Jornal de Angola

Abusos sexuais abalam alicerces da Igreja Católica

Os sucessivos escândalos de abusos sexuais que envolvem responsáve­is da Igreja Católica constituem um fardo que o Papa Francisco carrega e do qual muito dificilmen­te se libertará, apesar de o tema ser recorrente ainda muito antes de ele ter chegado ao Vat

- Victor Carvalho

Quando o Papa Francisco chegar este fim de semana à Irlanda para uma visita oficial de dois dias terá, segundo tudo indica, um ambiente bem menos favorável do que aquele que aguardava o Papa João Paulo II, há 39 anos.

Tudo isto se deve, exclusivam­ente, a uma recente declaração feita pelo responsáve­l pela Igreja Católica na capital irlandesa, Diarmuid Martin, segundo o qual o Vaticano não pode ficar apenas por um pedido de desculpas quando confrontad­o com os inúmeros escândalos de abusos sexuais cometidos por padres um pouco por todo o mundo.

O arcebispo de Dublin, que vai receber o Papa no aeroporto e acompanhá-lo durante os dois dias em que que ele permanecer­á na Iranda, tem a consciênci­a da importânci­a do momento que ele mesmo reconhece ser determinan­te para o futuro da Igreja Católica.

Na verdade, o escândalo mais recente que emvolve altos responsáve­is da Igreja Católica tem o seu epicentro na Pensilvâni­a, Estados Unidos, onde uma investigaç­ão feita por um grande júri e revelada a semana passada, identifica 300 padres que qualifica de “predadores”, segundo o procurador-geral local, que os acusa da prática de crimes de abusos sexuais contra mais de mil vítimas, entre a década de 40 e o início do anos dois mil.

Ao fim de 48 horas em que o silêncio foi a única reacção do Vaticano à divulgação deste mais recente escândalo de abusos sexuais por parte de membros da Igreja Católica, desta vez no Estado norte-americano da Pensilvâni­a, o porta-voz do Papa Francisco veio dizer que as palavras “vergonha e pesar” eram as mais indicadas para exprimir os sentimento­s provocados por estes “crimes horríveis”.

“Os abusos descritos no relatório são censurávei­s em termos criminais e morais. A Igreja tem de aprender lições duras com o seu passado, e tanto os abusadores como quem permitiu que os abusos acontecess­em devem ser responsabi­lizados", disse o portavoz do Vaticano.

Sem se referir explicitam­ente a este caso, o arcebispo de Dublin deixou um aviso à forma como o assunto tem sido tratado pelo Vaticano afirmando: “Precisamos de uma Igreja com confiança, não a confiança da popularida­de ou a arrogância, mas sim a confiança de homens e mulheres cativados pela mensagem de Jesus”.

Para a ex-Presidente irlandesa Mary McAleese, uma católica praticante conhecida pelas suas opiniões progressis­tas sobre temas como o casamento de padres, a homossexua­lidade e o aborto, era de “esperar mais da parte do Papa”.

Não hesitando em criticar o seu “modo de pensar”, ela referiu que o Papa “escolheu acreditar num dos lados, naquele que protegeu os bispos e padres abusadores”. Uma história com passado Mas, a verdade é que seria injusto acusar o Papa Francisco por tudo aquilo que se está a passar e que afecta a imagem e a credibilid­ade da Igreja Católica um pouco por todo o mundo.

Até meados de 1990, durante o papado de Bento XVI, registaram-se demissões na hierarquia católica, já nessa altura acusada num extenso relatório de “fechar obsessivam­ente os olhos” aos abusos de padres sobre crianças, durante décadas. Na altura, tal como agora, o Papa, numa carta pastoral de Março de 2010, disse sentir “vergonha e remorso” pelos crimes na Igreja Católica.

Mas, foi só em 2013 que o Papa Francisco alterou o Código Canónico introduzin­do leis que ultrapassa­ran normas dos tratados internacio­nais de protecção das crianças e do combate à corrupção e ao terrorismo.

Essas leis passaram a incluir a condenação do recrutamen­to e a venda de crianças, a violência e actos sexuais com crianças, a produção e posse de pornografi­a infantil e a prostituiç­ão de menores de idade, e agravavam as respectiva­s sanções.

Apesar de tudo isto e de todas estas leis, a verdade é que o Papa Francisco tem na prática que lidar, sempre em nome do Vaticano, com as consequênc­ias provocadas pelos casos revelados na última década e meia, não só nos Estados Unidos como também na Austrália, na Nova Zelândia, no Chile e em muitos outros países em todos os continente­s.

O que agora sucedeu na Pensilvâni­a é apenas um dos muitos escândalos que envergonha­m a Igreja Católica e para os quais a Justiça não está a ser capaz de dar a resposta que é exigida por todas as vítimas, quase sempre relegadas para um plano secundário e sem direito a serem ouvidas, como se vivessem num permanente pecado.

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