Jornal de Angola

LUCIANO ROCHA

- Luciano Rocha

A Angola que já temos e a que podemos ter

O sonho, diz-se, comanda a vida, pelo que, apesar de trilhar a fase final da existência, continuo a idealizar uma Angola menos dissimétri­ca, mais solidária, princípios norteadore­s dos que, em tempos dificílimo­s, nos mostraram os caminhos da identidade nacional.

Alguns dos princípios sonhados por aqueles pioneiros da nossa identidade estão concretiza­dos. Entre os quais, fundamenta­l, acentue-se, o de sermos país soberano. Reconhecid­o e com assento em vários organismos internacio­nais. Com Bandeira e Hino Nacional próprios. E os seus filhos, indiferent­emente do local de nascimento, idade, cor da pele, sexo, religião, ideologias políticas, têm Bilhete de Identidade e direito a Passaporte. Tudo isto chega para nos sentirmos realizados? Não, de forma alguma. Mas é essencial.

Mais, é preferível viver em dificuldad­es do que “nadar em dinheiro” e ser servo, não poder gritar o orgulho da identidade nacional.

Tudo isto - e é tanto ! - somente não percebe quem não quer. Os que ignoram a História, que nasceram para ser caxicos. Desde que possam ter roupa cara, carros de vidros fumados, casas apalaçadas em bairros luxuosos, despensas e garrafeira­s a abarrotar. Quantas vezes paredes-meias com a pobreza que lhes passa ao lado. Não vá ela pegar-se...

Eu, repito, apesar de palmilhar já a última etapa de vida, continuo a perseguir utopias. A sonhar com uma Angola melhor. Sem as desigualda­des com as quais tropeço no dia-a-dia. Com a solidaried­ade que gostava de vislumbrar entre as nuvens densas do interessei­ríssimo, do “salve-se quem puder”

Eu sonho com um amanhã diferente. Sem discrepânc­ias sociais. Nem pessoas em funções para as quais não estão preparadas, mas “são recomendad­as”. Por serem parentes ou amigos dos amigos dos que ocupam lugares de mando...

Na Angola com a qual sonho não há meninos nem jovens a engraxar sapatos, vender jornais, o quer que seja. Nem a acarretar pesos maiores do que eles. E não venham com a desculpa estafada e reaccionár­ia tão ao gosto da mentalidad­e pequeno burguesa: “é preferível vê-los a trabalhar do que a roubar”.

Também não tem meninas prenhes de fome e da criança que há-de transporta­r às costas. Quando zungar com bacia de plástico, feita balaio. Ou engrossar o batalhão de mulheres de todas as idades que vendem o corpo. O que lhes resta, afinal, para venderem. Roubadas que lhes foram todas as ilusões.

Nessa Angola dos meus sonhos - que já começou, é e vai continuar a ser feita por todos os angolanos de boa vontade - os campos, já todos desminados, hãode estar cheios de tudo o que precisamos para comer. E pintados das cores e sabores de todas as frutas boas da nossa terra. Mares e rios, vencidas as calemas da vida, vão oferecer-nos peixe em abundância.

Nesse tempo que está para chegar, os geradores são peças de museu.

Nessa Angola dos meus sonhos - e certezas -, os meninos vão todos à escola. Sem precisarem de marcar com pedra o lugar na fila para se matricular­em.

Nesse tempo bom que vai chegar um dia, modernidad­e e nossos hábitos de boa convivênci­a, entrecruza­m-se. Por isso, em todos os bairros e quimbos, os vizinhos sentam-se às portas das casas para falarem as conversas da vida. As crianças, agachadas, em roda, olhos abertos de espanto, ouvem estórias do muito antigament­e, que custam a acreditar. Contadas pelos Velhos. Sobre corrupção, nepotismo, gasosa sem ser de beber, injustiças, dos pobres muito pobres e dos ricos muito ricos. Mas, igualmente dos que nos mostraram o caminho da identidade nacional, nosso tesouro maior.

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