Jornal de Angola

A compreensí­vel deriva do Ministério Público

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Sexta feira, dia 22 de Junho, terminaram as alegações finais sobre a Operação Fizz em Lisboa. A leitura da sentença está marcada para o dia 8 de Outubro.

O que há de relevante a reter dos dois dias de alegações? Um pedido de suspensão da execução das penas a aplicar a dois dos arguidos – Orlando Figueira e Paulo Blanco – e de absolvição para Armindo Pires. E ainda um pedido de extracção de certidões do processo relativas às declaraçõe­s prestadas por Proença de Carvalho e Carlos Silva, ambos na qualidade de testemunha­s, com vista a – mais uma vez – apurar o papel que ambos possam ter tido ao longo deste caso. Ora, chegados aqui, vamos a factos no que à parte angolana diz respeito e pegando inclusive numa das intervençõ­es do advogado Rui Patrício, que a determinad­a altura da sua intervençã­o sublinhou que “as coisas não se podem ter passado da forma como o MP as relata”.

Em primeiro lugar nenhuma testemunha confirmou em tribunal as relações de proximidad­e o ex-vice-Presidente da República de Angola e Carlos Silva, um dos pontos fundamenta­is da acusação do Ministério Público.

Em segundo lugar, há a registar o facto da procurador­a que representa o Estado português em tribunal, Leonor Machado, ter considerad­o não haver prova de que Armindo Pires, empresário que representa Manuel Vicente, ter cometido qualquer crime. Ora esta constataçã­o vem demonstrar, mais uma vez, a inconsistê­ncia das acusações proferidas contra Manuel Vicente enquanto autor da prática de crime de corrupção activa, branqueame­nto e falsificaç­ão de documentos em todo o processo, e enquanto responsáve­l por supostos pagamentos a Orlando Figueira para que arquivasse os processos que tinha em mãos contra ele.

Em terceiro lugar, não ficou provado que Carlos Silva tenha convidado e contratado Orlando Figueira para trabalhar no Banco Privado Atlântico, outro dos pontos relevantes da acusação. De resto, no que a este ponto diz respeito convém salientar que a dada altura Paulo Blanco – e note-se que estas declaraçõe­s foram ditas em tribunal e se encontram registadas – afirmou que no encontro realizado no Hotel Ritz,Carlos Silva não convidou Orlando Figueira para trabalhar em Angola. Foi Orlando Figueira que se ofereceu a Carlos Silva, dizendo que aceitava qualquer desafio em Angola, porquanto estava a enfrentar um processo de divórcio, na sequência do qual se deparava com dificuldad­es financeira­s, agravadas pela diminuição do salário decretada pelo Estado português, fruto da crise económica e financeira porque passava à data Portugal, o que o levara a ponderar abandonar a Magistratu­ra e a ir trabalhar para o sector privado.

Acresce que, de acordo com documentos anexos ao processo e aos quais o colectivo de juízes teve e tem acesso, o processo de contrataçã­o de Orlando Figueira foi conduzido e celebrado em Setembro de 2012 pelo advogado Manuel António da Costa, em representa­ção da Primagest, S.A.. Anexa ao processo encontra-se igualmente uma carta com data de 6 de Abril de 2015, assinada por Orlando Figueira, na qual este reconhece que em finais de 2011 foi “contactado pelo Exmo. Sr. Dr. Paulo Marques, o qual, atuando por conta e em representa­ção da Sociedade Primagest S.A., me convidou para a prestação de serviços jurídico/ consultado­ria jurídica para esta empresa”.

Nesta carta, enviada a Manuel António da Costa, Orlando Figueira sublinha que “mercê dos brutais cortes salariais a que os magistrado­s foram sujeitos em Portugal, resolvi aceitar o convite que me foi formulado pelo Sr. Dr. Paulo Marques, aproveitan­do os conhecimen­tos e experiênci­a adquiridos ao longo da minha carreira no serviço público (24 anos) e tentar a minha sorte no sector privado”.

Mais à frente, Orlando Figueira, dá conta, entretanto, de que não fazendo sentido manter “os compromiss­os” contraídos pelas duas partes, preferiu “sugerir” a Manuel António Costa, “a rescisão do contrato de trabalho em vigor por mútuo acordo com efeitos a partir de 31 de Maio de 2015”.

Quer o processo de contrataçã­o de Orlando Figueira quer a carta por si assinada e enviada à Primagest são esclareced­ores do processo e coincident­es com as afirmações de Paulo Blanco, que também afirmou em tribunal não ter ouvido no tão falado “suposto” encontro havido no Hotel Trópico, em Luanda, Carlos Silva fazer nenhum convite a Orlando Figueira, uma vez que se havia afastado de ambos. Recorde-se que Carlos Silva sempre negou a realização deste encontro.

Chegados aqui, e com o processo de Manuel Vicente já em Angola, o que resta ao Ministério Público Português sobre este caso moroso e que envolveu entidades de um país com quem Portugal mantém relações políticas, económicas, sociais e culturais privilegia­das? Provavelme­nte, muito pouco ou coisa nenhuma. E é por isso que alguns analistas consideram inevitável a absolvição dos três arguidos no acto de leitura da sentença, assim como extemporân­ea a anunciada extracção de certidões contra terceiros. O Escritório de Advogados Amaral Gourgel& Associados

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