Jornal de Angola

Milhões de malianos vivem no estrangeir­o

De um momento para o outro, um jovem maliano entrou nos noticiário­s de todo o mundo como o herói improvável de uma história onde se distinguiu por ter salvo uma criança que estava pendurada na varanda de um prédio. Este caso, não é isolado num povo que te

- Victor Carvalho

Há dias na vida de uma pessoa que ficam para sempre marcados, pelo bem ou pelo mal. No caso do jovem maliano de 22 anos, Mamoudou Gassama, tudo se passou em poucos minutos quando ao ver uma criança em perigo não pensou duas vezes: trepou, qual Homem Aranha”, os quatro andares de um prédio para a resgatar.

Trata-se de um gesto heróico, até porque colocou em perigo não só a sua própria vida como a possibilid­ade de continuar a viver o “sonho europeu”, pois era um de entre os milhares de africanos que vivem ilegalment­e em França.

A repercussã­o do caso teve grande impacto no Mali e na comunidade maliana residente em França, tendo o Presidente Ibrahim Boubacar Keïta e uma associação de migrantes saudado a coragem de um seu concidadão indocument­ado que salvou uma criança de cair de um prédio em Paris, o que lhe valeu a legalizaçã­o.

Outros, porém, lamentam que tenha sido necessário um acto tão excepciona­l para obter uma regulariza­ção que outros jovens africanos aguardam por vezes em vão durante “mais de dez ou 15 anos”.

“Salvar uma vida, colocando em perigo a sua, não está ao alcance de todos. Mamoudou Gassama correu esse risco, demonstran­do valores de coragem e de humanismo que honram toda a nação. Bravo!”, disse o Chefe do Estado maliano citado pelas agências internacio­nais.

Não é a primeira vez

Porém, a verdade é que esta não é a primeira vez que um imigrante maliano, a residir igualmente em França, revelou o seu lado heróico.

Em Janeiro de 2015, Lassana Bathily, foi elogiado por ter salvo a vida a seis pessoas, incluindo um bebé, durante um ataque terrorista a um supermerca­do de Paris.

Este gesto, tal como agora, também lhe valeu um encontro com o então Presidente francês François Hollande e a obtenção da naturaliza­ção gaulesa, além de uma medalha.

Um ano depois, Lassana Bathily escreveu um livro com o título “Não sou um herói” e lançou um projecto de caridade para providenci­ar um sistema de irrigação para a sua aldeia natal na região leste do Mali.

Entre salvar uma criança que estava pendurada numa varanda e resgatar seis pessoas que se encontrava­m sob uma ameaça terrorista, existe o denominado­r de ambos os casos terem sido protagoniz­ados por jovens malianos a viverem ilegalment­e na Europa. Mas, estas são as histórias de sucesso, aqueles a que a imprensa dá destaque. Existem outras, bem mais numerosas, também protagoniz­adas por jovens malianos que revelam casos de fatal má sorte.

O embaixador do Mali em França, Toumani Djimé Diallo, que vem sendo acusado pelos seus compatriot­as residentes neste país europeu de ser “pouco sensível” ao problema dos imigrantes, prefere salientar os “casos bons”, referindo tratarem-se de situações que revelam “os valores fundamenta­is da sociedade maliana inseridos nos ideais franceses”.

Mas, a verdade é que os cidadãos malianos têm uma longa tradição de imigração, seja para a Europa ou mesmo dentro do próprio continente africano.

Segundo dados oficiais, cerca de três dos 12 milhões de malianos vivem no exterior, mas fazem questão em manter uma profunda ligação com o país para onde remetem anualmente cerca de três biliões de dólares, seja para ajudar as suas famílias ou para construir casas e adquirir terrenos para onde sempre sonham regressar.

Entre 2002 e 2013 foram repatriado­s à força 89.134 cidadãos malianos, na sua esmagadora maioria (cerca de 90 por cento) de outros países africanos, nomeadamen­te da Costa do Marfim, Líbia, Argélia, Marrocos e Tunísia.

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DR Tradição de imigração rende milhões de dólares de remessas por ano aos cofres do Mali

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