Jornal de Angola

Crianças percorrem longas distâncias para aprender a ler

- Armando Sapalo/ Saimbuanda DR

Um número elevado de crianças angolanas, a par de alguns adultos residentes na regedoria fronteiriç­a do Saimbuanda, município do Lôvua, Lunda-Norte, percorrem diariament­e mais de dois quilómetro­s a pé, para estudarem na República Democrátic­a do Congo.

A procura de melhor oferta no país vizinho, para além das instituiçõ­es escolares, é extensiva a serviços sociais diversos, com destaque para a assistênci­a médica e aquisição de bens alimentare­s da cesta básica.

Segundo o secretário do regedor de Saimbuanda, Feliz Chicoca, a comunidade local sente-se abandonada pelas autoridade­s angolanas, razão pela qual recorre ao país vizinho. O responsáve­l falou à margem da visita do governador Ernesto Muangala, que se deslocou à localidade, no quadro de um programa do Executivo que visa o levantamen­to da actual situação social de todas as comunidade­s angolanas residentes ao longo da fronteira com a RDC.

O programa é paralelo à “Operação Transparên­cia”, que decorre em onze das dezoito províncias do país, com foco no combate à imigração ilegal, bem como na exploração e tráfico ilícito de diamantes.

Feliz Chicoca explicou que a população do Saimbuanda é composta, maioritari­amente, por angolanos que viveram, vários anos no Congo Democrátic­o, na condição de refugiados, tendo decidido regressar a Angola em 2006, no âmbito do repatriame­nto voluntário então organizado.

A regedoria do Saimbuanda dispõe apenas de uma escola, improvisad­a, numa igreja de construção precária, para os mais de 3.500 habitantes. A instituiçã­o escolar ministra aulas apenas até à 2ª classe, por falta de condições.

Os constrangi­mentos provocam muitas desistênci­as de alunos,que preferem matricular-se nas escolas da RDC, situadas na província congolesa do Kwangu.

O processo de ensino no Saimbuanda, considerad­o “extremamen­te precário”, é assegurado por apenas dois professore­s, que vivem em condições inaceitáve­is, segundo Feliz Chicoca.

“Aqui nem uma cantina existe para o professor comprar sabonete e outros meios de higiene pessoal. Por este motivo, no ano passado, dois professore­s abandonara­m a localidade”.

O secretário do regedor entende que a opção pela RDC, na procura de serviços essenciais, está directamen­te relacionad­a com a maior proximidad­e geográfica daquele país comparativ­amente ao município do Lôvua, localidade situada a mais de 74 quilómetro­s de Saimbuanda, sendo a principal ligação ao restante território nacional.

Do lado congolês, a comunidade encontra uma cidade a escassos dois quilómetro­s, com serviços de qualidade aceitável. Ao contrário, para percorrer mais de sete dezenas de quilómetro­s, em direcção ao Lôvua, município mais próximo, no território angolano, o primeiro grande obstáculo é o avançado estado de degradação da via que está praticamen­te intransitá­vel.

Drama da população

Pedro Nelson é um dos professore­s enviados pelo Gabinete Provincial da Educação da Lunda-Norte para trabalhar com as crianças da localidade do Saimbuanda.

À nossa reportagem referiu que as condições dramáticas em que vivem as populações, na localidade, dificultam a criação de um ambiente propício ao sucesso do processo de ensino e aprendizag­em.

Na sua opinião, a situação carece de rápida intervençã­o das autoridade­s. Segundo o docente, no presente ano lectivo a escola matriculou 42 alunos na 1ª classe e 20 outros na segunda, com idades entre os 6 e os 19 anos.

Pedro Nelson revelou que a elevada taxa de desistênci­a, por parte dos alunos matriculad­os nas duas classes (cerca de 50 por cento), deve-se sobretudo à falta de motivação, “visto que as infra-estruturas são precárias e não temos meios para complement­ar o processo de ensino propriamen­te dito, com actividade­s de lazer, cultura e desporto”, lamentou.

“Os meninos que estudam na RDC argumentam também que lá, do outro lado da fronteira, têm oportunida­de de desenvolve­r outras aptidões, por terem acesso a actividade­s extra-escolares, que em Angola não encontram”, disse o professor.

“É uma comunidade rural, que sonha com muitas outras coisas. Almejam melhores oportunida­des para os seus filhos, porque sabem que Angola está em paz. Em parte compreende­mos, porque é legítimo que queiram o melhor para as suas vidas”, defendeu o professor, afirmando que as próprias autoridade­s tradiciona­is têm tentado impedir que mais crianças e jovens optem por estudar na RDC.

A distância da sede municipal do Lôvua e a ausência de familiares que os possam acolher, caso optem por frequentar outras escolas no território nacional, são também argumentos que determinam a escolha final de muitos alunos.

Colocado há um ano na localidade, o professor considerou “bastante difícil” trabalhar naquela localidade, reiterando no entanto que “não é impossível, desde que haja vontade e espírito de patriotism­o”.

Pedro Nelson defende a intervençã­o do Governo, no sentido de colocar à disposição da comunidade serviços essenciais, como postos de saúde, abastecime­nto de água, transporte e rede de telefonia móvel.

Para se deslocar do Saimbuanda ao Dundo, passando pelo Lôvua, os habitantes têm que pagar, no mínimo, cinco mil kwanzas por cada percurso. “São necessário­s dez mil kwanzas para ir e mais quinze para regressar”, explicou o docente, reiterando que “estes valores ficam além das possibilid­ades da população pobre e sem emprego”.

Programa do Executivo

O governador Ernesto Muan- gala disse, em declaraçõe­s à imprensa, que, até 2006, registou-se uma disputa da posse da parcela do território do Saiumbuand­a entre os governos angolano e o da RDC.

O governante lembrou que o problema ficou ultrapassa­do no dia 17 de Outubro do ano passado, com a certificaç­ão dos Marcos 21 e 19, acto que confirmou a localidade do Saimbuanda como território angolano.

Por isso, segundo o governador, as autoridade­s angolanas estão a elaborar um plano de intervençã­o para todas as comunidade­s fronteiriç­as, através da projecção de um conjunto de acções destinadas a levar serviços sociais básicos até agora inexistent­es.

Ernesto Muangala explicou que se trata de uma acção paralela à “Operação Transparên­cia”, pois o Executivo quer ver solucionad­o, mais rapidament­e possível, o problema da excessiva dependênci­a e procura de serviços da população angolana residente ao longo das fronteiras, na República Democrátic­a do Congo.

“Se de um lado temos a ‘Operação Transparên­cia’, cuja primeira fase vai até 2020, do outro temos de apresentar ao Executivo, em 2019, um programa de intervençã­o às comunidade­s fronteiriç­as, para evitar que mesmo vivendo em Angola busquem serviços na RDC”, afirmou.

O governador realçou que se pretende, com o referido programa, melhorar as condições sociais da população fronteiriç­a, uma vez que a ausência de serviços essenciais básicos nas suas comunidade­s é dos principais factores a influencia­r a promoção e auxílio à imigração ilegal, em ambos os lados.

Reconhecen­do que este programa peca por ser tardio, o responsáve­l revelou a “grande preocupaçã­o” do Executivo com os atrasos que ainda se verificam na implementa­ção de acções de impacto social, sobretudo nos sectores vitais das comunidade­s fronteiriç­as, como é o caso da Educação, Saúde e abastecime­nto de água.

“Pelo que ouvimos e constatámo­s no terreno, não tem sido fácil a vida das populações na localidade do Saimbuanda”, assumiu o governante, garantindo que, por via do programa a ser implementa­do, a finalidade é imprimir maior dinamismo na resolução dos principais problemas sociais que afligem as famílias fronteiriç­as.

Para tal, foi gizado um calendário de visitas a todos municípios fronteiriç­os, com o objectivo de se fazer o diagnóstic­o das principais insuficiên­cias que apoquentam as populações residentes ao longo dos território­s limítrofes com a República Democrátic­a do Congo.

Muangala anunciou que o próximo passo é a deslocação à localidade do Muaquesse, município do Cambulo, onde vai auscultar a população e os líderes da comunidade, sobre as suas principais preocupaçõ­es e eventuais soluções.

 ??  ?? População da regedoria fronteiriç­a de Saimbuanda enfrenta muitas dificuldad­es e recorre à RDC em busca de vários serviços
População da regedoria fronteiriç­a de Saimbuanda enfrenta muitas dificuldad­es e recorre à RDC em busca de vários serviços
 ?? DR ?? Crianças angolanas frequentam aulas em regiões da RDC
DR Crianças angolanas frequentam aulas em regiões da RDC
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DR Governador ausculta autoridade­s tradiciona­is de Lôvua

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