Pagar impostos para poder reclamar direitos ao autarca
O processo de auscultação pública sobre o processo legislativo autárquico decorre normalmente, em todo o país, rodeado do entusiasmo que caracteriza sempre a recepção de boas novidades.
Trata-se de discutir e receber contribuições sobre a legislação que vai servir de suporte à instalação do poder local. Esse exercício de democracia participativa, que vai resultar no enriquecimento das propostas de leis elaboradas, não poderia obviamente ser feito sem uma base de trabalho jurídico-legal que permitisse transmitir ao cidadão comum a noção ou a ideia do que é uma autarquia, sem cair na tentação simplista e demagógica de dizer que o processo se resume a eleger as pessoas que vão estar à frente dela.
As eleições são importantes porque definem o modo como se ascende ao poder autárquico, mas, mais importante ainda, é a necessidade de se prosseguir os objectivos de desenvolvimento sócio-económico e cultural das autarquias, por via da concretização das suas atribuições e competências. Com efeito, com a sua instalação, as autarquias vão ver transferidas para si, parcial ou totalmente de acordo com a sua capacidade de execução, poderes nos domínios da gestão do Equipamento rural e urbano, da Energia, dos Transportes e Comunicações, da Educação e Ensino, da Saúde, da Acção Social, da Habitação, da Protecção Civil, do Património, Cultura e Ciência, do Lazer, Turismo e Desporto, do Ordenamento do Território e Urbanismo, da Polícia Municipal, entre outros.
Bem instaladas e geridas, as autarquias podem contribuir para um correcta aplicação dos princípios da autonomia local e descentralização administrativa, contribuindo assim para fomentar o desenvolvimento das várias regiões do país e esbater as assimetrias que, de forma acentuada, se verificam actualmente. Mas é claro que isso não vai acontecer do dia para a noite. Processos dessa natureza levam décadas e exigem que várias gerações se empenhem no sentido de os ganhos, à medida que forem sendo obtidos, conhecerem a sua consolidação.
Uma das transformações que as autarquias deverão induzir incide sobre a mentalidade reinante ao nível de determinadas comunidades, senão mesmo todas, na medida em que como elemento novo vai obrigar a novas formas de ser e de estar, indispensáveis ao bom alcance daquilo que são os resultados esperados, com todos os actores, desde os autarcas aos cidadãos com e sem direito a voto, a serem chamados a abraçar novas práticas, a inserirem-se no novo contexto. Espera-se que os autarcas tenham a argúcia e o engenho suficientes para moldarem a mentalidade das populações e levarem-nas a aderirem aos novos conceitos de assentamentos populacionais e de urbanização, por forma a evitarem-se muitas das catástrofes que temos assistido e que redundam em prejuízos para si próprias e para o Estado.
E porque as autarquias não existem sem dinheiro para realizar as suas tarefas, importante será olhar para as fontes de receitas que vão assegurar a sua autonomia financeira. Os agentes económicos e os cidadãos devem ter a plena consciência de que isso (a autonomia financeira da autarquia) só se consegue se cumprirem com as suas obrigações fiscais. Pagar os devidos impostos e as taxas é essencial para que o contribuinte fiscal possa reclamar com legitimidade a realização de obras indispensáveis à melhoria da qualidade de vida na sua circunscrição.
A resolução dos problemas de abastecimento de água, de fornecimento de energia eléctrica, de iluminação pública, de manutenção e conservação de estradas, em suma, a prestação de serviços essenciais nas circunscrições requer meios, uma estrutura adequada de apoio técnico-humano em cada sector e isso não pode existir e funcionar normalmente, com a eficiência que se reclama, se não estiver garantido o necessário suporte financeiro.
E é bom que se diga que pagar impostos e taxas não é de hoje. O fenómeno tributário, uma prática que surgiu com as civilizações antigas, em que se destacam os exemplos da Mesopotâmia, da Grécia Antiga e do Império Romano, evoluiu de tal sorte que hoje nenhum Estado dispensa o recurso aos impostos para atender as demandas colectivas. Reza a História que o Imperador Augusto (27 a.C - 14 d.C) ordenou que fosse feito um trabalho de cadastramento para conhecer a extensão das propriedades tributáveis, facto que levou 30 anos a ser concluído, para melhorar a qualidade da colecta de impostos.
O imposto transformou-se num instrumento de poder que permite aos Estados modernos uma melhor organização da sua máquina administrativa, planificar por via das receitas assim conseguidas o seu desenvolvimento económico e social e, sobretudo, assegurar a sua estabilidade com investimentos nos sectores da defesa e segurança.
O autarca deve conhecer dessas particularidades porque o assunto é muito mais sério do que a simples eleição para ocupar um posto.