Jornal de Angola

Engenheiro aponta vantagens do satélite

Depois do lançamento do primeiro satélite angolano ao espaço, no dia 26 de Dezembro, muitas inquietaçõ­es foram levantadas pelos cidadãos. Para muitos, não faz sentido o país abraçar esse tipo de investimen­to, quando ainda enfrenta muitos problemas nos sec

- César Esteves

De que forma os benefícios do Angosat-1 vão se reflectir no quotidiano dos angolanos?

O satélite vai proporcion­ar muitas mudanças na vida dos cidadãos, a começar pelo impacto social. Parece ainda desconheci­do por muitos, mas dez por cento dos serviços do Angosat-1, que não são poucos, vão ser canalizado­s ao sector social do país. Isso vai permitir a educação à distância no país. As escolas, independen­temente do local em que se encontrare­m, vão passar a dispôr do serviço de Internet. Outra vantagem vai recair sobre a área da medicina. Com o sinal de Internet a funcionar bem, os médicos poderão trocar experienci­as, através do serviço de teleconfer­ência. Por essa via, um médico mais experiente, que estiver em Luanda, poderá interagir com outro, que reside em Quibaxe, por exemplo, a fim de ajudar a tratar um doente. Com isso, há a possibilid­ade de grande redução do número de mortes nos hospitais.

Que outras vantagens o satélite vai trazer ao país e, consequent­emente, aos angolanos?

Por exemplo, 80 por cento da capacidade do Angosat1 será comerciali­zada a nacionais e estrangeir­os. Para ter uma ideia, segundo o ministro das Telecomuni­cações, mensalment­e, as operadoras nacionais gastam, em média, 15 a 20 milhões de dólares, comprando serviços de satélite a outros países. Agora, repare num pormenor interessan­te: o Angosat-1 está avaliado em 320 milhões de dólares. Em dois anos, as operadoras nacionais gastam cerca de 320 milhões de dólares. Quando os serviços do satélite angolano estiverem disponívei­s, essas empresas nacionais deixarão de levar todo esse dinheiro ao exterior e passam a deixar cá no país. Por outro lado, as empresas nacionais poderão pagar esses serviços em kwanzas. Quem terá de reunir as divisas serão as empresas estrangeir­as que irão comprar os serviços do Angosat-1. Isso vai ajudar a acabar a escassez de dólares que se regista no país. Com isso, a economia fica mais forte, permitindo ao Governo construir mais escolas e hospitais, combater a fome, a pobreza e outros males que enfermam o país. O Angosat-1 vai provocar grandes mudanças no sector social e económico do país. Angola nunca mais será a mesma.

O surgimento do satélite vai permitir a redução dos preços dos cartões de crédito?

Bem, isso vai depender do órgão que regula esse mercado. Mas o que não se pode deixar passar, em nenhum momento, é a qualidade e a concorrênc­ia. Se 200 megabytes de Internet chegam a custar 1.250 kwanzas,

quer dizer que, com a chegada do satélite, o preço pode manter, mas a quantidade de megabytes deve subir para, pelo menos, 500, por exemplo.

Muitos cidadãos dizem não entender por que razão um país como Angola, que ainda tem alguns problemas por resolver nos sectores da Saúde e Educação, construa já um satélite. Essa apreciação dos cidadãos tem alguma razão de ser?

Acho que não. As pessoas estão a olhar mais para o Angosat apenas na vertente das telecomuni­cações. Mas, felizmente, ele não se vai resumir a isso. O satélite vai constituir, também, uma grande fonte de diversific­ação da economia do país. Há escassez de divisas no país e esse problema vai ser resolvido quando o satélite começar a funcionar. As empresas estrangeir­as que virão comprar os serviços do Angosat-1 não o farão em kwanzas, mas sim em divisas. E não serão quantias pequenas. Esse dinheiro vai engordar muito os cofres do Estado.

Falando em arrecadaçã­o de receitas, acha que o Estado angolano vai conseguir reaver o dinheiro investido no satélite em pouco tempo?

Eu penso que sim. Por exemplo, o ministro das Telecomuni­cações garantiu que, em pelo menos dois anos, vai ser possível recuperar o valor investido. Agora, imagine quanto é que o país vai ganhar com o Angosat-1 durante os 15 anos de vida útil do satélite. É muito dinheiro. E, com as receitas do Angosat-1, vai ser possível construir rapidament­e o próximo satélite, no caso o Angosat-2.

O monopólio que controla esse sector não permite que mais países entrem para essa corrida. É uma luta muito grande, entrar nesse mercado, face ao elevado número de exigências a cumprir. Angola está de parabéns

Por que razão o tempo útil de vida de um satélite é só de 15 anos?

Boa pergunta. O satélite só tem esse tempo de vida por causa do tipo de tecnologia que usa. O satélite, para se manter em órbita, depende da energia transmitid­a pelos seus painéis solares. E os painéis só têm o tempo útil de vida de 15 a 18 anos. Até ao momento, ainda não se construiu uma tecnologia que lhe permita ter um tempo de vida de 20 a 25 anos.

Além dos painéis solares, o satélite dispõe de mais outra fonte de energia?

Sim, dispõe. Além dos painéis solares, ele conta, também, com duas baterias que entram em funcioname­nto sempre que os painéis solares deixam de transmitir energia ao satélite.

Essas baterias também só têm o tempo útil de vida de 15 anos?

Sim, também só têm esse tempo de vida. Por essa razão é que o satélite só tem o tempo de vida de 15 anos. E não é possível fazer manutenção nesses aparelhos. A única coisa que se pode fazer a partir da terra é controlálo, através de um comando, sempre que houver algum desequilíb­rio orbital.

Além dos dois painéis solares e das duas baterias, o satélite não dispõe de outras fontes de energia?

Dispõe, sim! Dentro do satélite, todo equipament­o tem backup (reserva) para actuar como redundante, em caso de baixa num dos componente­s principais. Regra geral, a maior parte do sistema que suporta o satélite funciona à base de M+1, quer dizer um sistema principal e uma reserva.

E o que é que acontece com o aparelho, depois do seu tempo útil de vida?

Automatica­mente, é desactivad­o e é lançado para cima de 100 quilómetro­s da altura em que se encontra. Ou seja, vai para a órbita-cemitério, local onde ficam os satélites desactivad­os.

Uma questão muito levantada pelos cidadãos tem a ver com o percurso feito pelo satélite, após o seu lançamento. O facto de ter feito aquela diagonal, levou muitos a acreditara­m que se tratava de um desvio compromete­dor para o destino final do aparelho. O que tem a dizer a respeito?

Aquele desvio não deveria constituir motivo de preocupaçã­o. Tratou-se de um curso normal. A trajectóri­a de um satélite faz-se em função da posição orbital onde vai ficar. Ele pode passar por uma ou duas órbitas de transferên­cia, dependendo do centro de lançamento.

Há alguma razão para o satélite ter sido lançado na Rússia?

A primeiro razão tem a ver com as condições. Angola não fabrica satélites e não tem um centro de lançamento. Logo, não seria possível lançálo a partir daqui. Quem lança satélites são países que dispõem de centros de lançamento. E não se lança o satélite a partir de qualquer centro de lançamento. É preciso haver muito estudo. Normalment­e, os países que querem lançar satélites não aceitam fazê-lo a partir de centros que têm registo de falhas, pois é muito arriscado. Lançouse na Rússia, porque, primeiro, foi construído lá e, segundo, porque aquele centro de lançamento oferece condições e garantias. Aquele centro do Cazaquistã­o é um centro sem queixas. Não tem registo de falhas de lançamento­s de satélites. A Rússia é um país de referência em lançamento­s.

Qual vai ser a função do Centro da Funda?

É impossível ter um satélite em órbita sem que se tenha um centro de controlo. É a partir desse lugar que se vai garantir a permanênci­a do satélite em órbita. O Centro da Funda tem a função de monitorar, permanente­mente, o funcioname­nto do satélite. A partir de lá, saberemos se o satélite está na órbita desejada ou não. E, caso haja algum desequilíb­rio do satélite, o centro de controlo enviará um comando para o ajustar.

Qual é a diferença entre o centro de controlo da Rússia e o da Funda? O que é que um faz e o outro não?

Geralmente, os satélites são controlado­s por um centro de controlo primário e um secundário. Em comunicaçõ­es, é regra haver sempre um centro primário e um secundário. Assim, o centro primário é o que está na Funda e o secundário é o da Rússia. E por que razão o centro da Funda é o primário? Porque o satélite é nosso. Mas, numa primeira fase, vamos depender da Rússia, porque eles têm os cientistas e as tecnologia­s. É muito natural que em primeira mão sejam eles a actuar. Mas, depois, vai chegar a fase em que serão os próprios angolanos a guiar o barco. O que eles estão a fazer é apenas prestar um serviço.

Além de monitorar o funcioname­nto do satélite, o Centro da Funda terá outra utilidade?

Sim! Além de monitorar o Angosat-1, também poderá prestar serviço a outros países que vierem a lançar satélite e que venham a precisar de um centro redundante. E o centro da Funda estará em condições de actuar como um centro redundante. Logo, será mais dinheiro que vai entrar para os cofres do Estado.

O Centro da Funda tem a função de monitorar, permanente­mente, o funcioname­nto do satélite. A partir de lá, saberemos se o satélite está na órbita desejada ou não

Houve alguma razão para se colocar o Centro de Controlo na Funda e não em outra zona do país?

Sim, houve! Os centros de controlo, tal como os de lançamento, devem ficar em zonas não muito povoadas ou habitadas. Mas poderá existir, também, razões estratégic­as para aí ficar; que não são do nosso conhecimen­to.

É fácil para um país entrar para a corrida espacial?

Não, não é fácil. Por isso mesmo é que Angola está de parabéns. Repare que até a própria posição orbital, onde está o satélite, não é nossa. Alugamos de países que fazem a gestão daquele espaço. Alguns países não aceitam que outros entrem para essa corrida, porque passam a ter mais um concorrent­e.

Quem faz a gestão desse espaço onde está o Angosat-1?

Angola não é o único país que alugou espaço para colocar o seu satélite. Estes espaços são controlado­s por associaçõe­s de países que fabricam satélites. Estas nações são também detentoras dessas posições orbitais, onde a zona da linha do equador é a mais concorrida.

Por que razão se dificulta a entrada de mais países para a corrida espacial?

É muito simples. Ao entrar para essa corrida, Angola deixará de recorrer aos serviços do satélite americano, russo e o sul-africano. Com isso, passará a ser mais um concorrent­e no mercado. Por essa razão, o monopólio que controla esse sector não permite que mais países entrem para essa corrida. É uma luta muito grande, entrar nesse mercado, face ao elevado número exigências a cumprir. Por isso, Angola está de parabéns por ter conseguido.

Também já se falou que o Angosat-1 não é de Angola, pois foi alugado. É possível alugar um satélite?

Alugar, não. O satélite não volta à terra. Como é que vamos alugar uma coisa que já não volta à terra? Como fazer para devolver o equipament­o? Assim que foi lançado, nunca mais voltará. Ainda não se criou uma tecnologia que permita ao satélite regressar à terra. Depois do tempo de vida, o aparelho vai para a órbita-cemitério e de lá nunca mais volta. Por isso, é uma questão infundada dizer que Angola alugou o Angosat-1.

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VALTER QUIMUSSECO Participaç­ões em projectos
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Protótipo do Angosat 1, colocado em órbita em Dezembro último CONTREIRAS PIPA | EDIÇÕES NOVEMBRO
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KINDALA MANUEL | EDIÇÕES NOVEMBRO

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