Abusos sexuais abalam alicerces da Igreja Católica
Os sucessivos escândalos de abusos sexuais que envolvem responsáveis da Igreja Católica constituem um fardo que o Papa Francisco carrega e do qual muito dificilmente se libertará, apesar de o tema ser recorrente ainda muito antes de ele ter chegado ao Vat
Quando o Papa Francisco chegar este fim de semana à Irlanda para uma visita oficial de dois dias terá, segundo tudo indica, um ambiente bem menos favorável do que aquele que aguardava o Papa João Paulo II, há 39 anos.
Tudo isto se deve, exclusivamente, a uma recente declaração feita pelo responsável pela Igreja Católica na capital irlandesa, Diarmuid Martin, segundo o qual o Vaticano não pode ficar apenas por um pedido de desculpas quando confrontado com os inúmeros escândalos de abusos sexuais cometidos por padres um pouco por todo o mundo.
O arcebispo de Dublin, que vai receber o Papa no aeroporto e acompanhá-lo durante os dois dias em que que ele permanecerá na Iranda, tem a consciência da importância do momento que ele mesmo reconhece ser determinante para o futuro da Igreja Católica.
Na verdade, o escândalo mais recente que emvolve altos responsáveis da Igreja Católica tem o seu epicentro na Pensilvânia, Estados Unidos, onde uma investigação feita por um grande júri e revelada a semana passada, identifica 300 padres que qualifica de “predadores”, segundo o procurador-geral local, que os acusa da prática de crimes de abusos sexuais contra mais de mil vítimas, entre a década de 40 e o início do anos dois mil.
Ao fim de 48 horas em que o silêncio foi a única reacção do Vaticano à divulgação deste mais recente escândalo de abusos sexuais por parte de membros da Igreja Católica, desta vez no Estado norte-americano da Pensilvânia, o porta-voz do Papa Francisco veio dizer que as palavras “vergonha e pesar” eram as mais indicadas para exprimir os sentimentos provocados por estes “crimes horríveis”.
“Os abusos descritos no relatório são censuráveis em termos criminais e morais. A Igreja tem de aprender lições duras com o seu passado, e tanto os abusadores como quem permitiu que os abusos acontecessem devem ser responsabilizados", disse o portavoz do Vaticano.
Sem se referir explicitamente a este caso, o arcebispo de Dublin deixou um aviso à forma como o assunto tem sido tratado pelo Vaticano afirmando: “Precisamos de uma Igreja com confiança, não a confiança da popularidade ou a arrogância, mas sim a confiança de homens e mulheres cativados pela mensagem de Jesus”.
Para a ex-Presidente irlandesa Mary McAleese, uma católica praticante conhecida pelas suas opiniões progressistas sobre temas como o casamento de padres, a homossexualidade e o aborto, era de “esperar mais da parte do Papa”.
Não hesitando em criticar o seu “modo de pensar”, ela referiu que o Papa “escolheu acreditar num dos lados, naquele que protegeu os bispos e padres abusadores”. Uma história com passado Mas, a verdade é que seria injusto acusar o Papa Francisco por tudo aquilo que se está a passar e que afecta a imagem e a credibilidade da Igreja Católica um pouco por todo o mundo.
Até meados de 1990, durante o papado de Bento XVI, registaram-se demissões na hierarquia católica, já nessa altura acusada num extenso relatório de “fechar obsessivamente os olhos” aos abusos de padres sobre crianças, durante décadas. Na altura, tal como agora, o Papa, numa carta pastoral de Março de 2010, disse sentir “vergonha e remorso” pelos crimes na Igreja Católica.
Mas, foi só em 2013 que o Papa Francisco alterou o Código Canónico introduzindo leis que ultrapassaran normas dos tratados internacionais de protecção das crianças e do combate à corrupção e ao terrorismo.
Essas leis passaram a incluir a condenação do recrutamento e a venda de crianças, a violência e actos sexuais com crianças, a produção e posse de pornografia infantil e a prostituição de menores de idade, e agravavam as respectivas sanções.
Apesar de tudo isto e de todas estas leis, a verdade é que o Papa Francisco tem na prática que lidar, sempre em nome do Vaticano, com as consequências provocadas pelos casos revelados na última década e meia, não só nos Estados Unidos como também na Austrália, na Nova Zelândia, no Chile e em muitos outros países em todos os continentes.
O que agora sucedeu na Pensilvânia é apenas um dos muitos escândalos que envergonham a Igreja Católica e para os quais a Justiça não está a ser capaz de dar a resposta que é exigida por todas as vítimas, quase sempre relegadas para um plano secundário e sem direito a serem ouvidas, como se vivessem num permanente pecado.