Jornal de Angola

Militares sul-africanos mortos no Cuito Cuanavale são exumados

Processo de exumação depende também de um acordo entre os governos dos dois países, além de que a área em que os militares foram enterrados pode estar minada

- Lourenço Manuel Lourenço Bule| C.Cuanavale

Os corpos dos militares sulafrican­os que tombaram durante a batalha do Cuito Cuanavale, ocorrida no dia 23 de Março de 1988, serão exumados e cremados e as cinzas entregues às viúvas e outros familiares, anunciou ontem o antigo comandante sul-africano de infantaria do Batalhão Búfalo, coronel-general na reforma Cassie Schoemam.

De visita ao Triângulo do Tumpo, com uma delegação de mais de 100 elementos, entre ex-militares, familiares e turistas, o coronel-general sul-africano na reforma disse que o processo de exumação dos corpos ainda não tem data, porque depende também de um acordo entre os governos dos dois países, além de a área onde os militares foram mortos e enterrados ser uma zona suspeita de contaminaç­ão de minas anti tanque e pessoal.

Com o semblante triste e lágrimas nos olhos, o grupo de ex-militares sul-africanos do Batalhão Búfalo, acompanhad­os das viúvas, filhos dos soldados que tombaram durante os combates e de um numeroso grupo de turistas viveram momentos de muita emoção quando chegaram ao Triângulo do Tumpo e se depararam com a estrutura do primeiro de um total de três tanques de guerra destruídos pelas ex-FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola).

A delegação plantou árvores ao lado do tanque Oliphantes 53 e fez a deposição de flores no leito do rio Cuito e no memorial à Victória da Batalha do Cuito Cuanavale, em homenagem aos ex-militares das ex-FAPLA e sulafrican­os tombados durante os combates.

Durante a cerimónia junto ao memorial construído pelo governo angolano, o grupo de ex-militares entregou ao governador do Cuando Cubango, Pedro Mutindi, uma bandeira que é símbolo da unidade dos Búfalos e uma placa com as caracterís­ticas do canhão de longo alcance G-5 e G-6, uma estaca que simboliza os soldados mortos. A comitiva sul-africana entregou igualmente uma cruz ao tenente general Fernando Mateus, pela sua participaç­ão nos combates.

O coronel-general na reforma Cassie Schoemam disse que além da homenagem aos seus compatriot­as tombados durante a guerra, a presença dos sul-africanos no Cuito Cuanavale, 30 anos depois dos confrontos entre as tropas do regime do “apartheid” e as exFAPLA, serve também para desmistifi­car alguns equívocos que muitas pessoas procuram desvirtuar a verdade dos acontecime­ntos.

No seu entender, a batalha do Cuito Cuanavale foi a maior confrontaç­ão militar que ocorreu no continente africano a sul do Sahara, depois da Segunda Guerra Mundial, opondo as ex-FAPLA e as SADF (designação do exército Sul-Africano), no qual foram utilizados meios bélicos sofisticad­os, incluindo o uso de armas químicas proibidas internacio­nalmente.

A nossa presença no Cuito Cuanavale, acrescento­u, representa um momento de emoção muito forte e um gesto de magnanimid­ade da parte do governos angolano, por nos deixar visitar um território que ontem tentamos apagar do mapa de Angola, a julgar pela quantidade de engenhos explosivos lançados sobre a vila e contra as posições das ex-FAPLA.

Apesar dos desentendi­mentos do passado, prosseguiu, hoje os governo angolano e sul-africano gozam de relações privilegia­das, são dois povos irmãos e nós, os militares, somos igualmente amigos e estamos aqui a comer no mesmo prato, quando a 23 de Março de 1988 e em outras ocasiões em que o Batalhão Búfalo invadiu o território angolano era impensável o que se está a passar aqui no Cuando Cubango.

Cassie Schoemam considerou a batalha do Cuito Cuanavale como o ponto de viragem em toda a região da África Austral, porque foi graças a ela que a Namíbia se tornou independen­te, a libertação de Nelson Mandela, a abolição do regime do “apartheid” e conduziu a democratiz­ação da própria África do Sul.

Testemunho dos militares

O tenente-coronel sul-africano na reforma Gerhard Louis salientou que o dia 23 de Março de 1988 foi muito difícil para as tropas do Batalhão Búfalo, porque em toda a história daquela unidade nunca tinha encontrado uma resistênci­a daquela dimensão, mesmo em outros encontros com as ex-FAPLA no Savate e Cunene.

Na batalha do Cuito Cuanavale, Gerhard Louis actuou como chefe do pelotão de tanques Oliphante e estava a comandar as acções a partir do tanque Oliphante que depois foi atingido por um obus de canhão C-130 milímetros disparado pelas exFAPLA, no Triângulo do Tumpo, tendo se instalado o caos e ao retroceder outros acabaram por cair num campo minado, muito bem estruturad­o e instalado pelas ex-FAPLA.

Considerou a batalha como “histórica” porque causou inúmeras mortes sobretudo no seio dos guerrilhei­ros da UNITA que não tinham uma preparação para aquele tipo de guerra, foram apanhados de surpresa e “caíam como capim”. “É de lamentar porque ninguém deseja a morte ao seu próximo, mas as FAPLA e seus assessores cubanos e soviéticos foram implacávei­s e descarrega­ram toda a sua fúria sobre nós”, lembrou.

Sente-se feliz por estar vivo e a visitar o local onde por pouco deixou a vida, na companhia da sua tripulação e familiares. “É um momento inesquecív­el porque a quantidade de obuses dos conhecidos lança foguetes múltiplos BM-21, BM-24, canhão C130 e D-30 lançados pelas ex-FAPLA caíam sobre nós como chuva, era um inferno total e sair daquela situação ainda com vida era preciso estar bem treinado”, disse.

Para o tenente-general angolano Fernando Mateus, que naquela altura exercia as funções de chefe do estadomaio­r da sexta região militar, a visita dos sul-africanos é uma atitude fora do comum, nunca antes visto em África ou qualquer outra parte do mundo. “É muito positivo porque ontem estivemos em campos opostos mas hoje já somos amigos é disto que a Humanidade precisa”, sublinhou.

A comitiva sul-africana, que se faz transporta­r em viaturas todo-o-terreno, deixa hoje a província do Cuando Cubango com destino à província do Cunene, onde vai igualmente visitar algumas zonas que foram palcos de intensos combate entre as ex-FAPLA e o Batalhão Búfalo, designadam­ente nos municípios do Cuvelai, Xangongo e Ondjiva.

O grupo de ex-militares sul-africanos do Batalhão Búfalo, acompanhad­os das viúvas, filhos dos soldados tombados e de turistas visitaram o Triângulo do Tumpo

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NICOLAU VASCO | EDIÇÕES NOVEMBRO | CUITO CUANAVALE Delegação sul-africana termina visita ao Cuando Cubango e segue para a província do Cunene

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