Passaportes especiais para gente banalíssima
Angola é o terceiro país do mundo com mais passaportes diplomáticos, 12 mil, o que é espantoso, sabendo-se que a nossa população continua desproporcionada em relação à dimensão geográfica do país.
O censo populacional de 2014 revelou que os nacionais a residir no país não chegavam, na altura, aos 27 milhões, pelo que, por mais que o número tenha aumentado, a percentagem dos possuidores do documento não deixa de ser surpreendente. Ou como dizia a saudosa Velha Rosa é para “deixar a boca prá nuca”. Que é como deve ter ficado o leitor atento do nosso jornal ao ver o “Baixo” da edição de ontem. Que sublinha que à frente de nós, nesta “competição diplomática”, somente a China e a Rússia.
Alguns dos leitores juraramme, a pés juntos, embora entre sonoras gargalhadas, não terem ficado nadinha admirados. Todos, como “qualquer bom angolano”, contaram estórias mirabolantes dignas de guião de qualquer série televisiva de humor. Um houve que me garantiu conhecer uma empregada doméstica, jovem da sua criação que nunca escondeu ambições de vida, que andava sempre com o passaporte diplomático na carteira.
Angola, sabe-se, ganhou, em vários tempos, campos e cenários, muitas batalhas, que nos honram a todos. Mas, não tenho dúvidas, nenhuma das vitórias se deve à esmagadora maioria dos 120 mil portadores de passaporte com aquela categoria. A nós, que nos orgulhamos dos triunfos militares contra forças invasoras melhor apetrechadas do que as nossas, que permitiram continuarmos a ser “um só povo, uma só nação”, que transformámos escombros num país de paz, no qual circulamos livremente. Que temos conquistas desportivas continentais praticamente todas as modalidades, escritores e artistas plásticos premiados no estrangeiro, inventamos o semba e o kuduro, só nos faltava entrar no “campeonato dos passaportes diplomáticos”! E já estamos em terceiro lugar a nível mundial.
Mas, também somos nós - capazes do nada fazemos festa, conseguimos rir de nós próprios, contarmos estórias invariavelmente temperadas com jindungo, gengibre e cola - que mais do que exteriorizarmos revolta pela vulgarização do passaporte diplomático, já começámos a inventar anedotas. Ecoadas nas mesas dos bares, nos balcões das tabernas, nas rodas de amigos. Que hão-de ultrapassar fronteiras. Levadas pela força do mujimbo. Nas redes sociais ou de viva voz. E nossos descendentes hão-de as ouvir quando as famílias se voltarem a reunir-se nas noites de calor. Pelo prazer de sunguilar, sem o barulho dos geradores. Quando o nepotismo e impunidade forem palavras de passado longínquo.
Angola tem campeões continentais em quase todas as modalidades desportivas. Agora já é terceiro no “campeonato mundial dos passaportes diplomáticos”