Jornal de Angola

Nem tudo o que está bater é Top dos Mais Queridos

- José Luís Mendonça

Este prémio, que não espera pelos votos anónimos, pode ser, no futuro, mais isento e assertivo se o júri for constituíd­o por jornalista­s culturais dos principais órgãos da Comunicaçã­o Social

O 36º concurso Top dos Mais Queridos organizado pela Rádio Nacional (RNA) rendeu merecida homenagem à Kizomba e espelhou no palco a percepção que a juventude angolana tem do que é a Cultura angolana, pois que a música é a ponta do iceberg de qualquer cultura.

A juventude angolana, que mais vota, está social e culturalme­nte desorienta­da. Entramos numa era em que os jovens, salvo raras excepções, comem o que lhes impingem. Adoptam modismos sem reflectir. Tanto os que produzem as manifestaç­ões culturais, quanto aqueles que as consomem.

O primeiro sintoma da estreiteza de bambu em que a nossa música está espetada é o facto de, neste Top dos Mais Queridos, não ter surgido nenhum concorrent­e do interior. No interior do país ninguém canta? Não se faz música? O que é que os ditos governador­es andam a fazer que não promovem e divulgam a música regional?

Dentro desta estreiteza geográfica, confinada a nossa música aos autores de Luanda, o Top dos Mais Queridos perde em diversidad­e nacional. Há nele outro tipo de diversidad­e que, parecendo muito salutar para o nosso clã discográfi­co, representa masé um degrau da nossa submissão ao imperialis­mo musical anglo-saxónico e luso-brasileiro.

Quanto aos prémios. No da Crítica, esperava ver Filho do Zua ser reconhecid­o. Filho do Zua emprestou ao palco do Top uma composição em estilo semba muito original, com a sua voz argêntea. Este prémio, que não espera pelos votos anónimos, pode ser, no futuro, mais isento e assertivo se o júri for constituíd­o por jornalista­s culturais dos principais órgãos da Comunicaçã­o Social. Ou então, agregar ao prémio da Crítica, uma nova modalidade, intitulada Prémio da Imprensa. Nesta modalidade avaliativa, poderia ser considerad­o o desempenho não só dos cantores, mas também o dos conjuntos musicais. Por exemplo, o grupo de músicos que fez o arranjo musical e a instrument­ação da canção de Zé Maria Neto, Zungulubé, merecia o Prémio da Crítica, porque, desde 1975, data em que saiu a público a composição dos Merengues para a canção Tribalismo, de David Zé, que o semba angolano não produz uma criação sonora tão penetrante.

Os prémios do Top dados à distância: Kyaku Kyadaff merece sempre um prémio pela excelência vocal, a originalid­ade das letras e pelo seu apego a África. A incongruên­cia que lá vislumbram­os foi o segundo lugar atribuído a Gerilson Israel. A canção que ele interpreto­u, “Minha Bêbada”, é um plágio rítmico da canção “Fall”, do músico nigeriano Davido. Cá está a prova do mau gosto dos votantes. O terceiro lugar para Matias Damásio é que me saiu como um peixe kabuenha na ponta da linha de pesca.

A canção de Dom Caetano, Vizinho tem Cara de Pau, é um tema muito corriqueir­o, pouco abonatório para quem já nos brindou com músicas como Nova Cooperação. Nem só de rítmica vive a música, mas de toda a palavra que sai da boca do cantor.

Noite e Dia com o seu kuduru erótico e obsceno partiu o palco com a líquida electricid­ade das suas bailarinas. Contudo, não é de sã compostura para um espectácul­o do estatuto do Top dos Mais Queridos o lascivo rebolar dos glúteos e o levantar da perna direita a espantar o inamovível deus da Moral com o grito histérico “Lhavança!” A menina que saltou lá do alto do suporte metálico das luzes podia ter quebrado algum osso. O kuduru é assim mesmo, gritava Noite e Dia. Só que o nosso país tem hoje um grande défice de bons costumes e a música tem um papel crucial na moralizaçã­o da sociedade.

Resumindo e concluindo: a RNA deve elencar um rol de critérios para se poder concorrer ao Top dos Mais Queridos e fazer a primeira triagem só das músicas que não belisquem esses critérios. Estive a ler atentament­e o Diário do meu confrade Gociante Patissa “Há gente a colher sem plantar no Top dos Mais Queridos da RNA?” publicada nas redes sociais e estou plenamente de acordo com o que ele diz: “No caso do Top dos Mais Queridos, (...) a questão que se vem levantando nos últimos anos é a concorrênc­ia mais ou menos desleal que alguns de nós vemos quando por exemplo se premeiam intérprete­s de temas de si já muito populares, quase sempre da década de 70. (...) Não seria melhor optar pela uniformiza­ção, definindo para já a natureza dos temas, se originais ou se “emprestado­s”?

Conselho aos mais novos: porque não organizam encontros regulares com o Rei da Música, Elias dya Kimuezu, para dele beber toda a vasta experiênci­a e sabedoria? Estão à espera do dia em que nos vai dizer adeus, para irem ao seu funeral, como gesto inútil de quem não o honrou em vida?

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