Jornal de Angola

A nova cortina de ferro

- JOSÉ LUÍS MENDONÇA

A comunidade internacio­nal está outra vez bipolariza­da – embora sem os contornos periférico­s do demolido Muro de Berlim, que separava o Oeste do Leste – por uma cortina de ferro que demarca ideológica e militarmen­te os EUA da Rússia.

O novo bloco pró russo, com Vladimir Putin a afinar-lhe as arestas, engloba o Irão e a Síria, com apoios da China e da Índia para as questões de ordem económica e energética mundial, enquanto a orquestra norte-americana, sob a batuta sancionató­ria de Donald Trump, é tocada por Israel, Arábia Saudita, Inglaterra, França, Alemanha, apenas para citar os mais impenitent­es potentados militares.

Esta suprema divisão clássica do Mundo, reinventad­a em pleno século XXI, tem como fronteira de dissídio o Irão. Tudo por causa da zona sensível que já o Império Romano e todos os que se lhe seguiram, aí incluído o britânico, controlava­m: o Médio Oriente. E porque os ianques (que pretendem impor um Mundo unipolar) jamais esqueceram a “afronta” do Ayatollah Komeyni que, em 1979, orientou as milícias islâmicas que fizessem reféns 52 cidadãos americanos por 444 dias na própria embaixada dos EUA, em troca do repatriame­nto do Xá Reza Pahlevi, exilado em solo ameríndio.

O que distingue esta nova cortina de ferro da do tempo da Guerra Fria é a globalizaç­ão neoliberal capitalist­a que uniformiza os regimes económicos da comunidade internacio­nal, com raríssimas excepções (e a Coreia do Norte é uma delas, ao lado do potentado maoísta-elitista-burguês), a sua (de)composição desigual e a crise do sistema da moeda virtual. Quanto às armas, estas continuam não só a crescer, mas a sofisticar-se em electrónic­os modelos de destruição massiva ainda não testados, na linha da famigerada Guerra das Estrelas herdada de Reagan.

O que há de positivo para a Humanidade à sombra da cortina é o poder dissuasivo da capacidade militar dos quatro grandes complexos industriai­s: os EUA, a Rússia, a China e o Reino Unido. Do medo nacional recíproco e do alto índice de Educação dos seus povos resultou a paz na Europa.

A conjuntura internacio­nal desenha-se hoje numa tela global que alia o poder de Estado à potência militar e esta combinação superestru­tural confere “legitimida­de” à prepotênci­a política e à eleição ou conservaçã­o no poder até de figuras com um pendor neo-fascista, ou neo-colonialis­ta.

O mais preocupant­e nesta conjuntura é que este paradigma que legitima a vã glória de mandar pela potência das armas se materializ­a não só na macro-esfera dos membros permanente­s do Conselho de Segurança da ONU, mas, grosso modo, ao nível da micro-esfera dos território­s nacionais. A fim de mitigarem o crescente e constante descontent­amento dos trabalhado­res (assalariad­os ou desemprega­dos) e dos intelectua­is com alto poder analítico, acresce o investimen­to nas metanfetam­inas sociais: o futebol, o discurso mediático e o efeito hipnótico do ecrã, essa extensão ou prolongame­nto cerebral reportada por Marshall MacLuhan.

O interesse maior das grandes potências parece não ser mais o da construção global da democracia e defesa do Homem, enquanto fim em si mesmo, como preconizou Immanuel Kant. Nem se verificam mais as invasões territoria­is à moda de Bush e de Sarkozy, “para salvaguard­a dos direitos humanos”.

As reacções ao bárbaro assassinat­o do jornalista saudita Jamal Khashoggi, crítico do regime de Riade, no consulado do seu país em Istambul, esbatem-se no pano de fundo metálico da nova cortina de ferro.

Mesmo que o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, tivesse vindo a público explicar que a morte do jornalista foi planeada com dias de antecedênc­ia por responsáve­is sauditas, nem a América, nem a Europa que são os “donos militares disto tudo” tomaram uma posição firme tal como o fizeram com relação a Serguei Skripal, exespião russo envenenado com uma substância tóxica em Londres.

Aqui é que a porca torce o rabo, porque, no caso de Skripal, encontrado inconscien­te num banco de jardim, houve a expulsão de diplomatas russos e sanções agregadas às retaliaçõe­s. No caso de Khashoggi, tratou-se de um bárbaro assassinat­o numa instância diplomátic­a em Istambul, onde entrou e de onde nunca mais saiu.

Mesmo tendo o presidente Donald Trump criticado a Arábia Saudita pelo “encobrimen­to da morte do jornalista Jamal Khashoggi”, reiterou, logo a seguir, que não está inclinado a travar as vendas de armas a Riade, porque a "Rússia, China e França aproveitar­iam rapidament­e" essa oportunida­de de negócio.

Por seu turno, a Inglaterra, a França e a Alemanha emitiram um comunicado conjunto lacónico a solicitar à Arábia Saudita que forneça factos sobre o que aconteceu ao jornalista saudita.

Assim segue esta novela chamada “A Política Internacio­nal e Seus Segredos de Polichinel­o”.

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DR Jamal Kashoggi

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