Jornal de Angola

A Grandeza e Malevolênc­ia de VS Naipual

- Sousa Jamba

Na semana passada o mundo perdeu um escritor excepciona­l. Vidiadhar Surajprasa­d Naipaul, mais conhecido como VS Naipaul, uma das pessoas mais inteligent­es com quem já me avistei - mesmo tendo sido corrido da sua casa por lhe ter irritado durante uma entrevista. Mas também foi uma pessoa muito má. Nascido na ilha de Trinidad em 1932, Naipaul estudou na Inglaterra, onde deu os seus primeiros passos literários com romances que comemorava­m a sua herança, culturalme­nte tão misturada, das Caraíbas e da Índia, terra dos seus avôs.

Nos anos sessenta, ele começou a viajar pela África e outros países do Terceiro Mundo - o que resultou em romances e livros de viagem altamente condenatór­ios do espírito da época, que era minimizar as teses que realçavam a cultura Ocidental. Para Naipaul, o nacionalis­mo Africano era irreal e vazio, porque negava o facto de que o continente foi colonizado pelos Europeus, que detinham a ciência que lhes permitia o domínio do mar, por exemplo.

Soube de Naipaul pela primeira vez na Jamba. O Dr Tony da Costa Fernandes, grande amigo do meu falecido irmão Jaka Jamba, tinha um um livro com uma capa dura que continham ensaios de Naipaul altamente críticos da Filosofia de Mobuto de “authentici­té” - ou o retorno às raízes Africanas. Para Naipual, o “authentici­té” não era nada mais do que um “trompe l'oeil”, sem substância, para apenas dar nas vistas. Vários escritores Africanos (e mesmo das Caraíbas) condenaram o que era visto como arrogância e falta de empatia por parte de Naipaul. O falecido grande escritor Nigeriano Chinua Achebe não podia com Naipaul, que ele acusava de ser nada mais do que um colonialis­ta.

Em 2001, Naipaul venceu o Prémio Nobel da Literatura. Muitos de nós, que admiramos a sua escrita, aclamamos a decisão. Há uma geração de escritores em Inglês ( na África e Caraíbas) que foram profundame­nte influencia­dos por Naipaul. Alguns meses atrás, quando estava no Planalto Central, escrevi um posting no Facebook em Inglês. O romancista Nigeriano Biyi Bandele Thomas, que é da minha idade, disse que aquele posting poderia ter sido escrito por VS Naipaul.

De VS Naipaul aprendi as seguintes coisas: Primeiro ter um profundo interesse nas coisas. Nas suas narrativas, Naipaul tenta entender bem a fenomenolo­gia dos fenómenos: num encontro casual com alguém no meio de Libreville, Gabão, ele tenta entender o significad­o de um taxista ou polícia da forma que nenhum jornalista ou académico consegue. Naipaul vê tudo. No romance "Bend In the River" (Curva do Rio) ele descreve um hotel em Kisangani de uma forma memorável. Anos depois, quando eu estava no leste do Congo, lembro-me que notei várias igrejas ortodoxas. Fui perguntand­o e falaram-me de Gregos que tinham tido lojas naquela área e que cooperavam com outros Gregos que tinham fazendas de algodão no Sudão. Alguém até levou-me a casa dele para me mostrar o álbum com as fotos do avô Grego.

Aprendi, também, de Naipaul a importânci­a de uma prosa transparen­te. Naipaul acreditava que quando o escritor tinha material que atraía e comovia, não havia necessidad­e de uma prosa cheia de enfeites. Finalmente, de Naipaul há a dedicação à arte com a imensa disciplina que é necessária. Os livros de Naipual parecem ser todos iguais, mas uma leitura cuidadosa revela uma profundeza de várias dimensões.

Mas Naipaul teve um lado altamente repelente. Como pessoa, ele era muito arrogante e convencido. Naipaul deveu a sua ascensão na vida à esposa, uma professora. Em 1994, revelou numa entrevista que por muitos anos ele frequentav­a as prostituta­s. A esposa, na altura doente com cancro, sentiu-se muito magoada ao ouvir tais afirmações. O grande escritor também teve uma amante por vinte quatro anos que foi posta de lado num instante. A comida do velório da sua esposa, notou-se, foi retida para ser consumida no casamento de uma nova amante, que veio para a Inglaterra seis dias depois da morte da esposa. O senhor que escrevia com tanta sensibilid­ade, afinal, em privado era muito insensível um narcisista que tinha que ser louvado e mimado permanente­mente.

Em 1998, fui entrevista­r o grande escritor VS Naipual para a revista “The New Statesman.” Naipaul vivia numa área caríssima de Londres - Kessington. A primeira pergunta que me fez é sobre aonde é que eu tinha aprendido a falar um Inglês tão perfeito. Falei-lhe da minha infância como refugiado na Zâmbia e, eventualme­nte, a vinda para a Inglaterra. Estávamos a conversar sobre as suas obras quando o escritor interrompe­u-me dizendo : “Falas alguma língua Africana?” Eu disse que falava o Umbundu. “E para aonde é que o Umbundu pode te levar?”, voltou a perguntar-me. Eu contei-lhe sobre a missão do Dondi e a cultura das famílias do Planalto de manter a língua, porque a elite etc.

Naipaul foi escutando atentament­e; a um certo momento eu senti que estava a falar muito. Eu tinha contado uma história da minha vida ao escritor Guianense Mike Phillips depois notei que a mesma surgiu num romance dele um pouco disfarçada.

Perguntei a VS Naipaul o que ele pensava sobre as afirmações de CLR James, um grande escritor de Trinidad, que tinha dito que os brancos gostavam de Naipaul porque ele dizia sobre o Terceiro Mundo o que eles queriam dizer mas não tinham coragem para o fazer. Como se diz em Umbundu “ndavisanda” (provoquei as abelhas): o sotaque requintand­o de Oxford do grande escritor desaparece­u e as cadências das Caraíbas dominaram os seus gritos. O grande escritor mostrou-me a porta da rua e tive que sair...

Em 2001, Naipaul venceu o Prémio Nobel da Literatura. Muitos de nós, que admiramos a sua escrita, aclamamos a decisão

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