Cartada de mestre
A indicação provisória de Félix Tshisekedi como novo Presidente da RDC, constitui para Kabila o culminar do que está a ser entendido como uma estratégia minuciosamente preparada e aplicada destinada, fundamentalmente, a aplanar o caminho para daqui a cinco anos se voltar a candidatar ao cargo que agora é forçado a abandonar, é bom que se recorde não por sua livre vontade mas sim por imposição constitucional. Trata-se, se tudo lhe correr sem grandes sobressaltos, de uma verdadeira cartada de mestre.
Para preparar esse eventual regresso ao poder congolês nada melhor para ele do que, durante os próximos cinco anos, ter no comando dos destinos do país uma personalidade como Félix Tshisekedi, um político pouco tarimbado em lideranças políticas, que nunca se conseguiu afastar da sombra do seu pai, que é olhado com desconfiança até por pessoas da sua própria família e que já se revelou, explicitamente, ser um mal menor para as aspirações futuras do Presidente que se prepara para dizer um adeus temporário ao poder.
Na estratégia montada pelos “arquitectos” políticos de Kabila, era fundamental limitar ao máximo o número de potenciais candidatos presidenciais, de modo a poder encaixar entre eles um seu aliado, neste caso Emmanuel Shadary, que tivesse por principal missão servir-lhe de “chapéu de chuva” às críticas conjugadas dos seus opositores, desviando desse modo as atenções da opinião pública contrária à maioria presidencial e, sobretudo, ao próprio Presidente cessante.
Entre os elementos impedidos de participar no pleito, estiveram dois dos mais poderosos líderes da oposição: Jean-Pierre Bemba e Moises Katumbi, que se colocaram a jeito disso por terem contas a acertar com a justiça, por força de processos judiciais criteriosamente “ressuscitados” nos dias que antecederam a formalização das candidaturas.
Para tentar evitar males maiores e assim impedir a vitória de Sharady, Bemba e Katumbi lideraram um processo de mobilização da oposição para que pudesse ser encontrado um candidato que congregasse todos os que se opõem a Kabila.
No meio desse processo, surgiram quase do nada notícias a darem conta de que a escolha já tinha recaído em Félix Tshisekedi, facto que levou a que os principais líderes da oposição recorressem aos bons ofícios da Fundação Kofi Annan para que esta criasse na Suíça as condições para que se pudesse lá realizar uma reunião, à porta fechada e sem telemóveis na sala, de modo a que a escolha pudesse ser feita sem interferências externas e numa discussão de olhos nos olhos.
Dessa reunião, para surpresa de muitos, saiu unanimemente escolhido o nome de Martin Fayulu, um homem ligado aos negócios do petróleo, com reputação de sério e um passado político que deixava antever uma vitória tranquila.
Porém, dois dias depois dessa escolha ter sido feita, com documentos comprovativos devidamente assinados, resultantes de compromissos livremente assumidos, eis que Félix Tshisekedi depois de regressar à RDC conseguiu convencer Vital Kamerhe a dar o dito pelo não dito, acabando os dois por assinarem um outro acordo que não só os desligava do anterior como os unia para uma candidatura comum liderada pelo Presidente que a CENI diz ter ganho as eleições. Logo nessa altura alguns elementos da oposição temiam que a divisão de votos pudesse facilitar uma eventual eleição de Emmanuel Sharady, por entenderem servir claramente a estratégia de Kabila.
À medida que a “chama” de Sharady se apagava durante a campanha eleitoral, mais aumentavam as aproximações entre Tshisekedi e Kabila, facto que levou imprensa internacional a noticiar o facto e a dar destaque a algumas declarações do agora presidente provisoriamente eleito a elogiar a postura do Presidente cessante e, mais recentemente, a dizer mesmo que se vencesse lhe ofereceria um lugar de embaixador plenipotenciário num país ocidental.
Numa altura em que todas as organizações independentes que fazem parte da sociedade civil, com destaque para a Conferência Episcopal, davam implicitamente como garantida e por margem confortável a eleição de Martin Fayulu, eis que a meio da noite de quinta-feira a comissão eleitoral proclamou Felix Tshisekedi como sendo o vencedor provisório das presidenciais, com uma diferença de votos suficientemente confortável para afastar a possibilidade de qualquer surpresa em relação ao que se poderá passar em Março, quando o pleito ficar completo depois da ida às urnas nos três círculos onde ainda falta votar.
Trata-se, realmente, de uma cartada de mestre, pois Joseph Kabila não só conseguiu realizar as eleições que a Constituição impunha (ainda que com dois anos de atraso), como também viu os observadores do processo dizerem unanimente que o processo decorreu de modo “satisfatório”. De esquebra, que neste caso é o bem maior viu ser, ainda que provisoriamente, eleito o seu agora “amigo” Félix Tshisekedi, um facto que lhe permite ter um sono tranquilo e, quem sabe, sonhar com um futuro bem risonho. Afinal de contas cinco anos passam rápido…