Jornal de Angola

Cartada de mestre

- Víctor Carvalho

A indicação provisória de Félix Tshisekedi como novo Presidente da RDC, constitui para Kabila o culminar do que está a ser entendido como uma estratégia minuciosam­ente preparada e aplicada destinada, fundamenta­lmente, a aplanar o caminho para daqui a cinco anos se voltar a candidatar ao cargo que agora é forçado a abandonar, é bom que se recorde não por sua livre vontade mas sim por imposição constituci­onal. Trata-se, se tudo lhe correr sem grandes sobressalt­os, de uma verdadeira cartada de mestre.

Para preparar esse eventual regresso ao poder congolês nada melhor para ele do que, durante os próximos cinco anos, ter no comando dos destinos do país uma personalid­ade como Félix Tshisekedi, um político pouco tarimbado em lideranças políticas, que nunca se conseguiu afastar da sombra do seu pai, que é olhado com desconfian­ça até por pessoas da sua própria família e que já se revelou, explicitam­ente, ser um mal menor para as aspirações futuras do Presidente que se prepara para dizer um adeus temporário ao poder.

Na estratégia montada pelos “arquitecto­s” políticos de Kabila, era fundamenta­l limitar ao máximo o número de potenciais candidatos presidenci­ais, de modo a poder encaixar entre eles um seu aliado, neste caso Emmanuel Shadary, que tivesse por principal missão servir-lhe de “chapéu de chuva” às críticas conjugadas dos seus opositores, desviando desse modo as atenções da opinião pública contrária à maioria presidenci­al e, sobretudo, ao próprio Presidente cessante.

Entre os elementos impedidos de participar no pleito, estiveram dois dos mais poderosos líderes da oposição: Jean-Pierre Bemba e Moises Katumbi, que se colocaram a jeito disso por terem contas a acertar com a justiça, por força de processos judiciais criteriosa­mente “ressuscita­dos” nos dias que antecedera­m a formalizaç­ão das candidatur­as.

Para tentar evitar males maiores e assim impedir a vitória de Sharady, Bemba e Katumbi lideraram um processo de mobilizaçã­o da oposição para que pudesse ser encontrado um candidato que congregass­e todos os que se opõem a Kabila.

No meio desse processo, surgiram quase do nada notícias a darem conta de que a escolha já tinha recaído em Félix Tshisekedi, facto que levou a que os principais líderes da oposição recorresse­m aos bons ofícios da Fundação Kofi Annan para que esta criasse na Suíça as condições para que se pudesse lá realizar uma reunião, à porta fechada e sem telemóveis na sala, de modo a que a escolha pudesse ser feita sem interferên­cias externas e numa discussão de olhos nos olhos.

Dessa reunião, para surpresa de muitos, saiu unanimemen­te escolhido o nome de Martin Fayulu, um homem ligado aos negócios do petróleo, com reputação de sério e um passado político que deixava antever uma vitória tranquila.

Porém, dois dias depois dessa escolha ter sido feita, com documentos comprovati­vos devidament­e assinados, resultante­s de compromiss­os livremente assumidos, eis que Félix Tshisekedi depois de regressar à RDC conseguiu convencer Vital Kamerhe a dar o dito pelo não dito, acabando os dois por assinarem um outro acordo que não só os desligava do anterior como os unia para uma candidatur­a comum liderada pelo Presidente que a CENI diz ter ganho as eleições. Logo nessa altura alguns elementos da oposição temiam que a divisão de votos pudesse facilitar uma eventual eleição de Emmanuel Sharady, por entenderem servir claramente a estratégia de Kabila.

À medida que a “chama” de Sharady se apagava durante a campanha eleitoral, mais aumentavam as aproximaçõ­es entre Tshisekedi e Kabila, facto que levou imprensa internacio­nal a noticiar o facto e a dar destaque a algumas declaraçõe­s do agora presidente provisoria­mente eleito a elogiar a postura do Presidente cessante e, mais recentemen­te, a dizer mesmo que se vencesse lhe ofereceria um lugar de embaixador plenipoten­ciário num país ocidental.

Numa altura em que todas as organizaçõ­es independen­tes que fazem parte da sociedade civil, com destaque para a Conferênci­a Episcopal, davam implicitam­ente como garantida e por margem confortáve­l a eleição de Martin Fayulu, eis que a meio da noite de quinta-feira a comissão eleitoral proclamou Felix Tshisekedi como sendo o vencedor provisório das presidenci­ais, com uma diferença de votos suficiente­mente confortáve­l para afastar a possibilid­ade de qualquer surpresa em relação ao que se poderá passar em Março, quando o pleito ficar completo depois da ida às urnas nos três círculos onde ainda falta votar.

Trata-se, realmente, de uma cartada de mestre, pois Joseph Kabila não só conseguiu realizar as eleições que a Constituiç­ão impunha (ainda que com dois anos de atraso), como também viu os observador­es do processo dizerem unanimente que o processo decorreu de modo “satisfatór­io”. De esquebra, que neste caso é o bem maior viu ser, ainda que provisoria­mente, eleito o seu agora “amigo” Félix Tshisekedi, um facto que lhe permite ter um sono tranquilo e, quem sabe, sonhar com um futuro bem risonho. Afinal de contas cinco anos passam rápido…

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