“Aprendi a abordar de forma mais profunda a angolanidade”
Jornalista da Rádio Nacional de Angola diz ter ganho muitos amigos durante todo este tempo e lembra, com nostalgia, Alioune Blondin Beye e Margaret Anstee, antigos enviados especiais do Secretário-Geral das Nações Unidas em Angola
Pedro Manuel tem 47 anos, 30 dos quais ao serviço da Rádio Nacional de Angola (RNA). É um dos poucos jornalistas que acompanhou a maior parte das negociações entre o Governo angolano e a UNITA, então partido rebelde.
O jornalista é, actualmente, chefe da Redacção Política da RNA. Foi no seu gabinete onde Pedro Manuel dispensou, ao Jornalde Angola, parte do seu escasso tempo livre para falar das suas memórias de cobertura do processo de negociações para a paz no país.
Pedro Manuel diz guardar boas lembranças do tempo em que acompanhava as negociações, várias vezes longe da família mas próximo de colegas. Com o processo, Pedro Manuel diz ter ganho muitas amizades, destacando, entre elas, a do maliano Alioune Blondin Beye e da britânica Margaret Anstee, antigos representantes especiais do Secretário-Geral das Nações Unidas em Angola, os dois já falecidos.
“Convivi muito com Maitre Beye. Algumas vezes veio cá à Rádio e muitas vezes convidava-me para ir a sua casa, na antiga UNAVEM, para encontros privados. Ele via nos jovens potencial para perceberem o país e África. Beye foi muito importante para nós entendermos um pouco mais sobre África”, reconhece o jornalista, que diz ter comido pela primeira vez o “cabrité” (carne de cabrito assada) em casa do diplomata maliano, ainda na década de 1990, numa altura em que essa iguaria não era vulgar.
Mas o que mais marcou Pedro Manuel foi o facto de a cobertura jornalística das negociações para a paz em Angola ter sido garantida por jovens como ele. “Isso marcou-me porque sobre os nossos ombros pesava uma grande responsabilidade”, afirma o jornalista, que, muito cedo, aprendeu a ser maduro.
Com o acompanhamento do processo de paz, diz, aprendi muito sobre Angola e os angolanos. “Hoje temos uma forma mais profunda de abordar a angolanidade e, fundamentalmente, a questão da reconciliação nacional”.
Addis Abeba e Abidjan
Entre as coberturas que fez, Pedro Manuel destaca as coversações de Addis Abeba, Etiópia, e Abidjan, Costa do Marfim, em 1993, com a mediação das Nações Unidas e a observação de Portugal, Estados Unidos e Rússia.
As conversações de Addis Abeba não foram conclusivas, daí que se tenha marcado uma nova reunião que, entretanto, não veio a acontecer porque, segundo o jornalista, a delegação da UNITA, que se encontrava nas matas, não conseguiu chegar à capital etíope.
Pouco tempo depois, o Governo e a UNITA voltam a reunir-se, desta vez na capital marfinense. “Ficámos lá mais de um mês”, sublinha Pedro Manuel, para quem as negociações em Abidjan foram intensas porque as Nações Unidas entendiam que as delegações não deviam voltar às suas bases, para não atrasar o processo.
“Além disso, as Nações Unidas achavam que, se as delegações regressassem às bases, podia haver novas influências que contribuiriam para o mau andamento do processo. Por isso, as delegações e a imprensa
Pedro Manuel é actualmente o chefe da Redacção Política da Rádio Nacional de Angola
ficaram em Abidjan mais de um mês”, sustenta.
Pedro Manuel lembra que as reuniões chegavam a terminar a altas horas da noite, havendo, durante o dia, apenas pequenos intervalos para concertações das delegações. As coisas foram acontecendo dia após dia até que se chegou a um ponto de ruptura. Houve mesmo a necessidade de as delegações regressarem às bases para consultas com as lideranças. “Isso estendeuse, salvo o erro, até Abril de 1994, quando começam a ser equacionadas novas negociações, desta vez para Lusaka. Durante as negociações, os jornalistas podiam ficar o dia inteiro ou mesmo semanas seguidas sem informações do que acontecia na sala.
O que falhou?
Pedro Manuel afirma que os jornalistas acreditavam que os acordos assinados em Lusaka viriam a ser respeitados. “Estávamos com eles (representantes do Governo e da UNITA) e víamos o que estavam a fazer. Eles estavam a trabalhar seriamente, às vezes até de madrugada. Cada uma das delegações tinha um grande peso sobre os seus ombros porque trazia uma grande responsabilidade, que era a de decidir o destino de milhões de angolanos.” O jornalista justifica o fracasso na implementação dos acordos com o facto de as partes terem tido o desejo de ganhar tudo. “A fase da implementação é uma fase de jogadas. Se compararmos ao futebol, é a fase dos penáltis ou do final de uma partida. Ali cada um quer ganhar, quer esticar mais para além do que foi acordado”, diz Pedro Manuel.
Equívoco com os “Gatos”
Para Pedro Manuel, nem tudo foi um mar de rosas durante as coberturas jornalísticas do processo de negociações para a paz em Angola. Há um ou outro aspecto que ficou marcado de forma negativa na sua trajectória como repórter.
O jornalista conta uma história que, certamente, o vai marcar para sempre. Uma vez, em Abidjan, ele e Filomeno Manaças, pelo Jornal deAngola, e o Santo Rosa, pela Angop, estavam à procura de uma informação que só podia ser fornecida pela delegação do Governo, nomeadamente o general Ciel da Conceição "Gato", falecido recentemente.
Os repórteres saíram do hotel em que estavam hospedados para um outro onde estavam as duas delegações. Num corredor vêem um senhor. Pedro Manuel pergunta pelo general Gato, sem especificar se era o Ciel da Conceição, pois no mesmo edifício também estava um general, também ele com a alcunha de Gato, no caso Lukamba Paulo, da UNITA.
O senhor a quem Pedro Manuel pergunta mostra o general Lukamba Paulo, ao que o jornalista afirma: “Não é este o Gato que estamos à procura. Precisamos do nosso Gato!”. Aquela afirmação caiu muito mal nos presentes, pois revelava uma certa parcialidade, embora o jornalista a tivesse feito sem intenção de discriminação. A sua afirmação pode ser justificada com o facto de ele conviver num “habitat” controlado pelo Governo. Ainda assim, as críticas não se fizeram esperar. “Como é que um jornalista tem este posicionamento?! Afinal vocês têm o vosso Gato e nós o nosso?!”, terá questionado Lukamba Paulo.
Paulo Manuel pediu desculpas pela falha e, a partir daquele momento, aprendeu a medir as palavras. “A partir de então, antes de divulgar uma matéria mostrava-a ao meu técnico (de som), ao Santos Rosa, ao Mateus Gonçalves, da LAC, ou ao kota (Filomeno) Manaças”, disse o jornalista, que, apesar do que aconteceu, se mostrou satisfeito com o facto de nunca ter sido criticado por parcialidade nas matérias por si divulgadas.