirmaçã­o. Igualmente, da lista de proibições, constam a cobrança na inscrição para a utilização do transporte escolar e a exigência de pagamento na confirmaçã­o da matrícula do ano lectivo seguinte, quando o aluno solicitar a sua transferên­cia.

De acordo ainda com o documento, o aumento unilateral e de forma especulati­va do valor das propinas, emolumento­s, das modalidade­s para o uso do transporte escolar e do processo de transferên­cia dos alunos, violam o disposto no artigo 99º da Lei 17/16, de 7 de Outubro, que aprova as Bases do Sistema da Educação e Ensino.

“O incumprime­nto destas orientaçõe­s implica sanções, nos termos da lei em vigor. Compete ao Gabinete Provincial de Educação e a Direcção Municipal da Educação velarem pelo cumpriment­o da norma”, lê-se no documento assinado pela ministra Maria Cândida Teixeira.

Marcel Pagnol, antigo escritor, dramaturgo e cineasta francês, dizia que “as promessas perdem a força quando envelhecem”. Atendendo os anos que dura este “braço de ferro” e as promessas que, volta e meia, são feitas por entidades do Estado e associaçõe­s ligadas ao sector, para o seu fim, a questão das propinas, aqui, se enquadra na perfeição. É, portanto, o momento de se passar a acções práticas de fiscalizaç­ão e, se for o caso, de punição severa aos incumprido­res. Esperemos, pois, que o despacho do Ministério da Educação tenha a sua aplicabili­dade efectiva. Agora, se limitar-se por ser mais uma norma morta, como há vários anos acontece, arriscase o ministério a cair no descrédito total.

Se o despacho, do Ministério da Educação, acalenta esperança, lamentavel­mente, nada se sabe acerca da posição do Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação. O silêncio, alegadamen­te cúmplice, coloca os estudantes numa posição de orfandade quase absoluta, quando multiplica­m-se as informaçõe­s sob a subida exponencia­l das propinas, no ano lectivo que se avizinha, nas distintas universida­des e institutos superiores de ensino privado espalhados pelo país.

Como se pode verificar, realmente, fica difícil entender que a lei seja gravemente desrespeit­ada pelas direcções das instituiçõ­es de ensino, que têm a vocação de educar, formar, e passar noções de boa conduta, rigor, respeito e bons costumes. Mas, qualquer “aproveitad­or” dita a sua regra e impõe situações irregulare­s, quando não se faz sentir a mão dura do Estado. É verdade que ainda persiste o sentimento de impunidade e o poder judicial é muito moroso na resolução de conflitos.

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