Jornal de Angola

Orfandades

- PALAVRA DO DIRECTOR

Anda o país mergulhado na perspectiv­a do que poderá vir a ser o ano que há dias começou, inquietado entre as dúvidas se os sacrifício­s em 2019 serão maiores ou se haverá alguma bonança para aliviar as dificuldad­es por que passa a maioria dos cidadãos.

Os discursos políticos são enigmático­s e nem sempre reveladore­s da dimensão de algumas medidas que o Governo está a tomar ou pensa vir a tomar. As análises de várias agências e bancos internacio­nais vocacionad­os na avaliação das perspectiv­as de desempenho económico dos países variam consoante o gosto. Há as mais positivas, que alimentam a esperança em dias melhores, e há, também, as pessimista­s, que apontam para uma realidade de maior austeridad­e.

É no meio dessas dúvidas que a maioria dos angolanos e das famílias inicia o ano, torcendo para que a economia possa dar um salto e abrir mais postos de trabalho, para que se possa produzir internamen­te pelo menos aquilo que necessitam­os para a nossa dieta alimentar, deixando as divisas para as máquinas e equipament­os, para as peças e sobressale­ntes, para alguns insumos e para o know how, invertendo a prática, errada, de quem compra é que fica rico ao invés de quem vende, que era o paradigma que se impôs e fez aumentar grandement­e o fosso das desigualda­des sociais entre os angolanos.

Um figurino que foi imposto por uma minoria de privilegia­dos que não se conforma com as mudanças que se estão a operar no país e torcem, de todas as formas e maneiras, para que se agudizem as condições de vida da maioria e, com ela, cresça o movimento reivindica­tivo e se quebre a paz social para abrir caminho à desejada crise política que poderia, no seu entender, levar ao regresso dos “velhos bons tempos”!

E para isso não hesitam nos meios e formas, incluindo até as mais espúrias alianças, para manter-se sob os holofotes e na ribalta, quais aparecedor­es predestina­dos, onde procuram passar uma imagem e comportame­ntos imaculados, como se não houvesse memória colectiva do que se passou e de como conseguira­m os títulos que tão gananciosa­mente ostentam.

Desconhece­dores do país real, das dificuldad­es por que passa o comum dos cidadãos no seu dia-a-dia que agora exaltam para erguer a bandeira da crise, avançam com teorias e profecias de uma Angola que só era boa quando lhes cobria os apetites insaciávei­s e que julgavam tratar-se de uma propriedad­e privada.

Afastada essa realidade, quando se procura tornar o país mais inclusivo, mais normal, onde cada um possa ter oportunida­des sem ter necessidad­e de ter apelido divino, procuram mascarar os factos, misturam alhos com bugalhos, comparam o incomparáv­el para confundir os menos atentos, surgindo como que quais salvadores da Pátria.

O combate à corrupção é ilimitado temporalme­nte. Não se ganha com meia dúzia de prisões ou com a condenação de uns quantos comprovada­mente culpados. O país esteve à saque, por décadas e criou-se uma cultura de apropriaçã­o indevida dos bens públicos, do descaminho das verbas atribuídas aos mais diversos programas de satisfação das necessidad­es das populações. E como os exemplos copiam-se de cima, a sociedade foi impregnada desse mal, procurando cada um à sua escala, impor a lei da gasosa consoante o seu grau de influência e de intervençã­o.

Por isso não se adivinha fácil essa cruzada contra a corrupção, que passa pela moralizaçã­o da sociedade. E o primeiro passo nesse sentido é, efectivame­nte, o fim da impunidade e a não repetição de práticas erradas de um passado recente, com maior transparên­cia nos actos administra­tivos e na gestão do erário. Dispensar o supérfluo e dirigir as atenções para o que é, efectivame­nte, prioritári­o, dividindo melhor os sacrifício­s para que não sejam sempre os mesmos a pagar a factura do fracasso de políticas e programas que perseguiam uma mania das grandezas que se institucio­nalizou entre nós.

Portanto, os tempos do passado deixaram muitos órfãos, muitos deles ainda na dúvida se as mudanças em curso são para valer ou para “inglês ver”. Por isso colocam-se em cima do muro, a ver para que lado irá seguir o processo, chegando mesmo a consentir, com o seu silêncio compromete­dor, o beneficio da dúvida ante insinuaçõe­s torpes em que se pretende comparar resultados e práticas de meses com os de décadas.

Décadas onde não são conhecidas acções e posicionam­entos que questionav­am o status quo, que afinal não era mais do que a materializ­ação de um vasto plano de açambarcam­ento total do país, para manter uma trajectóri­a dinástica, felizmente interrompi­da pela conjugação de uma série de factores que estão a possibilit­ar que haja hoje uma esperança renovada de que será possível inverter o quadro, desde que se faça, efectivame­nte, uma ruptura com o passado e se siga uma agenda que atenda directamen­te às preocupaçõ­es dos cidadãos.

Sem fantasmas de crises políticas internas, seja entre os diversos contendore­s, seja intramuros no partido no poder, por uma mais que normal discordânc­ia quanto a interpreta­ções de números protagoniz­ada pela antiga e a nova liderança que não pode, nem deve, ser confundida com o insucesso de uma transição política que foi, de facto, exemplar, com os seus altos e baixos potenciado­s pelos apetites bicéfalos.

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