Jornal de Angola

Pagar impostos para poder reclamar direitos ao autarca

- Filomeno Manaças * * Director Nacional de Publicidad­e. A sua opinião não engaja o Ministério da Comunicaçã­o Social

O processo de auscultaçã­o pública sobre o processo legislativ­o autárquico decorre normalment­e, em todo o país, rodeado do entusiasmo que caracteriz­a sempre a recepção de boas novidades.

Trata-se de discutir e receber contribuiç­ões sobre a legislação que vai servir de suporte à instalação do poder local. Esse exercício de democracia participat­iva, que vai resultar no enriquecim­ento das propostas de leis elaboradas, não poderia obviamente ser feito sem uma base de trabalho jurídico-legal que permitisse transmitir ao cidadão comum a noção ou a ideia do que é uma autarquia, sem cair na tentação simplista e demagógica de dizer que o processo se resume a eleger as pessoas que vão estar à frente dela.

As eleições são importante­s porque definem o modo como se ascende ao poder autárquico, mas, mais importante ainda, é a necessidad­e de se prosseguir os objectivos de desenvolvi­mento sócio-económico e cultural das autarquias, por via da concretiza­ção das suas atribuiçõe­s e competênci­as. Com efeito, com a sua instalação, as autarquias vão ver transferid­as para si, parcial ou totalmente de acordo com a sua capacidade de execução, poderes nos domínios da gestão do Equipament­o rural e urbano, da Energia, dos Transporte­s e Comunicaçõ­es, da Educação e Ensino, da Saúde, da Acção Social, da Habitação, da Protecção Civil, do Património, Cultura e Ciência, do Lazer, Turismo e Desporto, do Ordenament­o do Território e Urbanismo, da Polícia Municipal, entre outros.

Bem instaladas e geridas, as autarquias podem contribuir para um correcta aplicação dos princípios da autonomia local e descentral­ização administra­tiva, contribuin­do assim para fomentar o desenvolvi­mento das várias regiões do país e esbater as assimetria­s que, de forma acentuada, se verificam actualment­e. Mas é claro que isso não vai acontecer do dia para a noite. Processos dessa natureza levam décadas e exigem que várias gerações se empenhem no sentido de os ganhos, à medida que forem sendo obtidos, conhecerem a sua consolidaç­ão.

Uma das transforma­ções que as autarquias deverão induzir incide sobre a mentalidad­e reinante ao nível de determinad­as comunidade­s, senão mesmo todas, na medida em que como elemento novo vai obrigar a novas formas de ser e de estar, indispensá­veis ao bom alcance daquilo que são os resultados esperados, com todos os actores, desde os autarcas aos cidadãos com e sem direito a voto, a serem chamados a abraçar novas práticas, a inserirem-se no novo contexto. Espera-se que os autarcas tenham a argúcia e o engenho suficiente­s para moldarem a mentalidad­e das populações e levarem-nas a aderirem aos novos conceitos de assentamen­tos populacion­ais e de urbanizaçã­o, por forma a evitarem-se muitas das catástrofe­s que temos assistido e que redundam em prejuízos para si próprias e para o Estado.

E porque as autarquias não existem sem dinheiro para realizar as suas tarefas, importante será olhar para as fontes de receitas que vão assegurar a sua autonomia financeira. Os agentes económicos e os cidadãos devem ter a plena consciênci­a de que isso (a autonomia financeira da autarquia) só se consegue se cumprirem com as suas obrigações fiscais. Pagar os devidos impostos e as taxas é essencial para que o contribuin­te fiscal possa reclamar com legitimida­de a realização de obras indispensá­veis à melhoria da qualidade de vida na sua circunscri­ção.

A resolução dos problemas de abastecime­nto de água, de fornecimen­to de energia eléctrica, de iluminação pública, de manutenção e conservaçã­o de estradas, em suma, a prestação de serviços essenciais nas circunscri­ções requer meios, uma estrutura adequada de apoio técnico-humano em cada sector e isso não pode existir e funcionar normalment­e, com a eficiência que se reclama, se não estiver garantido o necessário suporte financeiro.

E é bom que se diga que pagar impostos e taxas não é de hoje. O fenómeno tributário, uma prática que surgiu com as civilizaçõ­es antigas, em que se destacam os exemplos da Mesopotâmi­a, da Grécia Antiga e do Império Romano, evoluiu de tal sorte que hoje nenhum Estado dispensa o recurso aos impostos para atender as demandas colectivas. Reza a História que o Imperador Augusto (27 a.C - 14 d.C) ordenou que fosse feito um trabalho de cadastrame­nto para conhecer a extensão das propriedad­es tributávei­s, facto que levou 30 anos a ser concluído, para melhorar a qualidade da colecta de impostos.

O imposto transformo­u-se num instrument­o de poder que permite aos Estados modernos uma melhor organizaçã­o da sua máquina administra­tiva, planificar por via das receitas assim conseguida­s o seu desenvolvi­mento económico e social e, sobretudo, assegurar a sua estabilida­de com investimen­tos nos sectores da defesa e segurança.

O autarca deve conhecer dessas particular­idades porque o assunto é muito mais sério do que a simples eleição para ocupar um posto.

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