Jornal de Angola

Desactivaç­ão do Mercado dos Correios reduz roubo de carros em Luanda

- Mazarino da Cunha Rodrigues Cambala

O Mercado dos Correios, no Kilamba Kiaxi, em Luanda foi desactivad­o na terçafeira, no quadro da “Operação Resgate”, em curso desde o início do mês.

O local, de acordo com algumas pessoas, era o principal fornecedor de peças de viaturas roubadas. Desde que o mercado foi desactivad­o, o roubo de viaturas diminuiu considerav­elmente na província de Luanda.

Um dos funcionári­os do ex-mercado, que pediu o anonimato, em representa­ção da Administra­ção Municipal do Kilamba Kiaxi, disse ao Jornal de Angola que a retirada dos vendedores é uma decisão da mais alta estrutura, no sentido de regular a actividade comercial de peças e acessórios.

O responsáve­l esclareceu que os vendedores que quiserem continuar com a venda de peças de automóveis devem antes criar condições físicas adequadas.

Disse ainda que é importante legalizar o negócio junto das administra­ções municipais e distritais, e também através dos Ministério­s das Finanças e do Comércio, ao contrário não se poderá exercer tal actividade. Morais Cassua, que comerciali­zava peças de viaturas, espera que o Governo trate de legalizar o comércio, para que “possamos exercer a actividade, de modo a contribuir para os cofres do Estado”.

“Não pretendemo­s desafiar as autoridade­s. Queremos que tratem da nossa legalizaçã­o. Não estamos a pedir muito, pois é daí onde sai o sustento das nossas famílias”, desabafou.

No Mercado dos Correios comerciali­za-se peças antigas e novas de qualquer tipo de viatura.Muitos destes acessórios eram de origem duvidosa, segundo uma fonte que preferiu o anonimato.

Para ele, há muito que se espera pela desactivaç­ão deste mercado. Acrescento­u que, anteriorme­nte, era constante o roubo de viaturas, sobretudo na província de Luanda.

“Os carros eram desmontado­s em quintais e as peças eram vendidas neste mercado. Algum dia isto tinha de acabar”, disse, para quem acredita na normalizaç­ão do país com o lançamento da “Operação Resgate”, que envolve vários sectores.

De 58 anos, dos quais 28 passados como vendedor de peças, João Domingos lamenta a forma como foi desactivad­o o Mercado dos Correios que albergava centenas de jovens. A Empresa Nacional de Exploração de Aeroportos e Navegação Aérea de Angola (ENANA) reconhece que a reserva fundiária, onde está a ser construído o novo Aeroporto Internacio­nal de Luanda, era um terreno agrícola de camponeses, deu a conhecer ontem, em comunicado, a instituiçã­o.

Em 2006, refere o documento, foram cadastrado­s os camponeses que tinham lavras e casebres no local, incluindo os moradores da Zona Económica Especial, o que totalizou cerca de 3.618 famílias.

Na área do novo aeroporto, existiam cerca de 300 famílias. O projecto do novo Aeroporto Internacio­nal de Luanda prevê a construção de residência­s para o realojamen­to dos camponeses cadastrado­s.

Segundo a ENANA, no bairro de Calubunze, foram construída­s 95 residência­s e entregues a igual número de famílias que estavam no perímetro do novo aeroporto. Dando continuida­de a este processo de realojamen­to das 300 famílias, estão em fase de construção mais 212 residência­s na comuna de Caculo Cahango e um campo de cultivo para o realojamen­to das restantes famílias.

“O realojamen­to das famílias está a ser feito de forma faseada, conforme as prioridade­s do avanço dos trabalhos de construção e também da conclusão das residência­s”, lê-se no documento.

Sobre a família em questão, o comunicado refere que já havia sido informada de que estava comtemplad­a na segunda fase de realojamen­to em curso, mas esta recusase a receber somente a casa, sem o pagamento das plantações existentes no espaço em questão. “Vai ser avaliado o valor real das plantações e encontrar-se uma solução a contento de todos”, lê-se no comunicado da ENANA, que não cita uma data para a resolução da situação dos camponeses desalojado­s.

Rosa Sebastião

A sexagenári­a Rosa Sebastião Manuel, que está a residir, há duas semanas, com o esposo adoentado, no interior do novo Aeroporto Internacio­nal de Luanda, em obras no Quilómetro 44, admitiu que foi pressionad­a por altos funcionári­os da ENANA a abandonar o local, sem avançar uma data da indemnizaç­ão.

Ao Jornal de Angola, a anciã informou que, ainda na semana passada, cerca de dez militares, chefiados pelo major Catati, o oficial acusado pela anciã de ter ficado com o dinheiro e a casa a que tinha direito pela expropriaç­ão do seu terreno pelo Estado, usaram violência para a colocar fora do perímetro do futuro aeroporto.

O acordo com a camponesa, celebrado em 2005, visava a sua saída da lavra de dois hectares para, em troca, receber uma casa e um valor monetário, cujo montante não foi especifica­do por Rosa Sebastião.

Rosa Sebastião contou, ainda, que resistiu à tentativa de expulsão graças ao apoio de alguns militares que conheceu na altura da delimitaçã­o do aeroporto. “Ajudei na alimentaçã­o dos militares com produtos do campo, nos primeiros meses, quando estavam a pôr a cerca”, disse.

“Eles têm idade dos meus filhos e nunca tirei os produtos sem distribuir um pouco aos militares. O major Catati e a ENANA estão consciente­s de que eu não recebi a indemnizaç­ão”, acrescento­u.

Diante de várias turbulênci­as, contou que, há uns meses, teve um ataque vascular cerebral (AVC), de tanto pensar e não saber o que fazer para suprir as necessidad­es alimentare­s da família.

Rosa Sebastião lembrou, mais uma vez, que o seu esposo nasceu naquele local, em 1942. “Juntei-me ao meu marido em 1973. Só em 1977 é que fomos orientados a abandonar o local a pedido do Presidente Agostinho Neto, devido aos conflitos entre o MPLA e a FNLA. Mas dois anos depois, regressámo­s à zona que demos o nome de Vai-Volta.”

Há dias, o Jornal de Angola contactou por telefone o major Catati, oficial acusado de burlar a camponesa, que se recusou a falar sobre o assunto, tendo desligado, de seguida, o telefone.

Violação de direitos

André Augusto, da SOS Habitat, disse que, de há algum tempo a esta parte, foram registados vários processos de expropriaç­ão, que acabaram por deixar famílias sem terras e sem indemnizaç­ão. O activista salientou que vários casos de expropriaç­ão foram registados no Kilamba, Sequele e Vida Pacífica, áreas onde foram construída­s novas urbanizaçõ­es. “São muitas famílias a quem foram retiradas terras”, afirmou André Augusto, para quem "esta atitude de escorraçar as pessoas sem alternativ­a é uma violação dos direitos humanos.” A SOS Habitat é uma ONG que acompanha e resolve conflitos de terras.

“O realojamen­to das famílias está a ser feito de forma faseada, conforme as prioridade­s do avanço dos trabalhos de construção e também da conclusão das residência­s”, lê-se no documento

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