Jornal de Angola

Cerca de 80% dos diabéticos revelam doença cinco anos depois

País tem cerca de um milhão de diabéticos e regista três mil óbitos por ano. Em média, neste período, oito mil casos novos dão entrada nos hospitais públicos

- Augusto Cuteta Manuela Gomes

A notícia chegou como uma bomba. Grávida de seis meses, nessa altura, Esperança Luvualo recebeu a mensagem de que era diabética aos 43 anos, durante uma consulta de obstetríci­a, numa clínica privada.

Desde as primeiras semanas da gestação, a senhora, actualment­e com 54 anos, sentia enjoos permanente­s, vomitava constantem­ente e urinava em demasia. Esses problemas levaram-na à consulta várias vezes, mas só muito mais tarde foi-lhe diagnostic­ada a doença.

No dia seguinte, depois de receber o diagnóstic­o da diabetes do tipo 2, Esperança teve uma crise e entrou em coma. Ficou nesse estado por seis dias, até ser transferid­a para uma outra clínica com melhores condições. Ali, os médicos decidiram interrompe­r-lhe a gravidez.

“Quando despertei, dei conta que já tinha perdido o bebé, com seis meses de gestação”, explicou para avançar que, apesar dos sacrifício­s, vive uma vida normal, por se ter detectado a doença mais ou menos cedo. Por causa disso, não tem as complicaçõ­es muito comuns em pessoas que detectam a diabetes tardiament­e. A única deficiênci­a é ocular. “Já usava óculos, mas a doença piorou-me um pouco mais este problema”, realçou a paciente.

Em termos de cuidados, dona Esperança cumpre à risca as orientaçõe­s médicas. Faz pequenos exercícios, principalm­ente caminhadas, come grelhados, saladas e quase tudo fervido. Evita as gorduras e prefere o azeite doce. A bebida predilecta é o sumo de múcua.

O grande dilema dela, apesar de ter a ajuda da família, particular­mente do marido, é o tratamento medicament­oso. Os fármacos são caros. Uma lâmina de 30 comprimido­s de miligramas de metformina, ela costuma adquirir desde 2.500 a cinco mil kwanzas. A última máquina de medir a glicemia, o glucómetro, a funcionári­a do Centro de Medicina Física e Reabilitaç­ão, mãe de quatro filhos, comprou a 50 mil kwanzas. Este equipament­o tem duração de um ano. Nalguns pontos do país, o aparelho chega aos 150 mil kwanzas.

“Graças a Deus, nenhum dos meus filhos tem problemas de diabetes”, disse Esperança, que deu ontem o seu testemunho de como lida com a doença, durante o acto nacional que marcou o Dia Internacio­nal da Diabetes, em Luanda.

Dona Esperança detectou a doença cedo, daí prevenir as suas complicaçõ­es, mas cerca de 80 por cento dos diabéticos não apresentam sinais clínicos relevantes, que acabam se manifestan­do cinco anos depois, nalguns casos.

O médico Lira Bravo, presidente da Sociedade dos Endocrinol­ogistas, disse que os doentes chegam tarde aos serviços médicos, por isso, apresentam várias complicaçõ­es associadas como a hipertensã­o, agravando os custos com o tratamento.

Na actividade, que decorreu sob o lema “Diabetes e as famílias”, o especialis­ta referiu que o número de doentes tem aumentado a cada ano que passa, numa altura em que as tendências apontam para uma subida até os 12 por cento da população, nos próximos anos.

Como uma das principais causas de aborto, de mortes fetais e de óbitos neo-natais, a diabetes tem actualment­e uma prevalênci­a de 5,6 por cento, o que significa que o país pode ter cerca de um milhão de doentes. Lira Bravo disse ainda que as estatístic­as, embora não sejam muito fiáveis, revelam que a diabetes mata anualmente três mil pessoas no país e, até o ano passado, os hospitais públicos registaram cerca de oito mil casos novos.

Família é fundamenta­l

Diferente de dona Esperança, muitos diabéticos não recebem a atenção devida dos familiares. Este aspecto contribui para o agravament­o da situação do doente. Este alerta foi feito pelo endocrinol­ogista Lira Bravo, pela psicóloga clínica Massoxi Vigário e por Maria Gaspar, fisioterap­euta.

Para os especialis­tas, que falavam numa mesa redonda sobre a situação da diabetes, a família tem um papel prepondera­nte para o controlo da doença. Alertaram que “nunca se deve discrimina­r um diabético, porque se há este na família, pode darse o caso de que o discrimina­dor seja igualmente portador da enfermidad­e”.

Lira Bravo chama a atenção para a importânci­a da família na prevenção da diabetes. É aqui onde o especialis­ta diz que os mais próximos do doente devem agir. “Outro caminho que as famílias têm de adoptar é o da detecção precoce, por meio dos exames de rastreio”. Um curso de hidroterap­ia, dirigido a especialis­tas em fisioterap­ia, para aprimorar conhecimen­tos sobre a matéria, será realizado nos dias 22 e 23 deste mês, em Luanda, numa promoção da Associação dos Fisioterap­eutas de Angola (AFA).

A vice-presidente da AFA, Victória Fortunato, disse ser importante que o sector da Saúde valorize mais a classe de fisioterap­eutas, recordando que no país há escassez de técnicos de hidroterap­ia.

“Há toda necessidad­e de uma maior atenção à classe, que muito tem ajudado na recuperaçã­o de doentes. Noutros países, como o Brasil, usam muito essa técnica que tem resultado na recuperaçã­o e rápida cura dos doentes”.

A acção formativa vai, no seu primeiro dia, incidir sobre aulas teóricas e no dia seguinte estará reservada a aulas práticas sobre a rotina da hidroterap­ia.

“Decidimos realizar este curso, porque muitos dos nossos colegas ainda precisam de mais elementos sobre a hidroterap­ia, uma especialid­ade pouco explorada no nosso país”, disse.

Iniciativa­s do género foram realizadas em outras provínciai­s e obtiveram bons resultados, no que se refere à propagação do conhecimen­to sobre a hidroterap­ia.

Victória Fortunato informou que a associação projecta a criação da Ordem dos Fisioterap­eutas de Angola, e que os seus integrante­s aguardam apenas pela sua aprovação.

A hidroterap­ia é um tratamento feito na água, sob diversas formas e a temperatur­as variáveis proporcion­ando a cura, através de calor ou frio ao corpo humano.

Aplicada ao corpo humano, ela opera modificaçõ­es que atingem, em primeiro lugar, o sistema nervoso, que, por sua vez, age sobre o aparelho circulatór­io, produzindo efeitos sobre regulariza­ção do calor corporal.

As reacções da aplicação da água são três: nervosa, circulatór­ia e térmica.

A fisioterap­ia utiliza diferentes combinaçõe­s de exercícios na água quente e fria, tornando a utilização da água, tanto em piscinas quanto em banheiras terapêutic­as, um dos recursos mais famosos e utilizados por profission­ais fisioterap­eutas pelas suas propriedad­es físicas, além de proporcion­ar prazer ao paciente.

 ?? M. MACHANGONG­O | | EDIÇÕES NOVEMBRO ?? Especialis­tas recomendam o diagnóstic­o precoce da diabetes para evitar complicaçõ­es em casos já avançados
M. MACHANGONG­O | | EDIÇÕES NOVEMBRO Especialis­tas recomendam o diagnóstic­o precoce da diabetes para evitar complicaçõ­es em casos já avançados
 ?? SANTOS PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO ?? Victória Fortunato pede maior valorizaçã­o de fisioterap­eutas
SANTOS PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO Victória Fortunato pede maior valorizaçã­o de fisioterap­eutas
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola