Do cativeiro no Uíge para o sucesso no xadrez
Marceliano criou no Bairro Popular um projecto de massificação do xadrez que é referência internacional
Marceliano da Conceição Correia Victor nasceu no Sambizanga, em 1965. O pai, Marceliano Correia Victor, era enfermeiro na Terra Nova e depois no Uíge. A mãe, Maria da Conceição Sebastião Victor, era doméstica e tomava conta dos filhos dos vizinhos. Marceliano Correia Victor, Mbeto para os parentes e amigos, recebeu-nos na Rua da Gabela, no Bairro Popular, onde foi lançado o Macovi, o projecto de referência no xadrez.
Marceliano Correia Victor estudou nas escolas Ngola Kanini e Ngola Kiluanji e depois foi para o Uíge para estar perto do pai e da irmã mais velha.
No Uíge nasceu e fortaleceu o amor pelo xadrez e foi num instante que o jovem criou a Associação Provincial de Xadrez, que competiu a nível nacional. Para o projecto de ajudar a juventude do Uíge a abandonar a delinquência e a abraçar o xadrez, Marceliano Correia Victor contou com o apoio do governador provincial na altura, Aníbal Rocha. “Começámos por ser cinco e crescemos para milhares, promovendo o xadrez e o saneamento básico da cidade do Uíge”, diz-nos Marceliano Correia Victor que, em breve, formou a Liga dos Amigos da Cidade do Uíge, para construir jardins onde havia lixo.
“Nessa altura a cidade do Uíge brilhava, sem lixo, nunca mais foi assim”, lamenta Marceliano Correia Victor.Era tempo de guerra e de destruição. A Unita tomou o Uíge e Marceliano Correia Victor, com outras milhares de pessoas, fugiu para as matas. Era muito procurado pela Unita, na qual tinha a cabeça a prémio. “Só não tive um fim triste porque tinha um tio na Unita, o general Martins Correia Victor, que intercedeu”, lembra-se Marceliano Correia Victor, que se apresentou ao familiar e ficou em cativeiro durante quase quatro anos, findo os quais conseguiu ir para Luanda, onde encontrou a mãe e o irmão Nelito, o célebre professor Nelito das explicações do Bairro Popular.
Em Luanda, o “bicho” do xadrez continuou vivo e Marceliano Correia Victor funda o Clube de Xadrez do Uíge, com o professor Manuel Eduardo. Os jogos eram realizados na rua. “Comecei com cinco jovens, não havia massificação do xadrez, nem qualquer sensibilização institucional e eu introduzi a prática do xadrez feminino”, recorda, para explicar que a primeira “sede” nasceu numa pequena divisão da sua casa e a prática do jogo generalizou-se a todas as ruas do Bairro Popular, que formaram grupos de jogadores.
Marceliano Correia Victor não dispunha de quaisquer apoios mas não esmoreceu e em breve eram quarenta “bons jogadores”. Então surge a ideia de criar um grupo desportivo. Junta as letras do nome do seu avô, Manuel Correia Victor, nasceu o projecto Macovi. O avô tinha sido o primeiro comerciante negro em Golungo Alto, no tempo colonial.
O Macovi começa com xadrez mas logo se expande para o ciclismo, futsal, andebol masculino e feminino e basquetebol de formação. Os apoios, esses, não são fáceis. Uns prometem, outros passam adiante, mas Marceliano Correia Victor faz justiça e realça a ajuda mensal das empresas Jonse Construções e Saigás, que permitiu que o Macovi desenvolvesse a sua actividade numa sala de xadrez num antigo parque infantil abandonado.
É invulgar o que o Macovi e o seu criador Marceliano Correia Victor já realizaram. “Somos a referência em Angola, formámos mestres internacionais de pouca idade, como Esperança Caxita, de 19 anos, David Silva, de 20 anos, Edimásia Júnior de 16 anos, Domingos Júnior, de 14, Delfina, Lutwima Amaro, de 16, e o novo campeão nacional de juniores José Borges, de 16”, diznos Marceliano Correia Victor que acrescenta: “Só não fazemos mais porque o país não nos ajuda”.
O dinamismo de Marceliano Correia Victor é impressionante, mesmo na situação de doente há seis meses, e assim o Macovi torna-se campeão nacional de karaté do, em 2016.Tudo é articulado ali na Rua da Gabela, perto do Cine São João, e no campo do Largo São João, perto da Igreja de Santa Ana.
Marceliano Correia Victor, de trato fácil, não é ingrato e por isso recorda sempre o apoio que Fernando Coelho, da Saigás, e presidente da Federação, lhe deu, quando conseguiu sair das matas e fugir do cativeiro.
De entre os sonhos de Marceliano Correia Victor, dois sobressaem, uma sede nova para a escola Macovi Sport Clube e o regime de utilidade pública.
O Macovi forma grandes jogadores de xadrez que representam com êxito o país no exterior. Mas a sua presença em competições internacionais não tem sido fácil por falta de apoios, como acontece com a ausência, de 3 a 18 deste mês, dos sub 810-12 no campeonato Mundial em Espanha, onde estão presentes cerca de mil crianças de todo o mundo.
O Macovi começa com xadrez mas logo se expande para o ciclismo, futsal, andebol masculino e feminino e basquetebol de formação