As “fintas” de Benjamin Netanyahu na ONU
O discurso de Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, na 73 ª Sessão da Assembleia-Geral da ONU, curiosamente poucos minutos depois da intervenção do Presidente da Autoridade Nacional Palestiniana (ANP), foi sintomático da obsessão para com o Irão. Das 3647 palavras, constantes do discurso, a palavra dominante foi, sem sombra de dúvidas, Irão, a República Islâmica, de maioria xiita, localizada no Médio Oriente, cuja ascensão e protagonismo político e militar tem servido para fazer soar alarmes em Israel e nas monarquias árabes sunitas. É verdade que o Irão tem aliados na região, nomeadamente a Síria de Bashar Al Assad, o Hezzbollah, no Líbano, os hutis no Iémen, os grupos radicais palestinianos na Faixa de Gaza, aos quais Teerão apoia material e financeiramente para fazer guerra por procuração contra os seus principais rivais regionais. Mas não é menos verdade que Israel e as monarquias árabes sunitas instigam acções anti-iranianas e aqueles últimos, nalguns casos, apoiam grupos como o remanescente do “daesh” (acrónimo árabe para Estado Islâmico), que muito recentemente reivindicou um atentado num desfile militar na capital do Irão. O estado de guerra latente entre esses dois blocos ou, particularizado os casos de Israel e Irão, é uma realidade cujo distintivo consiste, até agora, na inexistência de um conflito militar aberto e directo entre os dois países.
Irão, que curiosamente era aliado de Israel na era do Xá Reza Pahlevi, desde o triunfo da revolução islâmica, em 1979, não reconhece o Estado de Israel e ambos, nos últimos anos, têm trocado ameaças de destruição mútua.
Na verdade, nada do que o Irão faz na região para assegurar que os seus interesses estejam salvaguardados é, em larga medida, diferente, do que Israel faz com os mesmos objectivos.
Se por um lado Irão apoia os grupos que são hostis a Israel, patrocinando acções, directas e indirectas, contra o Estado Judaico, não se pode perder de vista as actividades de sabotagens de Israel dentro do território iraniano e fora, como os assassinatos de cientistas nucleares.
Na ONU, as duas lideranças foram apenas prolongar parte da conflitualidade política e militar que os opõe e que, mesmo por procuração através dos seus agentes, está a agravar-se ao ponto de ajudar na distracção para com os problemas mais elementares da região.
Com o seu discurso na 73 ª Assembleia-Geral da ONU, Benjamin Netanyahu, precedido pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na pele de “ministro dos Negócios Estrangeiros” do primeiro, deu azo ao que tem sido tentativa israelita de colocar completamente de lado os seus compromissos de paz com os palestinos.
Apenas assim se explica que em todo o seu discurso, Benjamin Netanyahu tenha predominantemente falado da ameaça nuclear iraniana, sem nenhuma referência aos compromissos de paz com os palestinos. A única referência à ANP, liderada pelo octogenário Mahmoud Abbas, foi para rebater críticas deste no seu discurso, algumas das quais passíveis de alguma atenção, nomeadamente o acto de compensar familiares de militantes palestinos com mãos manchadas de sangue contra Israel.
De resto, em nenhum momento Benjamin Netanyahu apresentou um plano de paz ou o que o seu Governo idealiza para viabilizar a criação do Estado palestino, realidade que faz levantar muitas dúvidas quando diz pretender trabalhar para e pela paz. Netanyahu, tal como no discurso que fez na Assembleia-Geral da ONU, tem conseguido fazer a Administração Trump enxergar o que se passa na região sob a sua lente e, com algum sucesso, desviar as atenções dos problemas que precisa de resolver para mais facilmente alcançar-se a paz. Se é verdade que, por um lado, há sectores que resistem a reconhecer o direito do povo judeu a um Estado, nada indica hoje que esta realidade seja reversível e nem é este o principal problema. O problema que, infelizmente a actual administração americana não ajuda em absolutamente nada, consiste na indisponibilidade do actual Governo de direita para viabilizar a criação do Estado palestino e fazer a paz com todos Estados vizinhos.
Hoje o tema do processo de paz com os palestinos deixou de constar na agenda de Netanyahu e não vai ser estranho, nem inocente se o actual Governo de direita em Israel condicionar a paz e a criação do Estado palestino ao total desmantelamento do programa nuclear iraniano que, segundo a Agência Internacional para Energia Atómica (AIEA), é civil.
A obsessão de Benjamin Netanyahu para com o Irão serve para desviar as atenções às iniciativas para se avançar com o processo de paz israelo-palestiniano, enquanto “os factos no terreno” complicam a cada dia que passa a possível contiguidade do território de um futuro estado para os palestinos.
Esta e outras constituem uma das razões que leva todo o mundo a duvidar da promessa feita em tempos pelo Presidente americano, Donald Trump, de apresentar um plano de paz para o processo de paz israelo-palestino. Depois da desautorização do presidente da ANP de que América não seja o único mediador, atendendo a mediação desonesta por parte, nada indica que Trump apresente um plano equilibrado, justo e que tenha em linha de conta os reais interesses dos palestinos, enquanto durarem as “fintas” de Benjamin Netanyahu.