Estados Unidos de África
As instituições, verdadeiros artefactos humanos, terão seguramente surgido ao longo da História com o objectivo de harmonizar e padronizar comportamentos sociais capazes de resistir ao tempo, permitindo assim, essencialmente, a consecução de fins que, transcendendo o âmbito individual, tenham como escopo tornar possível a vida das pessoas em comunidade. De modo simplista talvez se possa dizer que as instituições representam a generalização de normas assentes desde logo no direito natural. Em boa verdade, de modo a poder viver em comunidade, a própria natureza humana reclama o estabelecimento de instituições como, por exemplo, a família. Em sede de instituições políticas, historicamente a maior criação humana é, sem sombra de dúvida, o Estado. A natureza e complexidade da instituição Estado conheceram, entretanto, vários desenvolvimentos com a expansão da sua dimensão territorial e o alargamento da vinculação a um mesmo conjunto de normas de povos culturalmente diferentes. As matrizes éticos-sociais subjacentes à cada civilização jogam efectivamente um papel determinante na definição das normas que regem as instituições, particularmente quando estas são vistas, percebidas e assumidas ou interiorizadas pela comunidade como mecanismos de padronização de comportamentos sociais. É, pois, assim que a humanidade, em diversos tempos históricos da sua longa caminhada, foi conhecendo vários tipos de instituições que por sua vez influenciaram o pensamento, o modo de produção e o modo de gestão de sociedades/Estados. A título ilustrativo, o período medieval (ou idade das trevas) que se verificou após a desagregação do Império Romano do Ocidente, se caracterizou, pelo menos no mundo ocidental, por um declínio da capacidade criativa do homem e pela tentativa de explicação permanente de fenómenos sociais, políticos e económicos com recurso à doutrina religiosa judaico-cristã, realidade essa que deu lugar à Inquisição. O modelo de instituição, entendido, neste particular, como sinónimo de norma, conheceu uma evolução que o permitiu desencadear o processo de transição para uma nova fase da história da humanidade, isto é, para o período conhecido como Idade Moderna. Com a evolução do pensamento humano influenciado por novas interpretações não obstante assentarem essencialmente sobre as mesmas bases ideológicas, particularmente no caso concreto das sociedades ocidentais e decorrentes, inter alia, de um equilíbrio de forças e de uma nova Ordem Mundial saídos da Segunda Grande Guerra, o normativo internacional alterou-se e com ele o padrão comportamental daquelas sociedades no que tange à visão dos outros povos. Este novo olhar do mundo evoluiu ao ponto de se admitir o início do processo de descolonização de África e das consequentes independências ao abrigo do princípio da Autodeterminação dos Povos. Com o advento das independências os países africanos, ao fim de vários séculos de jugo colonial e, nalguns casos, como os das colónias portuguesas, de um processo acelerado de aculturação, as comunidades debateram-se com a necessidade de adopção de normativos para reger os seus recém-nascidos Estados. Se por um lado a influência do colonizador no dia-a-dia das populações africanas era inevitável, por outro, os nativos do continente berço nem por isso se desenraizaram das suas culturas seculares ou mesmo milenares. Os Estados Africanos nasceram por isso numa encruzilhada, ficando desde logo confrontados com a necessidade de se decidirem por um ou por outro normativo, facto este que não contribuiu em nada para a afirmação das suas instituições. As independências dos países africanos foram sucedidas da premente necessidade de afirmação dos seus Estados sendo que, para o efeito, se depararam, e em muitos casos se deparam ainda, com a sua institucionalização de modo a que os procedimentos e os padrões de comportamento dos seus servidores, no exercício de funções públicas, se despissem dos seus “problemas”. Contrariamente ao expectável, o continente continua ainda hoje a enfrentar dificuldades em consolidar a institucionalização dos poderes dos seus Estados para lá das pessoas físicas que em determinado momento exercem estes mesmos poderes em nome da colectividade. A despeito de o problema da necessidade de consolidação da institucionalização dos Estados não ser exclusivo de África, a verdade é que nalgumas latitudes atravessa-se uma situação diferente que é a do declínio das instituições. Ou seja, a necessidade de se separar a fronteira entre o servidor público, normalmente em funções políticas e particularmente de natureza executiva, exercidas pelos governos, é tão premente em África que confirma esta fragilidade principalmente nos momentos de alternância. Exemplo prático disso são os casos de sabotagem de governos cessantes que, nalguns casos e em determinados países, insolitamente, não passam pastas nem o ponto da situação de assuntos de interesse público e que dizem respeito à comunidades inteiras, razão pela qual algumas comunidades africanas “preferem” ver os seus líderes se perpetuarem no poder a experimentar transições capazes de pôr em causa uma série de interesses já instalados e de direitos adquiridos. Não é por acaso que nos momentos de alternância do poder político as economias se ressentem com o cepticismo dos investidores, maxime, os estrangeiros. Face ao exposto, estamos em crer que a consolidação dos Estados Africanos como instituições com capacidade para sobreviverem aos seus servidores, independentemente da sua longevidade, constitui hoje um dos desafios mais prementes para a realização dos anseios das suas comunidades. Afinal, nos últimos 30 anos, com a generalização em África do acolhimento de direitos, liberdades e garantias como a livre iniciativa, conquista que encerra para as novas gerações de africanos verdadeiros direitos adquiridos, impõe-se uma separação clara entre os interesses pessoais e estaduais.