África e o êxodo
Este primeiro quarto de século vem sendo marcado pela instabilidade mundial, somatório das muitas desestabilidades criadas pelo neoliberalismo e a prática cujo conceito se resolveu esconder, o imperialismo. Com isto tudo veio o descrédito da ONU, a humilhação do direito e da ética, dos valores que vinham da Revolução Francesa. Um presidente dos Estados Unidos decide invadir o Iraque, contra veredito da comissão de peritos em matéria de armas nucleares, contra o Secretário das Nações Unidas, contra tudo e contra todos para destruir um país, sem poupar as marcas de uma cultura milenar. E conseguiu mandar apanhar Saddam Hussein e numa ridícula cena televisiva fazê-lo abrir a boca para confirmar a dentição e assim resgatar o desastre das torres e o Iraque pagar pelo chefe talibã Bin Laden.
Depois das “primaveras” no norte de África organizadas pelo ocidente, para além de fenómenos do renascer de políticas populistas na europa, dos muros trumpistas, o mundo assiste à tragédia dos africanos naufragarem em barcaças de borracha no mediterrâneo ou salvarem-se para se abrigarem em países europeus onde a respectiva comunidade sempre foi decidindo pelo acolhimento de refugiados, uns em busca de melhor vida, outros fugindo de regimes de terror, fugindo da fome, em suma: os africanos estão a fugir de África. E então? Quem fabrica os barcos de borracha e quem os vende? E as redes que cobram para a travessia ganhando tanto que podem perder a embarcação? Sobre isto ninguém fala. Porque temos de tratar do lugar de onde saem e do lugar onde chegam. E agora, depois das favelas em França, dos acampamentos ignóbeis em tempo em que tanto se fala em direitos humanos, a Comunidade Europeia, na ânsia de alargar o seu espaço absorvendo os países que haviam gravitado em torno da União Soviética, sendo que em alguns o racismo, o populismo e fundamentalismo se opõem e não querem receber os migrantes. O presidente da Hungria, país que nos idos do domínio soviético viu gente do seu povo refugiar-se no ocidente, afirma que não aceita refugiados por razões de identidade. Se aceitasse daqui a cem anos, como a europa envelhece e não há reprodução ao contrário dos africanos que fazem muitos filhos, aí a maioria seria negra e a identidade histórica e bem definida perdia-se. Quando se elaborou o projecto da europa até ao último acordo de Lisboa que sustenta o esquema actual, a europa condicionava a entrada de outros países na organização desde que cumpridos princípios como democracia e respeito pelos direitos humanos. Criou-se uma moeda única, o euro. E um bilhete de identificação de cidadão europeu. Os cidadãos podiam agora viajar no espaço europeu sem a necessidade de vistos. Era uma conquista. Porém, a discussão sobre migrantes africanos acendeu-se e até países como a Itália, com um governo que integra neofascistas, opõe-se e não recebe migrantes. E começaram as vedações de arame farpado. Infelizmente, África não tinha arame farpado quando chegaram os primeiros invasores europeus…
O problema tem que ser visto com uma certa frieza. E são os países africanos os primeiros a ponderar o problema. A evasão de quadros superiores africanos já é consabida. De futebolistas nem se fala. Vi na televisão um jovem eritreu dizer que havia fugido porque não queria fazer serviço militar obrigatório…
As organizações africanas regionais e a União Africana devem realizar encontros para encarar o problema de frente, chamando à razão os países com regimes que quase obrigam as pessoas a fugir. E é imperioso auscultar a Líbia, ponto de saída, tudo com vista a estancar ou, pelo menos, minimizar o fluxo migratório ilegal…porque não se pode sair legalmente.
Porém o que mais se deve ponderar é o futuro destes africanos do ponto de vista identitário e existencial. Como será no futuro? Como aconteceu com os escravos que foram para as Américas?
E é dolorosa a exploração televisiva como uma telenovela de que não se pode imaginar o fim. Os cadáveres na água, os barcos de borracha a abarrotar sem que nunca se interrogue quem são os empresários destas viagens, barcos de organizações nãogovernamentais a salvar as pessoas, médicos voluntários a cuidar principalmente das crianças, algumas crianças órfãs de pais afogados no oceano… o mar das “civilizações.”
A questão fundamental não é a esmola do humanitarismo mas o esvaziar a África dos seus filhos a fugir para os territórios daqueles que vendem armas para nos matarmos, que vendem minas e depois cobram a desminagem ganhando duas vezes, daqueles que nos fragilizam para sermos a salvação de agonias ocidentais, emprestando dinheiro para explorarem nossos recursos minerais.
Os africanos devem resolver os seus problemas. Os problemas que de uma ou outra forma são sempre escamoteados. Acabar com o fingimento da cópia dos modelos europeus. Condenar e isolar os Obiangas e cª para que os regimes ditatoriais e corruptos acabem e o povo, mesmo pobre, não tenha medo e se reidentifique com a sua terra. Contra os muros de Trump falava-se em pontes. Infeliz e fatidicamente caiu uma ponte em Génova, Itália. Simbolicamente caem as pontes e levantamse muros…