Jornal de Angola

A procura das evidências

-

O alcance da afirmação do Presidente João Lourenço, recentemen­te numa colectiva de imprensa, de que contratos, como o de construção de um porto de águas profundas no Bengo, e outros (o de Cabinda pode estar incluído aqui) vão ser revistos pelo seu governo, é transcende­ntal e inédito.

Normalment­e, em democracia­s amadurecid­as, decisões desta natureza acontecem quando a mudança de governos é feita por pessoas de partidos diferentes. O sucessor, de um partido diferente do antecessor, enceta uma “perseguiçã­o impiedosa” para desfazer tudo que julga que tenha sido feito de forma errada pelo antecessor e adequar a sua gestão do aparelho de governação. O caso mais conhecido é aquele que é personaliz­ado por Donald Trump e Obama. É preciso ir às profundeza­s de democracia­s menos amadurecid­as onde a sucessão de regime tem sentido único (mesmo partido, mas novos rostos) para ver um caso análogo.

O que esteve mal - no âmbito do “Corrigir o que está mal e melhorar o que está bem” - nestes contratos poderemos saber depois, mas normalment­e o que pode ter viciado o acto administra­tivo que conduziu à celebração destes contratos pode ser o vício da violação da lei – que impõe a imparciali­dade, igualdade, justiça, proporcion­alidade e boa-fé nos actos que antecedem a celebração do contrato - e o do desvio de poder – que consiste no exercício de um poder discricion­ário de quem autoriza o contrato, por um motivo principalm­ente determinan­te que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder a quem autoriza.

É aqui onde a Lei dos Contratos Públicos, Lei n.º 9/16, de 16 de Junho (conhecida como Nova Lei dos Contratos Públicos) nos conduz a quem tem o poder discricion­ário para autorizar contratos a partir de determinad­o valor, ou seja, quem tem competênci­a para a autorizaçã­o de despesas (sem limite ou por delegação originária): o Titular do Poder Executivo. O visado é sem dúvidas os actos administra­tivos da governação anterior.

Aliás, esta lei retoma todos os princípios para a formação e execução de um contrato administra­tivo, como o da imparciali­dade, da igualdade, da justiça, da proporcion­alidade e da boa-fé, e acrescenta o da concorrênc­ia, da transparên­cia, da probidade, da economia, da eficiência e da eficácia e do respeito pelo património público.

Se provar que não houve parcialida­de, desigualda­de, injustiça, desproporc­ionalidade e má-fé é meio subjectivo, o desvio do poder indica duas razões simples: por motivo de interesse público e por motivo de interesse privado.

O primeiro desvio é aceitável, porque persegue sempre um interesse público, de todos nós, que satisfaz uma colectivid­ade de cidadãos, e isso é bom; o segundo é nada mais, nada menos conhecido como corrupção, segundo os ensinament­os mais elementare­s do Direito Administra­tivo.

Nestes casos quem decide (órgão administra­tivo que aprova) não perseguiu um fim de interesse público, mas um fim de interesse privado. E porquê? Por razões de parentesco, de amizade ou de inimizade com o particular. E com que motivo? Corrupção ou quaisquer outros de natureza privada. Há, assim, desvio de poder que torna o acto ilegal e inválido. Logo, o contrato que sucede ao acto ilegal e inválido tem o mesmo destino. As pessoas normalment­e ficam "desmaiam" com a expressão corrupção. Mas é só sinónimo de práticas desviantes à lei, seja de que natureza for.

Para anular um contrato nestas condições antes era preciso provar que tenha havido culpa, difícil de provar em sede de desvio de poder. Hoje, o combate à corrupção administra­tiva não se compadece com os mil e um obstáculos levantados em matéria de prova do desvio de poder por motivo de interesse privado. A exigência de dolo do órgão da administra­ção, nestes casos, é infundada e lesiva da moralidade administra­tiva, como escreve o exímio professor português Diogo Freitas do Amaral num dos seus Curso de Direito Administra­tivo.

E que contratos então são esses? O de Cabinda, por exemplo, tem um passado recente particular. Há menos de dez anos, especialis­tas disseram que Cabinda não podia ter um porto de águas profundas. A razão: a localizaçã­o de Cabinda no interland geográfico mundial tornaria o porto menos solicitado. Apenas a província do Namibe, em função da proximidad­e com a África do Sul onde há um porto de águas profundas e ponto obrigatóri­o de passagem de navios que cruzam oceanos, dava para construir um porto de tal dimensão.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola