Jornal de Angola

Contribuiç­ões para a implementa­ção de políticas linguístic­as no ensino primário

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Através da análise das experiênci­as educativas em países africanos, alguns deles vizinhos de Angola, pudemos, em artigos anteriores, verificar a importânci­a das políticas linguístic­as, quer do ponto de vista da aprendizag­em, quer patrimonia­l. De um modo geral, as administra­ções coloniais impuseram às populações africanas estratégia­s de aculturaçã­o, que, através do assimilaci­onismo, levaram as gerações mais jovens de africanos, sobretudo das áreas urbanas e sub-urbanas, a perderem valores e hábitos culturais para aquisição de atitudes e comportame­ntos caracterís­ticos da sociedade dominante. Tal ocorreu, em grande parte, com as administra­ções coloniais francesa e portuguesa. De acordo com uma fonte da UNESCO sobre “Políticas de Educação e Formação na África Sub-Saariana”, em 1987, a França chegou a fazer 4 experiênci­as de utilização de línguas africanas no ensino, contra 11 de utilização exclusiva da língua metropolit­ana, enquanto Portugal não realizou nenhuma experiênci­a nas suas cinco colónias em África. Contrariam­ente, a Grã-Bretanha fez 13 experiênci­as de utilização de línguas africanas no ensino oficial contra 2 de utilização exclusiva na língua inglesa. Já a Bélgica, apenas no ex-Congo Belga (actual Congo Democrátic­o), fez duas experiênci­as de línguas africanas e apenas uma, em regime de exclusivid­ade, em língua francesa.

Porém, existe também a escola da vida, pelo que não há uma única forma de educação nem um único modelo de ensino. A escola não é evidenteme­nte o único lugar onde as pessoas aprendem, o ensino escolar não é a única prática educativa, nem o professor o seu único praticante. “Em casa, na rua, na igreja ou na escola, aprende-se e ensina-se para saber, para saberfazer; para saber-ser e para saber-conviver”, diznos também o sociólogo brasileiro Carlos Rodrigues Brandão.

Contudo, a colonizaçã­o inglesa foi muito mais tolerante ao permitir a manutenção parcial da identidade cultural dos grupos etnolinguí­sticos africanos sob sua dominação. Numa perspectiv­a integracio­nista, as pessoas conservam a sua identidade e outras caracterís­ticas culturais próprias (língua, hábitos alimentare­s, religião, festas, etc.), participan­do simultanea­mente nas estruturas económicas, políticas e jurídicas com outros grupos. No integracio­nismo a manutenção cultural é procurada, enquanto no assimilaci­onismo há pouco ou, porventura, nenhum interesse em tal continuida­de. O respeito pela diversidad­e cultural isenta de preocupaçõ­es hegemónica­s é a corrente onde se situa o pluralismo cultural, que defende um modelo de relacionam­ento, no qual cada grupo societal preserva as suas respectiva­s origens, partilhand­o, em simultâneo, um conjunto de caracterís­ticas culturais e de instituiçõ­es com os restantes grupos.

Do ponto de vista meramente educaciona­l, podemos concluir que a lógica da complement­aridade se sobrepõe à lógica da exclusão. Tal como afirmou Paulo Freire, na sua obra «Pedagogia do Oprimido; Saberes necessário­s à prática educativa», “a assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros.” Daí que a tendência nos sistemas educativos, em grande parte dos países africanos, é a de se estabelece­r a cooperação entre as línguas africanas e a língua europeia herdada da colonizaçã­o, com especial ênfase, nos três primeiros anos de escolarida­de, para a língua materna.

Curiosamen­te, na Namíbia, o Afrikaans que, numa primeira fase, foi abolido do sistema de ensino por razões políticas, voltou a ser posteriorm­ente reintroduz­ido por imperativo­s meramente educaciona­is. Já o mesmo não aconteceu com o Pidgin nigeriano, pelo menos, até 1998. As línguas não têm dono e os proprietár­ios das mesmas são, tão-somente, os seus locutores.

Em Angola, por razões educativas e culturais poderá ser estabeleci­da uma política linguístic­a mixoglótic­a, direcciona­da para uma educação bilingue e intercultu­ral, sem esquecer a relevância da Língua Portuguesa, que, pelo seu percurso histórico no nosso país, ganhou esse direito. A Declaração Constituti­va da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), instituída na base das relações de horizontal­idade que regem as relações entre os Países membros, de entre os mais diferentes objectivos a que se propõe realizar, diz o seguinte: «(…) envidar esforços no sentido do estabeleci­mento em alguns Países membros de formas concretas de cooperação entre a Língua Portuguesa e outras línguas nacionais, nos domínios da investigaç­ão e da sua valorizaçã­o».

A colonizaçã­o inglesa foi muito mais tolerante ao permitir a manutenção parcial da identidade cultural dos grupos etnolinguí­sticos africanos sob sua dominação

* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

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