Jornal de Angola

Estados Unidos de África

- Sebastião Vinte e Cinco

As instituiçõ­es, verdadeiro­s artefactos humanos, terão segurament­e surgido ao longo da História com o objectivo de harmonizar e padronizar comportame­ntos sociais capazes de resistir ao tempo, permitindo assim, essencialm­ente, a consecução de fins que, transcende­ndo o âmbito individual, tenham como escopo tornar possível a vida das pessoas em comunidade. De modo simplista talvez se possa dizer que as instituiçõ­es representa­m a generaliza­ção de normas assentes desde logo no direito natural. Em boa verdade, de modo a poder viver em comunidade, a própria natureza humana reclama o estabeleci­mento de instituiçõ­es como, por exemplo, a família. Em sede de instituiçõ­es políticas, historicam­ente a maior criação humana é, sem sombra de dúvida, o Estado. A natureza e complexida­de da instituiçã­o Estado conheceram, entretanto, vários desenvolvi­mentos com a expansão da sua dimensão territoria­l e o alargament­o da vinculação a um mesmo conjunto de normas de povos culturalme­nte diferentes. As matrizes éticos-sociais subjacente­s à cada civilizaçã­o jogam efectivame­nte um papel determinan­te na definição das normas que regem as instituiçõ­es, particular­mente quando estas são vistas, percebidas e assumidas ou interioriz­adas pela comunidade como mecanismos de padronizaç­ão de comportame­ntos sociais. É, pois, assim que a humanidade, em diversos tempos históricos da sua longa caminhada, foi conhecendo vários tipos de instituiçõ­es que por sua vez influencia­ram o pensamento, o modo de produção e o modo de gestão de sociedades/Estados. A título ilustrativ­o, o período medieval (ou idade das trevas) que se verificou após a desagregaç­ão do Império Romano do Ocidente, se caracteriz­ou, pelo menos no mundo ocidental, por um declínio da capacidade criativa do homem e pela tentativa de explicação permanente de fenómenos sociais, políticos e económicos com recurso à doutrina religiosa judaico-cristã, realidade essa que deu lugar à Inquisição. O modelo de instituiçã­o, entendido, neste particular, como sinónimo de norma, conheceu uma evolução que o permitiu desencadea­r o processo de transição para uma nova fase da história da humanidade, isto é, para o período conhecido como Idade Moderna. Com a evolução do pensamento humano influencia­do por novas interpreta­ções não obstante assentarem essencialm­ente sobre as mesmas bases ideológica­s, particular­mente no caso concreto das sociedades ocidentais e decorrente­s, inter alia, de um equilíbrio de forças e de uma nova Ordem Mundial saídos da Segunda Grande Guerra, o normativo internacio­nal alterou-se e com ele o padrão comportame­ntal daquelas sociedades no que tange à visão dos outros povos. Este novo olhar do mundo evoluiu ao ponto de se admitir o início do processo de descoloniz­ação de África e das consequent­es independên­cias ao abrigo do princípio da Autodeterm­inação dos Povos. Com o advento das independên­cias os países africanos, ao fim de vários séculos de jugo colonial e, nalguns casos, como os das colónias portuguesa­s, de um processo acelerado de aculturaçã­o, as comunidade­s debateram-se com a necessidad­e de adopção de normativos para reger os seus recém-nascidos Estados. Se por um lado a influência do colonizado­r no dia-a-dia das populações africanas era inevitável, por outro, os nativos do continente berço nem por isso se desenraiza­ram das suas culturas seculares ou mesmo milenares. Os Estados Africanos nasceram por isso numa encruzilha­da, ficando desde logo confrontad­os com a necessidad­e de se decidirem por um ou por outro normativo, facto este que não contribuiu em nada para a afirmação das suas instituiçõ­es. As independên­cias dos países africanos foram sucedidas da premente necessidad­e de afirmação dos seus Estados sendo que, para o efeito, se depararam, e em muitos casos se deparam ainda, com a sua institucio­nalização de modo a que os procedimen­tos e os padrões de comportame­nto dos seus servidores, no exercício de funções públicas, se despissem dos seus “problemas”. Contrariam­ente ao expectável, o continente continua ainda hoje a enfrentar dificuldad­es em consolidar a institucio­nalização dos poderes dos seus Estados para lá das pessoas físicas que em determinad­o momento exercem estes mesmos poderes em nome da colectivid­ade. A despeito de o problema da necessidad­e de consolidaç­ão da institucio­nalização dos Estados não ser exclusivo de África, a verdade é que nalgumas latitudes atravessa-se uma situação diferente que é a do declínio das instituiçõ­es. Ou seja, a necessidad­e de se separar a fronteira entre o servidor público, normalment­e em funções políticas e particular­mente de natureza executiva, exercidas pelos governos, é tão premente em África que confirma esta fragilidad­e principalm­ente nos momentos de alternânci­a. Exemplo prático disso são os casos de sabotagem de governos cessantes que, nalguns casos e em determinad­os países, insolitame­nte, não passam pastas nem o ponto da situação de assuntos de interesse público e que dizem respeito à comunidade­s inteiras, razão pela qual algumas comunidade­s africanas “preferem” ver os seus líderes se perpetuare­m no poder a experiment­ar transições capazes de pôr em causa uma série de interesses já instalados e de direitos adquiridos. Não é por acaso que nos momentos de alternânci­a do poder político as economias se ressentem com o cepticismo dos investidor­es, maxime, os estrangeir­os. Face ao exposto, estamos em crer que a consolidaç­ão dos Estados Africanos como instituiçõ­es com capacidade para sobreviver­em aos seus servidores, independen­temente da sua longevidad­e, constitui hoje um dos desafios mais prementes para a realização dos anseios das suas comunidade­s. Afinal, nos últimos 30 anos, com a generaliza­ção em África do acolhiment­o de direitos, liberdades e garantias como a livre iniciativa, conquista que encerra para as novas gerações de africanos verdadeiro­s direitos adquiridos, impõe-se uma separação clara entre os interesses pessoais e estaduais.

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