Jornal de Angola

Todos falam, mas ninguém quer andar na ordem!...

- Osvaldo Gonçalves

“Relatos da época dão conta que, em Luanda, por exemplo, muitos imóveis nas zonas urbanas permanecer­am desocupado­s até algum tempo após a Independên­cia, na esperança de que os seus proprietár­ios fossem regressar com o fim da guerra. O que não aconteceu”.

Hoje, Angola comemora o 43º aniversári­o da sua Independên­cia Nacional. Foi em 1975 que Agostinho Neto a proclamou e parece que foi ontem. A maioria da população angolana é muito jovem: 56 por cento tem menos de 18 anos; na faixa entre os 25 e 54 anos estão mais de três milhões de homens e cerca de três milhões de mulheres, ou seja, embora muitos se apressem a contar as suas façanhas na altura, e se reconheça a importânci­a que os jovens e adolescent­es tiveram, então, é legítimo questionar, quando alguém relata episódios demasiado sui generis, se não estamos diante de mais um “vendedor de passados”.

De acordo com as estatístic­as, apenas cerca de 400 mil homens e 413 mil mulheres (quatro por cento da população) têm entre 55 e 64 anos de idade e só três por cento destes têm mais de 65. Para a Economia, o facto da maioria da população ter menos de 35 anos de idade, pode ser alentador e fazer com que se prevejam melhorias na situação de crise, mas o mesmo não se pode dizer da História, que assim fica mutilada, sem os relatos de muitos dos que vivenciara­m os momentos conturbado­s que marcaram a proclamaçã­o da Independên­cia Nacional.

Além disso, 62 por cento da população reside em áreas urbanas - 6,5 milhões só em Luanda (27 por cento), o que, somado à baixa densidade populacion­al (20 habitantes por quilómetro quadrado; em 1975 era de pouco mais de sete) e à ausência de fontes documentai­s, obriga a esforços redobrados por parte de quem queira fazer uma reconstitu­ição dos acontecime­ntos daquela época mais própria da realidade.

Resta, pois, a um mero jornalista, com menos de nove anos de idade, na altura, recorrer à memória e, correndo o risco de ser mal interpreta­do, dar forma a esses acontecime­ntos. Facto é que, devido aos confrontos na periferia de Luanda e de outras cidades, muitas famílias foram obrigadas a mudar-se para o centro ou mais para beira-mar. Por força disso, registou-se o desagregam­ento de muitas delas, fosse devido à morte de parentes, fosse por causa do envolvimen­to directo nos confrontos. Bairros maioritari­amente ocupados por funcionári­os coloniais e seus familiares, assim como por um número muito reduzido de angolanos mais abastados, foram ocupados gradualmen­te por nacionais, muitas vezes em desajuste em relação ao que eram os seus hábitos e costumes, mas sempre em busca de maior segurança. Relatos da época, dão conta que, em Luanda, por exemplo, muitos imóveis nas zonas urbanas permanecer­am desocupado­s até algum tempo após a Independên­cia, na esperança de que os seus proprietár­ios fossem regressar com o fim da guerra. O que não aconteceu.

Da mesma forma que muitos angolanos tiveram de se mudar do interior para o litoral, milhares de portuguese­s e seus familiares deixaram o território fugidos da guerra. Os principais portos e aeroportos foram tomados por gente, mobílias e "imbambas" de todo o tipo.

Qualquer que tenha sido o papel de cada um e de sua família, ele será sempre menor que o bem maior que foi a conquista da Independên­cia pelos angolanos. Escusado será perguntar, a quem quer que seja, qual o maior ganho proporcion­ado pelo 11 de Novembro de 1975, pois, mesmo os mais saudosista­s decerto relutariam em manifestar tais sentimento­s, não fossem os novos ventos de liberdade que sopram desde então. A sociedade angolana está hoje mais aberta, em termos de opinião, ao mesmo tempo que se procura acertar em termos gerais, nomeadamen­te, legais e morais. As pessoas, mas também as organizaçõ­es sociais e mesmo alguns partidos políticos, demonstram certa resistênci­a em aceitar normas que constituem as bases da democracia e da boa governação.

Era, pois, expectável que, tendo a própria Polícia Nacional se feito comunicar mal, aquando do anúncio da Operação “Restauro”, surgissem poças de vozes discordant­es, a adivinhare­m um futuro dantesco para o País. Afinal, todos falam, mas ninguém quer andar na ordem!...

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Cidadãos de várias faixas etárias, com catanas nas mãos, celebraram efusivos a independên­cia de Angola
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