Resposta ao drama da violência baseada no género
De acordo com a Organização das Nações Unidas "é considerada violência de género (VBG) aquela que é exercida de um sexo sobre o sexo oposto. Em geral, o conceito refere-se à violência contra a mulher, sendo que o sujeito passivo é uma pessoa do sexo feminino".
A VBG é, desde 2003, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como um grave problema de saúde pública. Éfruto de um sistema de relações sociais que atribui papéis diferentes a homens e mulheres, colocando a mulher numa posição de subordinação e inferioridade face ao homem e gerando relações sociais, económicas e culturais historicamente desiguais. Persiste, porque ainda se mantêm padrões socioculturais que permitem e justificam o controlo e o exercício de poder do homem sobre a mulher.
É um problema mundial que tem suscitado debate e tem engajado diversos actores, quer estatais como da sociedade civil, para o combate contra este drama mundial.
Em Angola, esta questão é também uma preocupação nacional, tendo em conta a gravidade dos casos denunciados e os números cada vez mais preocupantes.
Dados revelam que o número de denúncias de casos de Violência Doméstica, nos Centros de Aconselhamento do País, em 2017, foi de 6.097. Ao longo dos anos, a tendência do número de casos tem sido de aumento, pois, em 2016, as informações divulgadas apontavam para 5.707 casos. O tipo de violência mais denunciado, segundo dados divulgados em 2017, é o abandono familiar, seguido da violência psicológica. Importa realçar que as mulheres são as que mais denunciaram (82,75 por cento).
Mais do que números, a violência doméstica é um drama familiar que afecta não apenas as pessoas directamente ligadas ao problema, mas toda a família e a sociedade na qual os indivíduos estão inseridos. “Paula”, 34 anos, é uma das milhares de mulheres que enfrentam este problema. Casada, enfrenta sérios problemas familiares, porque o marido a agride verbalmente.
“Ele contava o tempo para eu chegar a casa após o trabalho. Se achasse que estava atrasada, gritava muito comigo. Se eu tivesse que viajar a trabalho, ficava com ciúmes, inclusive já chegou a ligar aos meus colegas. Sinto-me pressionada e envergonhada por tudo isso”, lamenta.
Os problemas para “Paula” são cada vez maiores ao ponto de o marido a ter colocado fora de casa. “Na semana passada, por eu ter viajado ao Lubango numa comitiva da empresa, quando regressei a casa, ele começou a ofender-me, gritava muito alto. Todos os vizinhos ouviram. Colocou a minha roupa em malas e expulsou-me. Saí e os meus filhos só choravam. Neste momento, não atende aos meus telefones e impede-me de ver os miúdos. Sinto-me muito mal, é muita pressão sobre mim”, explica a jovem.
Para lutar pelos seus direitos, “Paula” constituiu advogado e achou importante compartilhar a sua história, para que outras mulheres também tenham a coragem de romper o ciclo de silêncio. “Eu vivi nove anos num ambiente de constante violência psicológica, tortura mesmo. O meu marido ofendia-me constantemente e sempre me disse que não seria nada sem ele. Tinha muito medo de desafiá-lo, porque pensava nos meus filhos, pois ele sempre me disse que, se o abandonasse, iria tirar-me os miúdos. Ultimamente, nem tinha ânimo para trabalhar, só chorava”, acrescenta.
À semelhança de “Paula”, milhares de pessoas em Angola são afectadas pela violência baseada no género, um problema que deve merecer uma resposta urgente e coordenada por parte dos actores estatais e da sociedade civil, no sentido de apoiar as vítimas, e para que seja feita justiça aos casos denunciados.
Em termos legais, Angola aprovou, em 2011, a Lei Contra a Violência Doméstica (Lei 25/11), um instrumento eficaz de combate a este drama social, que permite, inclusive, que uma terceira pessoa possa denunciar tal situação, o que é extremamente importante, pois, em muitos casos, as vítimas, por medo, pressão familiar ou por dependerem economicamente do agressor, têm receio de procurar pelas autoridades. A mesma Lei consagra a instituição das casas de abrigo e acolhimento, onde as pessoas afectadas por este problema podem ficar por tempo determinado, quando já não é possível continuar no ambiente familiar, e podem receber atendimento multidisciplinar.
O combate à violência baseada no género é uma das prioridades do Governo de Angola que, para além da legislação nacional, assinou importantes instrumentos internacionais sobre o assunto, tais como: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação sobre a Mulher (CEDAW). Em termos práticos, várias acções de sensibilização têm sido realizadas. Diariamente, os centros de acolhimento atendem às vítimas e em conjunto com outras instituições do Estado, é-lhes dado apoio multidisciplinar.
Tendo em conta a realidade actual, é necessária uma resposta coordenada que congregue as diferentes instituições do Estado e da sociedade civil para o combate à violência baseada no género. Um importante passo neste sentido será a I Conferência Nacional sobre Violência Baseada no Género, que está a ser organizada pelo Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher e a Fundação Sagrada Esperança, com a colaboração da Rede Mulher Angola e do Fórum de Mulheres Jornalistas para a Igualdade de Género (FMJIG), com o objectivo de debater o problema e traçar estratégias para acelerar o combate contra este fenómeno social.
Juntas e juntos podemos enfrentar este problema!
* Directora Nacional dos Direitos da Mulher, Igualdade e Equidade do Género