África e o Fundo Monetário Internacional
Há no continente africano desde o limiar das independências a ideia quase que generalizada de que o Fundo Monetário Internacional é um bicho-papão que privilegia medidas draconianas para solucionar problemas estruturais de ordem macroeconómica.
Essa ideia, manifestada, inclusive, por líderes carismáticos como o saudoso capitão Thomas Sankara tem tido, infelizmente, o condão de promover uma gestão, no mínimo, perdulária (para não dizer catastrófica) em quase toda a extensão do nosso continente.
Entretanto, mais do que um instrumento de fiscalização e de acompanhamento dos financiamentos ou empréstimos efectuados pelo BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento), também conhecido por Banco Mundial, aquela instituição, se bem explorada, particularmente em países com enormes potencialidades humanas e materiais (riquezas naturais) e, sobretudo, com uma verdadeira vontade política de bem trabalhar para servir o povo, pode seguramente se constituir em última instância num mecanismo capaz de habilitar qualquer país a realizar todas as Metas de Desenvolvimento do Milénio traçados pela ONU e que, inter alia, concorrem em muito grande medida para a obtenção e manutenção da paz social a nível mundial.
Porque a paz e a sua manutenção não passam apenas pelo calar das armas como também, e essencialmente, pela promoção de condições sociais e económicas capazes de erradicar os principais males que afectam inúmeras comunidades humanas como a miséria, a fome, o desemprego e demais patologias sociais de outro modo controláveis desde que se exercite uma gestão criteriosa e que faça jus à capacidade de produção de riqueza de cada comunidade estadual, sempre se poderá afirmar que o Fundo Monetário Internacional nem por isso se constitui numa instituição inimiga do desenvolvimento, da paz e da harmonia social.
Tendo como atribuições o fomento da cooperação monetária internacional, a facilitação e a promoção do comércio, a promoção da estabilidade cambial e não só, o FMI, fundado a 27 de Dezembro de 1945 na cidade de Bretton Woods, Washington, disponibiliza assessoria aos governos dos Estados-Membros em questões de natureza financeira e de gestão macroeconómica, contando hoje com 188 membros. A adesão ao FMI de um número tão expressivo de Estados poderia de per si sugerir uma grande concordância por parte desses mesmos Estados com os princípios e políticas daquela organização. Todavia, o que se constata na prática a julgar pela resistência oferecida de uma maneira geral pelos governos desses mesmos Estados-Membros, particularmente os do Terceiro Mundo, parece traduzir a noção de que uma considerável maioria desses países, pelo contrário, não se revêm nos ideais da instituição em análise.
Ora o FMI, no âmbito das suas atribuições, privilegia a promoção da transparência na gestão da coisa pública para que os seus membros se habilitem a financiamentos que visem reconstruir economias ou mesmo países, o que, à partida, deveria suscitar o interesse dos Estados africanos que ficaram, na sua maior parte, independentes já no contexto de existência e disponibilidade desta agência especializada da ONU para ajudar países interessados no crescimento e no desenvolvimento económico com uma assistência e assessoria técnica idóneas para suprir as insuficiências de know how que qualquer país recémnascido apresentasse. Ou seja, os países africanos beneficiados pela acção da ONU que promoveu a descolonização ao abrigo da Resolução 1514 (XV) da Assembleia-Geral de 14 de Dezembro de 1960, sempre tiveram ao seu dispor os financiamentos de que necessitavam ou viessem a necessitar para “construírem” sociedades sadias e Estados sustentáveis, com períodos de carência extraordinários e taxas de juro bonificadas com um mínimo de contrapartidas que se resumiam na adopção de princípios de gestão transparentes e na sindicabilidade dessa mesma gestão através de instrumentos internos e externos, sempre no interesse das comunidades.
Sucede, porém, que inúmeras lideranças africanas, escudando-se muitas vezes na narrativa da defesa contra ingerências externas, têm vindo a resistir à adopção das boas práticas de gestão que decerto contribuiriam para combater a miséria e outros males que grassam sobre o continente africano.
Contrariamente ao que ocorre com as pessoas físicas que raramente são visitadas pelas mesmas oportunidades, pode-se afirmar que o continente africano tem tido a sorte de encontrar, especialmente nos últimos tempos, um grande parceiro estratégico na República Popular da China que, sem colocar condicionalismos intransponíveis à concessão de financiamentos, tem vindo a disponibilizar fundos em inúmeros casos astronómicos e capazes de alavancar Estados. O subscritor destas modestas linhas está convencido de que no caso concreto de Angola a conjugação da utilização de fundos mutuados pela China com a gestão recomendada pelo FMI poderá, com uma gestão criteriosa como parece ser a aposta da nova liderança política, promover um verdadeiro “milagre”, embora na fase inicial deste novo modo de administrar sejam expectáveis algumas reacções de desagrado popular por conta do efeito semelhante ao de uma ferida profunda cujo tratamento, por tardio, se revelar geralmente muito mais impactante e doloroso para o paciente pelo facto de o processo de cura encontrar um corpo já fragilizado.
Com efeito, considerando a necessidade de um novo começo para África e para os africanos, posturas como a que tem sido assumida pela actual liderança do nosso país que parece estar a ensaiar uma solução eclética aproveitando o “melhor de dois mundos”, nomeadamente, o recurso ao programa de assistência técnica do FMI, combinada com uma vasta campanha de luta contra a corrupção e a impunidade por um lado e, por outro lado, a obtenção de financiamentos junto da China, parecem ser idóneas a alimentar legítimas expectativas em torno de um novo desenvolvimento e, uma vez implementadas, poderão servir de modelo para todo o continente que poderá encontrar nessa solução o caminho para a sua independência económica ao fim de mais de cinco décadas sobre a obtenção das independências políticas.