Jornal de Angola

Álcool e drogas levam centenas de jovens aos serviços psiquiátri­cos

- Augusto Cuteta e Carla Bumba

A maior divulgação e conscienci­alização da população, através de palestras e entrevista­s nos meios de comunicaçã­o social, sobre a existência dos serviços psiquiátri­cos também contribui para o aumento da presença de pacientes no hospital

Especialis­tas pedem maior cuidado com a saúde mental, uma vez que centenas de pessoas, principalm­ente com idade economicam­ente activa, estão a ser afectadas por transtorno­s psíquicos. O número de doentes cresce anualmente, revelou a chefe de departamen­to de Saúde Mental da Direcção Nacional de Saúde Pública

Um pedaço de pano húmido está meio embutido na boca do rapaz, de 15 anos. O farrapo, que era branco, assumiu agora um tom acastanhad­o, por estar todo embebido em gasolina.

Enquanto apoia o trapo com a mão esquerda, talvez, para o esconder dos transeunte­s, o rapaz, que mora na rua, nas proximidad­es da Praça da Independên­cia e a Escola Njinga Mbandi, tem a mão direita estendida à caridade, a pedir esmola.

O apelo à ajuda, para conseguir um pão naquele segundo que retira o pano molhado em gasolina da boca, quase que não se ouve. Com a voz morta, o rapaz nem consegue segurar o próprio corpo, que, por forçado desequilíb­rio, algumas vezes, cai para a estrada.

Pedrinho, quer apenas que seja identifica­do como alguém que parou na quinta classe, há quatro anos, o mesmo tempo que vive nas ruas de Luanda, depois de abandonar a casa dos tios, em Viana, por alegados maus tratos. Deixou os pais em Benguela, ainda uma criança com apenas seis anos.

Em Luanda, os tios trouxeram-no, com o propósito inicial de estudar. Mas, anos depois, a relação azedou e Pedrinho preferiu trocar o conforto familiar pelas ruas da capital do país. Aqui, o adolescent­e aprendeu a fumar, beber e a roubar, às vezes, coisas pequenas quando a fome apertasse.

“Não uso drogas caras. Apenas cheiro gasolina e, quando os kotas podem, me pagam uma liamba”, confessa, para avançar que vai continuar na rua, porque se voltar a casa dos tios é capaz de “fazer guerra com eles, porque me maltratara­m muito.”

De tronco nu, e camisa amarrada à cintura, os chinelos, já muito gastos, trazem sinais de uso frequente; os dentes muito amarelados, alguns já caídos, e o rosto envelhecid­o deixam transparec­er o sofrimento que é a rua, mas para Pedrinho e seus pares “é o melhor lugar do mundo.”

“Aqui, nos entendemos bem. Bocado de um serve para todos”, disse. Mas, uma coisa tem ele certeza: “Quero abandonar as drogas, porque muitos dos meus amigos andam ‘tarlas’. Não quero chegar nesse ponto”, confessa o rapaz, que é o terceiro de seis irmãos.

Pedrinho ainda tem noção dos perigos do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e de outras drogas. Mas, centenas de jovens e adolescent­es como ele, infelizmen­te, só despertara­m para essa realidade depois de estarem sob cuidados dos serviços psiquiátri­cos. Em Luanda, o hospital de referência para o tratamento de doenças mentais recebe, em média, entre 90 a 120 pacientes por dia, só no banco de urgência.

A directora-geral do Hospital Psiquiátri­co de Luanda (HPL), Antónia de Sousa, explicou que o número de jovens ali atendidos tem aumentado cada vez mais, por causas relacionad­as ao uso de bebidas alcoólicas e de drogas mais pesadas.

Neste momento, revelou a psiquiatra, os problemas ligados ao consumo excessivo de álcool e de drogas ilícitas são já a segunda grande causa de doenças mentais a nível do hospital, afectando, em larga escala, adolescent­es e jovens dos 15 aos 35 anos.

“O número deles, todos descontrol­ados, por causa da bebida e droga, está a crescer”, lamentou para avançar que os casos de doentes com problemas mentais por esses factores é um problema que deixa para trás as estatístic­as de pessoas que acorrem por causa de tendências suicidas e homicidas.

As pessoas do sexo masculino lideram as estatístic­as, embora entre igualmente um número elevado de senhoras, jovens e adolescent­es ao hospital, com graves problemas mentais, por uso de bebidas alcoólicas e drogas pesadas.

Dado o estado avançado como os doentes chegam ao hospital, boa parte deles são atendidos no banco de urgência. Mas, nas consultas externas, são assistidos 120 a 130 pacientes por dia. A tendência é verificar-se o aumento de casos, uma vez que, neste período, há mais casos de paludismo.

A maior divulgação e conscienci­alização da população, através de palestras e entrevista­s nos meios de comunicaçã­o social, sobre a existência dos serviços psiquiátri­cos também contribui para o aumento da presença de pacientes no hospital.

Por esse facto, assiste-se ao aumento de pessoas individuai­s e acompanhad­as por familiares a procurar pelos serviços do HPL, devido a problemas ligados

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M. MACHANGONG­O | EDIÇÕES NOVEMBRO Médica pede maior envolvimen­to das famílias na recuperaçã­o de pessoas com doenças mentais
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