João Lourenço versus Dos Santos
Primeiro no perfil do pensamento, este homem [João Lourenço] estudou História, compreende melhor uma filosofia política de acção, e é marido de uma cientista de economia que já esteve no FMI… Quanto a Dos Santos fico por aqui porque não é positivo falar de pugilistas tombados no ringue, com o desmoronar da sua família seria mais um acto de crueldade. No entanto, sublinho que João Lourenço foi um opositor mas com uma consciência dos passos que devia dar. São pessoas totalmente diferentes. Um tolerou ou fomentou o nepotismo, a corrupção e a miséria do povo, o outro é contra o nepotismo, contra a corrupção e diz-se empenhado em resolver os problemas do povo. Isso é interessante. Na fenomenologia política isso é inédito e deve-nos honrar. Dentro do seu próprio partido fazer mudanças que correspondem a uma revolução e as próprias pessoas do partido aceitarem a ideia anti-corrupção, quando algumas delas são parte activa nesse fenómeno da corrupção. Mas isso é saudável porque tem uma inspiração da tradição africana. É bom chamar os mais velhos e traçar um plano de solução que satisfaça os interesses da maioria. Claro que 99,9 % do povo está de acordo com o Presidente. As pessoas que não têm poder, porque as que têm muito poder económico nem todas estão de acordo com ele, há algumas que já não sabem quando é que roubaram ou quanto é que não roubaram. Mas temo que a questão do regresso da riqueza não vá a bom porto. Por mim era daqui para a frente.
Não haverá um risco de desestabilização por parte da franja que sendo minoritária tem poder real?
Têm poder real e isso é que tem de ser controlado.
Como?
Lembras-te da figura do Tanu, que sem querer tinha poder económico no Quilombo? Mas o Zumbi tinha o poder político. O Tanu é que tinha razão. Se Zumbi o tivesse deixado fazer o que queria, ir pelas encostas atrás dos fazendeiros, a coisa teria sido diferente. E além disso este Presidente é um homem que não cultiva a “estabilidade”, a paralisação, como o outro. As coisas estavam todas em águas mornas. Inaugurar no fim do seu governo obras que ainda não estavam acabadas! Fazer coisas que me parecem inócuas; assim que começou o processo eleitoral o governo devia ser só de gestão corrente e não fazer leis para depois de sair, criar imunidades para si próprio! Não é possível comparar essas duas pessoas.
Como é que vê o futuro deste povo, deste país?
Com optimismo. Por tudo aquilo que a gente já passou, aqui em África não há um país com a estabilidade como a nossa. Posso ir de noite daqui até ao Namibe, daqui até ao Huambo, desde que a estrada me deixe. Já fui de noite daqui até ao Uíge. No Quénia não é possível. Eles têm pequenas aldeias com bares e prostitutas, os camiões ficam ali parados até de manhã, não se viaja à noite. Na Namíbia também já está a ficar assim, na África do Sul está assim há muito tempo. As pessoas querem vir para cá.
Está a advogar a ideia de que os angolanos são especiais?
Não somos especiais. Tivemos uma história diferente. Uma colonização de 500 anos que nos pôs a falar a língua do invasor tal como ele fala ou melhor. As lutas dos reinos contra os colonos. As primeiras revoltas nas minas sul-africanas foram comandadas por um angolano, kwanhama. No Sul os portugueses levaram muita tareia, os kwanhamas nunca pagaram imposto, até ao fim do colonialismo. É todo esse tipo de trama, das lutas, da revolta da Baixa de Cassanje, do 4 de Fevereiro, é o Savimbi que tem a coragem e a filosofia maoísta de se encontrar com os portugueses para negociar, a avalanche toda da poesia de Neto, do Viriato da Cruz, etc., etc., em paralelo com os grandes poetas da Negritude que estava a acontecer em França, é a origem do MPLA, por exemplo, em que os estudantes fogem de Portugal para depois descerem para o Marrocos para fazer treino militar e ir para a guerra… Tudo isso é diferente de receber a independência através de um papel. Fazendo a soma disso tudo, aí está a nossa endurance, que faz de nós a única ex-colónia que vai bater o pé ao ex-colonizador. Chegar lá e dizer, “o meu processo não fica aqui, vai para Luanda”. Tudo isso aponta para a singularidade deste país, mas também para a singularidade do Magreb, da África do Sul, etc., etc. Outro fenómeno é a liberdade religiosa. Não troco este país por outro.