Miguel Díaz-Canel escolhido para suceder a Raúl Castro
Deputados cubanos ratificaram ontem a proposta de Miguel Díaz-Canel, 58 anos, como sucessor de Raúl Castro, na presidência. Formado em Engenharia Electrónica, ex-professor universitário, Miguel Díaz-Canel pertence à geração que já nasceu após a revolução de 1959.
Os 605 deputados cubanos eleitos a 11 de Março, de forma directa, ratificaram ontem a proposta de Miguel Díaz-Canel, 58 anos, como sucessor de Raúl Castro, na presidência de Cuba. A escolha decorreu na sessão constitutiva da IX Legislatura da Assembleia Nacional do Poder Popular de Cuba, um dia antes do previsto.
Formado em Engenharia Electrónica, ex-professor universitário, Miguel Díaz-Canel pertence à geração que já nasceu após a revolução de 1959. Casado duas vezes, com dois filhos, faz amanhã 58 anos. É membro do Partido Comunista de Cuba desde 1993 e, desde Fevereiro 2013, vice-presidente cubano. Desde então que é considerado como o mais óbvio sucessor de Raúl Castro.
Natural de Falcón, em Placetas, na província de Villa Clara, foi aí secretário do Partido Comunista entre 1994 e 2003. Ganhou fama de político de mente aberta pelo seu apoio a um centro cultural frequentado por travestis e pelo seu gosto pela música rock: é um grande fã dos Beatles. Em 2003 foi enviado para a província de Holguín como secretário do partido e, seis anos mais tarde, foi chamado a Havana por Raúl Castro. Foi ministro da Educação, primeiro, vicepresidente em seguida.
A sua fama de moderado esbarrou, no entanto, em 2017, com um vídeo que foi divulgado pelo dissidente Antonio Rodiles. Nele, Díaz-Canel surge numa reunião do partido a criticar os dissidentes, os EUA, os jornalistas independentes, afirmando que activistas como a blogger Yoani Sánchez são marionetas financiadas pelos EUA. Denunciando teorias da conspiração sobre como os inimigos da revolução tentam infiltrar-se, disse então que Cuba não tem nada a oferecer aos americanos em troca da normalização de relações anunciada por Barack Obama.
Raúl Castro, irmão de Fidel, deixa a presidência após uma dúzia de anos (os dois primeiros de forma interina). “As pessoas em Cuba ainda não processaram o que significa ter um governo sem Raúl ou Fidel. Estamos a entrar em território desconhecido”, nota à Associeted Press Yassel Padron, um bloguista de 27 anos, que se assume como marxista.
Na Cuba de 2018, Padron faz parte de um grupo cada vez mais reduzido. Se é certo que os números oficiais apresentam meio milhão de jovens a militar na UJC, a juventude comunista do partido único, já o desinteresse e o desencanto pela política não é quantificável. "São palavras que se repetem há 60 anos e cujo objectivo principal é a manutenção de um sistema de coisas e de ideias completamente alheio a mim e aos meus amigos", diz o estudante de cinema Alejandro Yero à Folha de São Paulo.
"Nascemos com tudo isto como está agora", refere por sua vez Bilmar, de 32 anos, tatuagem no ombro da Estátua da Liberdade. Uma forma de dizer que a sua geração não fez o suficiente para mudar a sociedade. Bilmar teve de sair do emprego estatal, pelo qual recebia 10 dólares, para trabalhar por conta própria: vende carne num carrinho de mão em El Cobre, cidade no sopé da Sierra Maestra. O seu avô, Nelson Alvarez, de 85 anos, combateu do lado de Fidel Castro e Che Guevara. “Temos de continuar [a revolução]. Não há volta atrás”, diz à Reuters, ao lembrar as condições de vida miseráveis da população durante o regime de Fulgencio Batista.
Quando assumiu o poder de forma oficial, em 2008, Raúl Castro abriu as janelas do Palácio da Revolução. Mas o governo só conseguiu realizar uma parte das reformas de mercado, que visavam aprofundar uma abertura que Fidel Castro iniciou após o colapso da União Soviética em 1991.
Os esforços do presidente para modernizar a economia de planeamento central ao estilo soviético tiveram resultados mistos. O Partido Comunista reconhece que o processo tem sido mais difícil do que o esperado e que a maioria das reformas, aprovadas num congresso em 2011 e ratificadas em 2016, ainda estão por implantar.
“Raúl Castro criou as directrizes, as instituições, mas o que não conseguiu fazer foi acabar com a velha mentalidade”, comenta Carlos Alzugaray, um diplomata cubano na reforma.
A mais bem-sucedida das mudanças será a relacionada com os empresários em nome individual (ou em cooperativa). Estes foram autorizados pela primeira vez desde 1968 a contratar mão-de-obra não familiar. Ao mesmo tempo, o estado começou a autorizar a abertura do pequeno comércio, barbearias, restaurantes ou hospedarias. Há cerca de 580 mil pessoas no sector privado.
Uma nova lei de investimento estrangeiro, em 2014, abriu a maior parte da economia, reduziu os impostos em cerca de 50% e proporcionou maior flexibilidade em termos de participação maioritária de investidores estrangeiros em parceria com o Estado.
A criação de um parque industrial a oeste de Havana - no qual os investidores podem ter negócios sem ser com o Estado como accionista - e o crescimento do sector turístico (são esperados cinco milhões de visitantes em 2018, um recorde), são sinais de mudança em curso.
Em 2017, o país assinou novos empreendimentos avaliados em mais de 2 mil milhões de dólares, cerca do dobro do valor assinado em qualquer ano anterior. Raúl Castro deixa no currículo a renegociação da dívida externa. O Clube de Paris perdoou três quartos dos 11,1 mil milhões de dólares.
Alguns destes resultados foram possíveis graças ao aligeirar das relações com Washington, em 2014, com Barack Obama na Casa Branca. No que respeita à propriedade privada, o governo autorizou a compra e venda de casas e carros em 2011, após uma proibição que data logo após a revolução de 1959. Os proprietários também foram autorizados a alugar os seus imóveis. No entanto, os cidadãos só podem deter uma casa de habitação e outra de férias. A venda de carros novos permanece nas mãos do Estado.