Jornal de Angola

A canja!

- MANUEL RUI

A minha sobrinha Carla, artista plástica que colaborou com um belo texto para o livro O Kaputo camionista e Eusébio, é igualita ao pai no que toca à simplicida­de e atitude insistente de estarmos juntos. “Os tios quando voltarem do México ficam em minha casa, já pedi tanta vez e fazem-me desfeita!”

Aí, eu cheguei a Lisboa com uma infecção respiratór­ia arranjada numa viagem de Xalapa para a Cidade do México, por terra, muita chuva, tinha levado medicação mas estava mesmo mal. “Então é que vão mesmo para minha casa, toda à disposição e eu vou para casa da mãe.”

Enfiei-me na cama com o aqueciment­o ligado e ainda uma botija de água quente entre os lençóis. Pensei em socorrer-me dos serviços de saúde que Angola tem em Lisboa mas pensei que teria que sair, espirrar mais e preencher toda a papelada para aquele Hospital da Cruz Vermelha que me parecia mais um museu de doentes e doenças…ou uma fábrica e deixeime estar, a Alice fez-me um chá de camomila, cêgripe, esfregação com Vicks nas costas (passe a publicidad­e).

Ao fim do dia apareceu a Carla com um recipiente desses modernos forrado para manter o calor. “A mãe mandou-lhe uma canja de Moçambique, é o melhor para a constipaçã­o.”

Disse que comia mais tarde. Canja de Moçambique? Como seria?

Quando a Alice me serviu o manjar-remédio, fiquei estupefact­o de como a mana Flora preparara uma canja como as que minha mãe fazia como sopa boa para dar aos doentes. E tinha arroz, pedaços de galinha, moela, coração, ovos ainda em formação nos ovários, as patas, as folhas de hortelã e a gordura da galinha à tona. Afinal a canja de Moçambique era igual à que minha mãe fazia! Eu não gostava de patas, mas um dia, já aqui em Luanda, depois de lhe terem destruído a casa e terem conseguido fugir para cá, eu apanhei uma virose, a mãe sempre sentada na borda da cama, o médico era o Gasparinho. A mãe dava-me a canja colher a colher, eu tiritava de febre a suar, não quis as patas e o Gasparinho deu uma de nutricioni­sta e obrigoume a chupar as patas. Eu agora olhava para as patas de galinha sem lhe tocar e ainda ofereci os ovos à Alice.

A canja levantou-me o moral. Sentado na cama, abri o computador e comecei a demandar essa coisa de que a canja era medicament­o. Pensei no muzongué. Que saudade! Um dos meus pratos preferidos que eu fazia com acrescento de mariscos. Sim, que a canja fazia bem à constipaçã­o e à diarreia. Isto na tradição tuga. Também as mulheres da aldeia depois de darem à luz ficavam um tempo a tomar canja. E que quando Napoleão invadiu Portugal e os Ingleses vieram ajudar, serviram ao Duque de Wellington, Arthur Wellesley, canja. Ele enviou a receita por carta à esposa que ficou espantada com os conhecimen­tos culinários do marido. Isto passa-se na Figueira da Foz onde o inglês instalara o quartel-general… por essas e por outras há quem diga que canja portuguesa nasceu na Figueira da Foz, cidade à beira mar e de bom peixe…

Mas a canja entrou nos paços reais da monarquia portuguesa. Era servida a D. Maria I no Palácio da Ajuda e D. Pedro II, imperador do Brasil, comia todas os dias… e como a galinha é mãe do frango, o pai de D. Pedro, o rei D. João VI, na fuga às invasões francesas embarcou em nau inglesa levando a casa às costas como soe dizer-se até a biblioteca nacional que eu tive oportunida­de de visitar no Brasil, pois o rei, andava sempre com coxas de galinha cozinhadas metidas nos bolsos, o porcalhote com a roupa sempre toda besuntada deve ter comido um aviário durante a viagem.

Voltando à canja que leva sempre arroz, recordo minha infância em que de vez em quando a canja levava massinha com letras o que nunca mais vi, devem ter desapareci­do aquando da alfabetiza­ção que não chegou a metade. Agora, parece que quem terá divulgado a canja em Portugal foi o médico da corte Garcia da Horta, andado pelas Índias onde canja se chama kenji.

Óbvio que as canjas viraram sopa de galinha e a do Brasil passa por refogado com cebola, aipo, alho e tomate, parecida com a sopa de galinha da Guiné, petisco com muito suco de limão e jindungo.

Uma sopa com arroz? Afinal a canja para doenças e convalesce­nças é originária da China e dá pelo nome de congee.

Estava eu em canjas e a sentir melhoras quando apareceu na TPÁfrica, a locutora grande, com voz de quem anuncia um cataclismo. Uma grande crise em S. Tomé por rotura de estoques de preservati­vos. Ao que isto chegou. Não há nenhuma alma caridosa que carregue uma avioneta com esse material? E comecei a meditar e, para além das sexualment­e transmissí­veis, lembrei-me que poderia ser perigoso para o povo pois, sem preservati­vos, os políticos podiam-se lembrar do pior…pois, como diz o ditado tuga, cautela e caldo de galinha…nunca fez mal a ninguém!

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