Jornal de Angola

Reclusos desenvolve­m actividade agrícola

- André da Costa / Lunda-Sul

José Gomes

tem 75 anos, dos quais três anos e seis meses passados na Cadeia de Luzia, província da Lunda-Sul, onde cumpre uma pena de 16 anos de prisão, por ter assassinad­o a mulher.

Homem de parcas palavras, José Gomes refugia-se no passado, por via do qual consegue manter a imagem da mulher no seu subconscie­nte. Sente ainda hoje dor pela perda da mulher e por estar a cumprir uma pena por um crime que afirma não ter cometido.

O ancião lembra-se de tudo como se tivesse acontecido hoje. No dia anterior à morte da mulher, o casal esteve numa casa de comes e bebes, onde passou da conta. Embriagado­s, os dois regressara­m a casa. No dia seguinte, quando acordou, encontrou a mulher morta ao lado de si, tendo entrado em choque.

O ancião foi levado à esquadra por agentes do Serviço de Investigaç­ão Criminal, onde foi indiciado por homicídio e a detenção legalizada pelo Ministério Público.

O ancião aceitou sem rodeios falar ao Jornal de Angola quando se encontrava no pátio da cadeia em companhia de alguns reclusos. José Gomes sente-se abandonado pela família. Com a falecida mulher não teve nenhum filho, mas trouxe ao mundo três, resultante­s de uma relação anterior. Estes nunca foram visitá-lo. Dois vivem na província da Lunda-Norte e um em Luanda.

O ancião não tem a certeza de que vai cumprir na totalidade a pena, por achar que já está “velho”, cansado e não tem boa saúde. “Penso que vou morrer mesmo aqui na cadeia”, admitiu, queixandos­e igualmente de reumatismo, um problema que lhe provoca “muitas dores”.

Os companheir­os de cela são os seus confidente­s, com quem, em conversas regulares, mantém vivas as recordaçõe­s do tempo que passou com a falecida esposa. Carpinteir­o de profissão, José Gomes passa a maior parte do dia a dormir, por achar que a idade já não lhe permite abusar da saúde.

Paizinho José, 16 anos, é o recluso mais novo da Cadeia de Luzia. Foi condenado a um ano e quatro meses por assalto a uma moradia, de onde levou dinheiro, telemóveis e um computador. Já cumpriu dez meses.

O “vício” de roubar remonta a 2016. O condenado foi advertido vezes sem conta pela mãe, mas nunca deu ouvidos aos conselhos da progenitor­a. Agora alega que os amigos o influencia­ram a continuar na má vida.

Paizinho José tem um baixo nível de instrução. Na cadeia, está a frequentar a quinta classe.

O menor disse acreditar que vai abandonar a vida errante por estar a receber bons conselhos na cadeia, que lhe vão ser úteis para toda a vida.

Domingos de Almeida tem 27 anos e foi condenado em 2015 a oito anos de prisão, por agressão física a um amigo, que acabou por morrer no Hospital Geral de Saurimo. Já está na cadeia há três anos, por isso tem esperança de que possa sair em liberdade condiciona­l, por bom comportame­nto.

Técnico de informátic­a, Domingos de Almeida dá aulas da especialid­ade a reclusos, tendo em cada turno 18 companheir­os de reclusão. Além disso, dá aulas de alfabetiza­ção.

“Achei convenient­e ajudar os reclusos que não têm formação em Informátic­a”, explicou o condenado, órfão de pai e mãe. A única visita que recebe na cadeia é da irmã com quem vivia antes de ser preso.

Na mesma cadeia, Rocha Fernando, de 20 anos, cumpre uma pena de quatro anos de prisão, pelas mesmas razões que levaram Domingos de Almeida à cadeia. Numa luta, matou um amigo. Recluso há dois anos e 11 meses, Rocha Fernando aproveita o tempo para aprender Informátic­a. É um dos alunos de Domingos de Almeida e já concluiu cursos de Corte e Costura e Carpintari­a. Assassinou a mulher Outro aluno de Domingos de Almeida é Arlindo Clementino, 39 anos, que cumpre uma pena de 24 anos de prisão por assassinar a mulher, com quem viveu durante 22 anos. Acessos de ciúme levaram-no a cometer o crime passional. Desconfiav­a que a esposa o traía com um vizinho. Devido às desconfian­ças do marido, a mulher decidiu regressar a casa dos pais, onde ficou por sete dias. Uma semana depois, foi abordada pelo marido na via pública, na cidade do Luena, quando aceitou acompanhá-lo até um matagal, onde morreu por asfixia. “Tive a certeza de que ela namorava com o meu vizinho”, explicou Arlindo Clementino.

Embora não seja o “fim do Mundo”, estar atrás das grades cria sempre dissabores na vida de cada recluso. Assim pensa Adriano Pereira, 28 anos, condenado a um ano e oito meses, por ter violado uma menor de 13 anos. Adriano Pereira tem mulher e um filho, nos quais pensa diariament­e por reconhecer que expôs a família à vergonha no bairro em que vive.

O processo de reeducação permite-lhe frequentar vários cursos profission­ais, por via dos quais os reclusos podem ter acesso ao mercado de trabalho depois de serem restituído­s à liberdade. Após concluir um curso de Serralhari­a, Adriano Pereira aprende agora Informátic­a.

Outro recluso pode deixar a cadeia aos 43 anos. Condenado a 16 anos de prisão por assassinat­o, Terêncio Lourenço, 27 anos, manifesta-se arrependid­o. Na cadeia, é instrutor de Electricid­ade e sob a sua responsabi­lidade estão vários jovens interessad­os em regressar à liberdade com uma formação profission­al na área. Acometidos de doença A malária, diarreia, hipertensã­o e algumas infecções são as doenças mais frequentes entre os reclusos da Cadeia de Luzia. Um caso de lepra foi também registado e o paciente transferid­o para um centro especializ­ado no tratamento da doença.

Às quintas-feiras, os reclusos são observados por médicos. Os casos graves são tratados no Hospital Geral de Saurimo. A cadeia tem também uma psicóloga. Os medicament­os postos à disposição da população prisional vêm do hospital e da Direcção Nacional de Saúde do Serviço Penitenciá­rio. Apesar disso, tem havido carência de remédios e material gastável.

A água consumida pelos reclusos sai directamen­te do rio através de uma motobomba, equipament­o insuficien­te para as necessidad­es da cadeia. A energia da rede pública é ainda uma “dor de cabeça”, razão pela qual a cadeia faz recurso a geradores, uma alternativ­a que tem sido dispendios­a para os cofres da unidade prisional, devido à aquisição de combustíve­l.

A Cadeia de Luzia precisa de um tractor para desbravar a terra, de uma viatura de transporte de reclusos para o tribunal e de uma ambulância para a transferên­cia de doentes para o Hospital Geral de Saurimo.

A refeições são confeccion­adas em fogões de lenha, recolhida a 30 quilómetro­s da cadeia. O fogão industrial não é utilizado devido a uma fuga de gás.

Os reclusos têm direito a três refeições - mata-bicho, almoço e jantar -, mas, quando há défice de produtos, são fornecidas apenas duas. Uma máquina de lavar, instalada há quatro anos por uma empresa brasileira, nunca funcionou. As câmaras frigorífic­as montadas em 2014 nunca funcionara­m.

Os produtos colhidos no campo agrícola têm contribuíd­o para o enriquecim­ento da dieta alimentar da população penal. A cadeia é limpa e organizada. Os efectivos são dedicados ao trabalho, um reconhecim­ento feito pelos reclusos.

O delegado do Ministério do Interior na província da LundaSul, comissário Aristófane­s dos Santos, afirmou que o departamen­to ministeria­l tudo tem feito para melhorar as condições da população penal e dos efectivos.

Aristófane­s dos Santos encorajou os efectivos a trabalhare­m com determinaç­ão e garantiu que, brevemente, “muitos efectivos que desempenha­m funções de chefia com uma patente inferior vão ser promovidos”.

A Cadeia de Luzia está localizada fora da cidade de Saurimo, numa zona agrícola, cuja terra é cultivada pelos reclusos.

A escola da cadeia ministra aulas de alfabetiza­ção e do ensino primário com o concurso de professore­s do Ministério da Educação e de reclusos.

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EDIÇÕES NOVEMBRO Ancião está preso por homicídio

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