A nova cortina de ferro
A comunidade internacional está outra vez bipolarizada – embora sem os contornos periféricos do demolido Muro de Berlim, que separava o Oeste do Leste – por uma cortina de ferro que demarca ideológica e militarmente os EUA da Rússia.
O novo bloco pró russo, com Vladimir Putin a afinar-lhe as arestas, engloba o Irão e a Síria, com apoios da China e da Índia para as questões de ordem económica e energética mundial, enquanto a orquestra norte-americana, sob a batuta sancionatória de Donald Trump, é tocada por Israel, Arábia Saudita, Inglaterra, França, Alemanha, apenas para citar os mais impenitentes potentados militares.
Esta suprema divisão clássica do Mundo, reinventada em pleno século XXI, tem como fronteira de dissídio o Irão. Tudo por causa da zona sensível que já o Império Romano e todos os que se lhe seguiram, aí incluído o britânico, controlavam: o Médio Oriente. E porque os ianques (que pretendem impor um Mundo unipolar) jamais esqueceram a “afronta” do Ayatollah Komeyni que, em 1979, orientou as milícias islâmicas que fizessem reféns 52 cidadãos americanos por 444 dias na própria embaixada dos EUA, em troca do repatriamento do Xá Reza Pahlevi, exilado em solo ameríndio.
O que distingue esta nova cortina de ferro da do tempo da Guerra Fria é a globalização neoliberal capitalista que uniformiza os regimes económicos da comunidade internacional, com raríssimas excepções (e a Coreia do Norte é uma delas, ao lado do potentado maoísta-elitista-burguês), a sua (de)composição desigual e a crise do sistema da moeda virtual. Quanto às armas, estas continuam não só a crescer, mas a sofisticar-se em electrónicos modelos de destruição massiva ainda não testados, na linha da famigerada Guerra das Estrelas herdada de Reagan.
O que há de positivo para a Humanidade à sombra da cortina é o poder dissuasivo da capacidade militar dos quatro grandes complexos industriais: os EUA, a Rússia, a China e o Reino Unido. Do medo nacional recíproco e do alto índice de Educação dos seus povos resultou a paz na Europa.
A conjuntura internacional desenha-se hoje numa tela global que alia o poder de Estado à potência militar e esta combinação superestrutural confere “legitimidade” à prepotência política e à eleição ou conservação no poder até de figuras com um pendor neo-fascista, ou neo-colonialista.
O mais preocupante nesta conjuntura é que este paradigma que legitima a vã glória de mandar pela potência das armas se materializa não só na macro-esfera dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mas, grosso modo, ao nível da micro-esfera dos territórios nacionais. A fim de mitigarem o crescente e constante descontentamento dos trabalhadores (assalariados ou desempregados) e dos intelectuais com alto poder analítico, acresce o investimento nas metanfetaminas sociais: o futebol, o discurso mediático e o efeito hipnótico do ecrã, essa extensão ou prolongamento cerebral reportada por Marshall MacLuhan.
O interesse maior das grandes potências parece não ser mais o da construção global da democracia e defesa do Homem, enquanto fim em si mesmo, como preconizou Immanuel Kant. Nem se verificam mais as invasões territoriais à moda de Bush e de Sarkozy, “para salvaguarda dos direitos humanos”.
As reacções ao bárbaro assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, crítico do regime de Riade, no consulado do seu país em Istambul, esbatem-se no pano de fundo metálico da nova cortina de ferro.
Mesmo que o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, tivesse vindo a público explicar que a morte do jornalista foi planeada com dias de antecedência por responsáveis sauditas, nem a América, nem a Europa que são os “donos militares disto tudo” tomaram uma posição firme tal como o fizeram com relação a Serguei Skripal, exespião russo envenenado com uma substância tóxica em Londres.
Aqui é que a porca torce o rabo, porque, no caso de Skripal, encontrado inconsciente num banco de jardim, houve a expulsão de diplomatas russos e sanções agregadas às retaliações. No caso de Khashoggi, tratou-se de um bárbaro assassinato numa instância diplomática em Istambul, onde entrou e de onde nunca mais saiu.
Mesmo tendo o presidente Donald Trump criticado a Arábia Saudita pelo “encobrimento da morte do jornalista Jamal Khashoggi”, reiterou, logo a seguir, que não está inclinado a travar as vendas de armas a Riade, porque a "Rússia, China e França aproveitariam rapidamente" essa oportunidade de negócio.
Por seu turno, a Inglaterra, a França e a Alemanha emitiram um comunicado conjunto lacónico a solicitar à Arábia Saudita que forneça factos sobre o que aconteceu ao jornalista saudita.
Assim segue esta novela chamada “A Política Internacional e Seus Segredos de Polichinelo”.