Um compromisso com a ancestralidade
Makuma Mambo faz jus à sentença: “Todos os problemas que acontecem devem ser resolvidos”. Com o kisanji e a sua voz tem tentado arranjar solução para os seus problemas pessoais e dos companheiros.
Para este activista cultural, o kisanji é um instrumento que corre o sério risco de desaparecer do mapa musical angolano e, neste sentido, busca uma solução.
Adriano Simão Afonso Bueloseke, antes conhecido no meio artístico como “Tungulu”, hoje carrega o nome Makuma Mambo, que também é a designação do grupo que fundou ainda garoto, do qual é o principal compositor e coreógrafo. Este homem de muitas estórias e histórias começou por afirmar, ao caderno Fim-de-Semana, que o Kisanji pode ser encontrado em várias regiões de Angola e com diferentes nomes: Buetete, Kelembe e Quimkelembe. Em todas as regiões do país corre o risco de desaparecer.
Aprendeu a tocar o instrumento em Kimbele, província do Uíje, apreciando pessoas adultas a tocarem, numa altura em que os anciãos não permitiam aos mais novos o uso do kisanji.
Respeita o kisanji que, para ele, tem uma forte simbologia, porque a transmissão dos ensinamentos sobre o seu uso veio dos seus mestres e protectores Papa Bessela e Tata Salua, respectivamente pai e avô.
Hoje tem o domínio da arte de tocar e de construir instrumentos e que, segundo ele, as novas gerações não querem saber. Com a responsabilidade de preservar o legado, vai passando a mensagem no canto, dança e teatro. Numa povoação de Kimbele ficou o seu cordão umbilical e aos dez anos o pequeno então ainda chamado Tungunu iniciou o projecto Makuma Mambo.
Ajudar os jovens
Com a música, tenta ganhar a vida e ajudar um grupo de jovens que vivem em zonas problemáticas do Golfe e da Sapú. Outra preocupação sua é que os mesmos consigam manter e divulgar, a partir de Luanda, os ritmos de Kimbele.
O grupo explora essencialmente os ritmos kassanje, nsanku, langala, satsumula, kibuekila, ndembo, lupumbo, bumba, kissebele e maringa, quase todos da região Kongo. Não optam pelo Kilapanga porque o consideram uma vertente mais moderna. “Nós somos pelas raízes, mas respeitamos aqueles que optam por esta tendência mais moderna”, diz o líder do grupo.
Mais adiante afirmou que a sua principal motivação para criar o grupo Makuma Mambo,no início da década de 60, foi a proibição de as crianças participarem nas festas de circuncisão, a obrigatoriedade da frequência às cerimónias religiosas e da entrada no sistema ocidental de ensino, relegando ao esquecimento ou menorizando os ensinamentos dos anciãos. A primeira fase da sua formação terminou na adolescência, que coincidiu com a chegada da Independência. Reconhece que antes da dipanda abandonou o kisanji e optou por um estilo de vida mais urbano.
Em 1980 vem para Luanda e mais tarde cumpre o serviço militar no Moxico. Regressa depois para Kimbele, num ano em que a infelicidade bateu-lhe a porta da família. Naquele momento só pensava recorrer aos nkanga, porque escutava vozes pedindo que executasse o kisanje, instrumento que havia deixado de praticar.
Volta a praticar seriamente o kisanji em meados dos anos 80, quando foi alertado de um possível desaparecimento do instrumento e dos poucos executantes. Elaborou um manifesto que enviou à Direcção da Cultura de Luanda e ao Ministério da Cultura, onde pedia às autoridades culturais no sentido de tomarem medidas quanto ao processo do desaparecimento da tradição oral de Angola. Em 1983 refunda o Makuma Mambo, que é aceite como grupo cultural no município luandense do Kilamba Kiaxi, que representa, em 1987, no Carnaval.
Reforços no grupo
Um seu conterrâneo, Gaspar Capitão, em 2003, depois de viver cerca de duas décadas na Alemanha e numa fase em que procurava reencontrar-se com as raízes, conhece Adriano Afonso Bueloseke e passa a integrar o grupo. Nessa fase começam a procurar apoios para a divulgação dos seus trabalhos e a fazer recolhas. Apresentavam-se em festas na comunidade e nos mercados
“Nós somos pelas raízes, mas respeitamos aqueles que optam por esta tendência mais moderna”
de Luanda, mas sempre que as condições permitiam iam à província do Uíge.
Num período em que entraram e saíram vários elementos no grupo, Makuma Mambo teve paciência, até que a sua obra começou a ser reconhecida. Mais uma vez, Nguxi dos Santos, o carismático realizador, entrou em cena e ajudou um artista. Numa sexta-feira, 26 de Julho de 2013, no Cefojor, os presentes na sessão de apresentação do documentário “Angola Rio Loco” renderam-se “à magia dos sons dolentes do kisanji de Makuma Mambo”, como viria a escrever o jornalista e escritor José Luís Mendonça.
Actualmente faz apresentações em saraus de poesia, com o seu kisanje, quando não há possibilidade de reunir a formação completa. Curiosamente, José Luís Mendonça tem sido um dos homens de letras que mais recorre às harmonias soltas pelo kisanji de Makuma Mambo.
No formato que mais aprecia, toca na companhia de Kinavuidi Jaime (mondo), Armando Pedro (nkoko), Monekene Adriano (ngoma), Gaspar Capitão (sacaia) e ele próprio, André Bueloseke, (kisanji). Com esta formação, a convite de Jorge Mulumba, sobrinho e herdeiro cultural do Mestre Kituxi, participou no Festival Muanba- Música Ancestral Bantu, evento que aconteceu no Palácio de Ferro, uma produção da Onarte e da FDS.
Público impressionado
Foi com “Tungulu”, “Balu Kabalu”, “Ntuma Nsonia”, “Sambi ye Cocolo” que impressionaram o público, além das autobiografias “Rasta Mambo” e “Luanda Cidade”, dois temas que falam da adaptação na capital e da rejeição que o líder do grupo encontrou por ostentar as guedelhas características de um rastafari. Com esta apresentação surgiram outros convites e até mesmo apresentações televisivas. Os Makuma Mambo lutam para gravar um disco e apresentar a sua obra noutros palcos. Agora, com alguma regularidade, o líder desloca-se à sua terra natal, com o objectivo óbvio de “recarregar as baterias”, isto é, voltar a beber da fonte primacial da sua música. Em paralelo com a música pretende publicar um livro.
Infelizmente, ele lamenta o comportamento de algumas entidades que quando convidam os artistas deste segmento musical, não honram com os compromissos e apenas os respeitam antes dos eventos. Não quis revelar, mas espera que os responsáveis da empresa para quem abrilhantaram um evento, leiam esta matéria e possam pagar pela actuação que fizeram.
O artista, que é a favor das mensagens construtivas que valorizem a nação, finalizou o seu depoimento a este caderno do seguinte modo: “Os músicos quando brincam com letras grosseiras brincam também com o país e este transforma-se num país de brincadeira. Eu quero fazer algo sério”.
Makuma Mambo luta para gravar um disco e apresentar a sua obra noutros palcos