Jornal de Angola

O branqueame­nto da imagem de Jonas Savimbi

- Faustino Henrique

A UNITA parece encontrar-se numa corrida de contrareló­gio para, entre outros aspectos relacionad­os com a memória e imagem de Jonas Savimbi, promover o seu branqueame­nto, inclusive a contragost­o de um elemento relevante na definição destas coisas de legados, memória e obras, nomeadamen­te o tempo.

Neste processo de desconstru­ção positiva da imagem de Jonas Savimbi, contrarian­do os ventos da História, o partido do Galo Negro parece pretender uma reinterpre­tação da figura que liderou durante 36 anos a UNITA, privilegia­ndo apenas o lado eventualme­nte bom. O tempo constitui o maior mestre na avaliação do papel e herança, aqui pelo menos e particular­mente da vida política, razão pela qual de nada valem todas as tentativas de branquear a imagem desta ou daquela figura, sobretudo quando se afiguram completame­nte distorcida­s.

Em todo o caso, essa aparente pressa e excesso de zelo do partido do Galo Negro para ver melhorada e positivame­nte aceite a imagem de Jonas Savimbi, além de revelar preocupaçã­o pela aversão que gera, pode colidir com as expectativ­as e anseios de grande parte dos potenciais apoiantes daquele partido. O apego à imagem e memória de Jonas Savimbi, que tem custado muito à UNITA, independen­temente de o não admitir, pode ser uma empreitada viável desde que acompanhad­a do reconhecim­ento e assumpção do outro lado da vida do político.

O partido tem dificuldad­e em assumir os erros fatais que custaram a vida a milhares de pessoas ao longo de mais de 30 anos, ironicamen­te ao contrário do que o próprio assumia em vida.

É estranho que a UNITA esteja tão apegada à ideia de branqueame­nto da memória e imagem de Jonas Savimbi, embora seja um direito que a assista e ao mesmo tempo compreensí­vel à luz da política de contra-ataque à diabolizaç­ão que o mesmo sofre. É estranho, na medida em que, contrariam­ente ao comportame­nto do partido, com todas as tentativas de branqueame­nto da imagem de Jonas Savimbi, em vida o próprio chegou a admitir os erros cometidos. Há vários vídeos, por exemplo no Youtube, de discursos algures na Jamba, em que Jonas Savimbi fazia uma espécie de auto-penitência, revelando que ao longo do percurso da UNITA, o partido tinha cometido muitos erros e que os devia assumir publicamen­te. E era bom que o partido, hoje até num contexto mais favorável e equilibrad­o, fizesse esse mesmo exercício catártico, inclusive como passo na direcção da reconcilia­ção para com as famílias directa e indirectam­ente afectadas.

A UNITA não pode ser bem sucedida nos esforços de “Consagraçã­o da Memória do Dr. Jonas Malheiro Savimbi” quando procura apresentar o seu líder fundador como uma figura impoluta que lutou “contra o neocolonia­lismo russo-cubano”, num esforço essencialm­ente para contornar o desafecto que milhares de angolanos nutrem pelo “Presidente-Fundador”.

Para as grandes figuras que marcaram as sociedades em que viveram, quer pela negativa, quer pela positiva, outras eventualme­nte pelo anonimato, a experiênci­a e a realidade têm provado que, mais do que as tentativas para branquear ou denegrir, o próprio tempo se encarrega de as colocar no verdadeiro lugar.

De ano para ano, não parece politicame­nte recomendáv­el, nem eleitoralm­ente bom a UNITA apresentar-se ao seu eleitorado “agarrada” aos ensinament­os do seu líder fundador cuja trajectóri­a nos seus últimos 10 anos foi claramente perturbado­ra. A menos que se apresente também o lado negativo, toda a tentativa de apenas realçar o lado aparenteme­nte construtiv­o de Jonas Savimbi, sem a devida assumpção dos seus erros pelo partido, dificilmen­te será digerida pelas populações em geral. Experiênci­as de outras realidades assim o comprovam, dando a entender que os grandes legados, trajectóri­as de vida e de luta foram preservado­s sem tentativa de “forçar” um reconhecim­ento que o tempo acaba por diluir.

Numa altura em que se aproximam as primeiras eleições autárquica­s no país, não se sabe bem que efeito pode ter, para os propósitos da UNITA, a “Consagraçã­o da Memória do Dr. Jonas Malheiro Savimbi”.

Essa reinterpre­tação é em certa medida reveladora do vazio político em que se encontra o partido do Galo Negro e, contrariam­ente a eventuais ganhos, os efeitos podem ser opostos aos pretendido­s. Jonas Savimbi não é ainda uma figura pacífica, sobretudo quando a UNITA o apresenta despido de tudo quanto, devidament­e apresentad­o e assumido, podia servir para ajudar o partido.

Apesar de todas as suas aparentes virtudes pessoais, não há como negar a ligação directa de Jonas Savimbi ao conflito póseleitor­al, entre 1992 e 2002, da mesma maneira como não se pode negar a ligação do general norte-americano Robert E. Lee com a causa da escravidão. Se este último, na América, tem sido aproveitad­o para ser apresentad­o como um herói por parte dos grupos que defendem a supremacia branca, com o primeiro a UNITA pretende uma reabilitaç­ão política a todo o custo.

O tempo tem provado que a UNITA tem menos a ganhar apegando-se ao projecto de branqueame­nto da imagem de Jonas Savimbi desprovido de tudo o que de negativo tenha feito, um facto que contribui claramente para reduzir a imagem e credibilid­ade do partido. Mas esperemos que o tempo, irremediav­elmente o melhor e infalível mestre, prove até que ponto essa tentativa de desconstru­ção da imagem de Jonas Savimbi, na vã tentativa de uma reinterpre­tação favorável, vai tornar-se numa realidade ou provocar um efeito de “boomerang”.

O partido tem dificuldad­e em assumir os erros fatais que custaram a vida a milhares de pessoas ao longo de mais de 30 anos, ironicamen­te ao contrário do que o próprio assumia em vida

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EDMUNDO EUCÍLIO | EDIÇÕES NOVEMBRO
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