Família desalojada vive na rua
Casal com nove filhos, o último dos quais com dois anos, dorme ao relento desde terça-feira, na sequência do cumprimento de uma decisão judicial, e pede a intervenção da Administração do Cazenga para que o direito à habitação esteja salvaguardado
Uma família despejada vive na rua há mais de uma semana, no bairro Hoji-ya-Henda, em Luanda. Os oficiais de justiça alegam o cumprimento de uma decisão judicial, no âmbito de um processo intentado por um vizinho de José Neves, que afirma ser o proprietário do imóvel onde aquele viveu com a família durante quarenta anos. O imóvel alvo de disputa era cobiçado pelo vizinho.
Eram oito horas de uma manhã de terça-feira quando José Neves ouve um barulho que vinha do portão e, ainda de pijama, foi ver o que se passava. Quando abriu o portão, deparou com cinco agentes da Polícia e quatro oficiais de justiça, que lhe disseram: “o senhor tem de abandonar a casa agora.”
Sem lhe terem dado tempo para se vestir, os oficiais de diligência começaram a tirar a mobília e colocaram na via pública.
Sem saber o que fazer diante dos filhos, José Neves não estava a acreditar no problema que, para ele, era uma grande tragédia.
Os oficiais de justiça estavam a cumprir uma decisão judicial, no âmbito de um processo intentado por um vizinho de José Neves, que afirma ser o proprietário do imóvel onde aquele viveu com a mulher e nove filhos.
O imóvel alvo de disputa era “cobiçado” pelo vizinho de José Neves por alegar que era anexo pertencente à sua casa, razão pela qual decidiu levar o caso a tribunal, para retirar uma família.
“Não nos mandaram nenhuma notificação para abandonarmos a casa num determinado prazo”, contou José Neves, que considerou desumana a forma como foram despejados.
“Ao lado dos meus filhos, fui humilhado e tratado como um animal”, lamentou José Neves, que disse ser o imóvel em conflito uma herança deixada pelo pai da sua mulher, falecido em 2002. Madalena Cambamba, mulher de José Neves, contou ao Jornal de
Angola que a casa onde passou a infância foi dada à sua família, ainda no tempo colonial, por um português que era patrão do seu pai, tendo este cedido também a um irmão uma parte da habitação, até chegar ao bairro José Alberto, entre 1987 e 1988.
Depois da morte do pai, Madalena Cambamba passou a receber notificações para estar presente em tribunal, onde tomou conhecimento de que o vizinho entrou com uma acção para se apoderar da habitação, porque alegava que era um anexo que lhe pertencia. Em Dezembro do ano passado, a família de José Neves recebeu um documento que determinava o abandono da casa, tendo, por esta razão, recorrido a um advogado para tentar inverter a decisão do tribunal.
“Infelizmente, não houve consenso”, contou José Neves, que disse ter sido por isso que oficiais de justiça surgiram com a ordem de despejo sem aviso prévio.
A família foi apanhada de surpresa e, desde o dia do despejo, dorme ao relento.
A primeira filha do casal, Yona Francisco, de 24 anos, lamentou a desgraça que bateu à porta da família, que espera por apoio das autoridades.
“Mesmo sendo ordem judicial, o tribunal tinha de darnos um prazo para deixarmos a casa”, disse Yona Francisco, que ficou detida durante um dia, por suposta agressão a um agente da Polícia e a uma filha de José Alberto, o vizinho que ficou com a casa, já arrendada depois do despejo.
A jovem disse não ser justo viver na rua quando, “até ontem, vivíamos numa casa que era do meu avô e onde minha mãe cresceu”.
Historial do processo
O Jornal de Angola contactou José Alberto, que se recusou a falar. Depois deste contacto, teve acesso a um documento do escritório de advogados que defendeu José Alberto no processo, enviado ao juíz da primeira secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, no qual é exigido o direito à restituição da posse do imóvel.
No documento, o escritório de advogados afirma que o imóvel pertence ao seu cliente desde 10 de Janeiro de 1985. A família despejada, lê-se no documento, passou a viver no espaço mediante um contrato de arrendamento que o falecido João Cambamba havia firmado com o Estado.
De acordo com o documento, o imóvel corresponde a um prédio urbano de construção definitiva, inscrito na matriz predial urbana do Segundo Bairro Fiscal de Luanda, com o número 15.148, e contém um anexo onde vivia a família Cambamba. O documento lembra que a família Cambamba foi várias vezes notificada para abandonar o imóvel, mas recusou-se a fazê-lo porque alegava que a moradia lhe pertencia.
José Alberto candidatouse, em Março de 1992, à compra do imóvel junto da Comissão Nacional para a Venda do Património Habitacional do Estado. No âmbito do processo de compra do imóvel, a Comissão de Avaliação da Secretaria de Estado de Urbanismo, Habitação e Águas considerou que o anexo é parte integrante da moradia em que vive.
Por via desta decisão, a direcção municipal do Cazenga da Habitação cancelou, a 11 de Maio de 1992, a cobrança de renda à família Cambamba, na sequência de um parecer emitido pela Comissão de Avaliação, que confirmava ser o anexo uma parte do imóvel vendido a João Alberto.
Yona Francisco, a filha mais velha do casal, disse não ser justo dormir ao relento quando, até ontem, a família viveu numa casa que era do avô e onde a sua mãe cresceu