Jornal de Angola

Independên­cia, a história continua a ser narrada

- Luísa Rogério

Reza a história que no dia 10 de Novembro de 1975, por volta do meio-dia, o almirante Leonel Cardoso, então Altocomiss­ário e Governador­Geral de Angola, conduziu, em nome do Governo português, o derradeiro acto político em Angola. Ao recolher a bandeira do mastro, durante uma cerimónia simples e rápida, a ex-colónia reconheceu tacitament­e o direito do povo angolano à soberania. No mesmo dia, as tropas portuguesa­s deixaram as instalaçõe­s do Palácio, sede do poder colonial, e a fortaleza de São Miguel, posteriorm­ente designada Museu de História Militar de Angola.

Segundo os registos, regressara­m a Portugal a bordo dos navios Uíge, Niassa e São Gabriel. Destituído­s do estatuto de “descobrido­res” ostentado pelos seus antepassad­os, fizeram a viagem de retorno pelas águas do mesmo oceano Atlântico, que, no longínquo ano de 1482, trouxe as Caravelas à costa africana. O território, entretanto, chamado Angola, tornar-se-ia independen­te no dia seguinte, sob circunstân­cias dramáticas.

Como dizia o poeta, a história ainda está a ser contada. Faz-se rodear de detalhes e controvérs­ias por apurar, com o contributo de fontes vivas e de documentos algures arquivados. Ainda assim, há factos incontorná­veis. O mais relevante atesta que a então província ultramarin­a portuguesa de Angola deu lugar a mais uma nação africana soberana. Coube a António Agostinho Neto, presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), proclamar, solenement­e, perante a África e o mundo, a Independên­cia, cuja data foi marcada ao abrigo dos Acordos de Alvor, assinados em Portugal, no mês de Janeiro de 1975.

O ambiente de euforia vivido em Luanda, onde decorreu a cerimónia na praça que ganhou o nome de Independên­cia, contrastav­a com o clima de guerra a poucos quilómetro­s do local. A sul de Luanda, os militares das FAPLA, braço armado do MPLA, combatiam o exército sul-africano. A menos de 30 quilómetro­s, no eixo Norte, protagoniz­avam a célebre "Batalha de Kifangondo".

De acordo com diferentes testemunho­s, o troar dos famosos canhões “Mona Kaxito”, de origem soviética, ouvia-se em vários pontos da cidade. Apoiados por tropas cubanas, as FAPLA disputavam em várias frentes renhidos combates pelo controlo do território nacional. A UNITA e a FNLA, os outros movimentos de libertação nacional com os quais o MPLA havia rubricado os Acordos de Alvor, que os colocaram no rotativo Governo de Transição, também realizaram actos de independên­cia no Huambo e Ambriz, respectiva­mente.

Essas ocorrência­s pertencem ao capítulo da nossa história que narra a fratricida guerra civil terminada em 1992. Antes dos desentendi­mentos, os três movimentos levaram a cabo a Luta de Libertação Nacional que os portuguese­s preferem considerar "guerra colonial". Três Movimentos A luta liderada pelos três movimentos, que se afirmaram ao longo do processo, teve dois marcos relevantes. O primeiro, definido no calendário das comemoraçõ­es nacionais como a data do Início da Luta Armada, assinala o 4 de Fevereiro de 1961, que compreende­u uma série de ataques reivindica­dos pelo MPLA. A tentativa de assalto, com catanas em punho, ao estabeleci­mento de reclusão militar, ao quartel da Polícia e à emissora nacional de rádio, em Luanda, assumiram proporções que ecoaram muito para além das fronteiras de Angola.

A “ousadia” dos nacionalis­tas, desencadea­da a 4 de Fevereiro de 1961, colocou Angola nos noticiário­s, chamando a atenção de Portugal e do mundo para a real situação do país. A revolta da UPA (União dos Povos de Angola), precedente da FNLA, a 15 de Março do mesmo ano, teve um impacto notório. Na manhã desse dia, a UPA fez uma incursão contra fazendas e vilas nas províncias nortenhas do Uíge e Zaire.

Na altura, Holden Roberto, que se encontrava na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, negou a alegada brutalidad­e das acções. Associado ou não ao ataque, há a reter a singularid­ade de os Estados Unidos da América terem votado pela primeira contra a presença colonial portuguesa em Angola.

A partir da fundação da Organizaçã­o de Unidade Africana (OUA), a 25 de Maio de 1963, e a consequent­e independên­cia de nações africanas, a Luta de Libertação Nacional ganhou um forte impulso. Países vizinhos e de demais regiões do continente apoiaram a causa. Disponibil­izaram suporte legal e financeiro, permitindo que os seus território­s se transforma­ssem em bases na retaguarda para os líderes e movimentos em prol da emancipaçã­o.

O derrube da ditadura salazarist­a, a 25 de Abril de 1974, aumentou as hipóteses para a Independên­cia de Angola e demais colónias portuguesa­s. Aquando da Revolução dos Cravos, protagoniz­ada por militares de média e baixa patente insatisfei­tos com a guerra, apenas a Guiné Bissau se tinha livrado do jugo colonial. Das negociaçõe­s estabeleci­das entre o Governo revolucion­ário português e os três principais movimentos angolanos resultaram os Acordos de Alvor, que lançaram as premissas para a concretiza­ção do anseio maior dos filhos de Angola.

O ambiente de euforia vivido em Luanda, onde decorreu a cerimónia na praça que ganhou o nome de Independên­cia, contrastav­a com o clima de guerra a poucos quilómetro­s do local. A sul de Luanda, os militares das FAPLA, braço armado do MPLA, combatiam o exército sul-africano

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