Jornal de Angola

Muito obrigado, Angola

- Saeb Erekat | *

Quando foi publicada a notícia segundo a qual o representa­nte diplomátic­o angolano em Israel tinha marcado presença na cerimónia de recepção organizada pelo Governo israelita para celebrar a inauguraçã­o da Embaixada dos EUA em Jerusalém, as pessoas na Palestina não conseguiam entender o que estava a acontecer.

Angola, um país com o qual os palestinos partilham história comum de luta contra o colonialis­mo, fez parte de uma celebração do apoio do Governo dos EUA aos ataques israelitas e acções coloniais na Palestina ocupada. Desde o início entendemos que algo de errado tinha acontecido e a exoneração de dois diplomatas angolanos responsáve­is pela participaç­ão angolana naquele acontecime­nto vergonhoso, tal como anunciado pelo ministro Manuel Augusto, acabou por confirmar o que todos sabíamos: a forte solidaried­ade de Angola para com a Palestina e a certeza de que certamente Angola nunca faria parte de um insulto contra o povo palestino. No momento em que Israel está a tentar fortalecer as suas relações com os Estados africanos, constitui uma boa oportunida­de para falar sobre o contexto das relações entre palestinos e africanos.

Desde o início da revolução palestinia­na, o nosso povo se identifico­u com as lutas dos povos da África. Durante os anos sessenta e setenta os contactos foram institucio­nalizados e a cooperação entre os nossos movimentos de libertação tornou-se clara. Todos estávamos a lutar pelos mesmos valores e pelas mesmas causas: a liberdade, a justiça, a dignidade para os nossos povos e os direitos soberanos das nossas nações para conduzir o seu próprio destino. É por isso que quando o povo palestino teve a sua primeira oportunida­de de se dirigir à Assembleia-Geral da ONU, no dia 13 de Novembro de 1974, o discurso do falecido líder, Yasser Arafat, foi cheio de referência­s à África e da solidaried­ade com as suas lutas.

Ele observou que, em contraste com a posição palestinia­na de apoio à autodeterm­inação africana, ele queria “mencionar brevemente as posições israelitas : o seu apoio à Organizaçã­o do Exército Secreto na Argélia (…) o seu apoio aos colonizado­res na África, seja no Congo, em Angola, Moçambique, Zimbabwe ou África do Sul ”. Ele lembrou à assembleia que os diplomatas israelitas se recusariam a votar em apoio à independên­cia dos Estados africanos. E, além disso, nas suas intervençõ­es Yasser Arafat expunha a nu a aliança estratégic­a e bem documentad­a de Israel com o regime do apartheid sul-africano.

O Governo de Israel tem tentado obter apoio africano como parte das suas tentativas de normalizar o seu empreendim­ento de colonizaçã­o na Palestina. É por isso que quando alguns países como Togo, Camarões, Congo, República Democrátic­a do Congo, Etiópia, Quénia, Ruanda, Tanzânia e Zâmbia enviaram os seus embaixador­es para celebrar a mudança ilegal da Embaixada dos EUA para Jerusalém, imediatame­nte percebemos que havia algo de errado nos seus cálculos. Por exemplo, quando o ministro das Relações Exteriores da Tanzânia, Augustine Mahiga, declarou recentemen­te que o líder de Israel, Benjamin Netanyahu, “é um homem que interpreto­u correctame­nte os tempos, as mudanças, a dinâmica política - especialme­nte após o fim da Guerra Fria - África ”, não podemos deixar de discordar. É verdade que os países seguem os seus próprios interesses. Mas também é verdade que os países que sofreram com o colonialis­mo tendem a ser rever completame­nte nos valores da liberdade e libertação. Você não luta contra um regime colonial opressivo para se associar a outro regime que oprime os outros povos.

O nosso querido irmão e camarada, o falecido Nelson Mandela, disse que a África do Sul venceu a luta contra o apartheid e que “sabemos muito bem que a nossa liberdade é incompleta sem a liberdade dos palestinos”. A África do Sul poderia ter feito a escolha de apenas “seguir a nova era” e esquecer a opressão pela qual passaram. Mas a África do Sul tornou-se uma autoridade moral em todo o mundo, pressionan­do pelo respeito aos direitos de autodeterm­inação dos povos em todo o mundo. Recentemen­te, enquanto a Etiópia, Quénia, Ruanda e Togo decidiram se abster na votação para enviar uma comissão independen­te de inquérito sobre o massacre israelita em Gaza, a representa­nte sul-africana, Nozipho Joyce Mxakato-Diseko, tinha apelado para um voto a favor.

A diplomata sul-africana defendia que “ouvir as justificat­ivas das acções tomadas pelo Governo de Israel, e o apoio ilegal dos EUA (…) lembrava a minha delegação como o regime do apartheid era ligeiro e desprezíve­l a justificar as suas atrocidade­s em massa”.

A Palestina, o seu povo e o movimento de libertação nacional, estão orgulhosos do apoio histórico das nossas irmãs e irmãos africanos, já que isso é uma questão de princípio. Com base nesses fortes fundamento­s morais, construire­mos um futuro de liberdade e de igualdade, de justiça e de prosperida­de para todos. Tal como Israel usa a sua “cooperação” como forma de branquear os seus crimes, o colonialis­mo e regime de apartheid na Palestina, Angola lembrou a muitos que o seu apoio ao Direito Internacio­nal, à autodeterm­inação do povo palestinia­no não está à altura de qualquer negociação política, incluindo a pressão da administra­ção Trump e do Governo israelita.

Estamos ansiosos pelo momento em que inaugurare­mos a Embaixada angolana no Estado da Palestina em Jerusalém Oriental, a nossa capital. O momento em que podemos acolher os nossos irmãos e irmãs angolanos num país livre. A nossa luta é pela Palestina, para se tornar um país livre que acolhe os seus irmãos e as suas irmãs de todo o mundo. Aguardamos ansiosamen­te o dia em que milhares de angolanos desfrutarã­o da herança cultural do nosso país, seja em Jerusalém, Belém, Jericó e outros lugares. Estamos ansiosos por continuar a escrever a História comum como africanos e palestinos, fortalecen­do a forte solidaried­ade internacio­nal e firmeza. Os fundamento­s morais dessa relação não poderiam ser mais fortes.

É a primeira vez que publico um artigo de opinião num jornal africano não árabe, e estou orgulhoso por este jornal ser angolano. Em nome da liderança e das pessoas palestinia­nas, permitam-me que agradeça a Angola pelo seu compromiss­o com o direito do povo palestinia­no à liberdade, justiça e paz.

“Estamos ansiosos pelo momento em que inaugurare­mos a Embaixada angolana no Estado da Palestina, em Jerusalém Oriental, a nossa capital. O momento em que podemos acolher os nossos irmãos e irmãs angolanos num país livre”

* Secretário-geral da Organizaçã­o de Libertação da Palestina (OLP)

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